Friday, March 31, 2006

SABEDORIA IGNORANTE

Acabo aqui:
Onde tudo começo.
No recomeço de tudo.

Há uma suave sensação
De sofrimento inútil
Em contar estrelas
Ou procurar verdades.
Toda mentira é confortável
E nunca arde.

Vejo a única luz
Da chama acesa do saber
Que me persegue
Por nada conhecer.
O peso dos sonhos que carrego
Envolto no véu da ignorância
É o que produz esta bonança
De saber apreciar o mar
E o luar.

A névoa brinca com a clareza.
Pode ser que a vida seja
Um caminho de luz.
Perdido na noite escura
Limito minha procura
Ao prazer do instante.
Nada de pensar no adiante
Nem antecipar o gozo ou a tristeza.

Cada momento tem sua própria beleza.

Thursday, March 30, 2006

ODE AO VINHO

Há um dia em que se calarão os desejos.
Hoje não.
Hoje preciso, necessito, urgente,
De teus beijos, de teu corpo,
De sentir de novo a sensação
De que o amor não é uma ilusão.

E sôfrego conseguir chegar a algo,
Deixar crescer à flor da pele
O desejo guardado,
Que vem assim louco, desesperado,
Em paixão aflorar
E satisfeito e calmo estar.

Sei que fui,
Que vou além do que devia,
Mas o amor, o amor é uma agonia,
Desembrulhando as emoções inesperadas
Que são espalhadas em suor, lençóis
E deixam marcas eternas em nós.

Pode não ter sentido
Sentir meu peito batendo assim
E tentar conservar na memória
O gosto de uma noite apenas.
O cálice da vida, no entanto,
Muitas vezes, não tem mais do que se abastecer.
Vem, amor, meu vinho é você
E preciso me embriagar.

PRIME CAUSE

O dragão malvado
Em sonhos me persegue
Normalmente por ruas e vielas
Com o furor assassino
De quem deseja me ver cadáver.
Rezo para que o mago do bem,
Que afasta as sombras
E trás a luz,
Apareça como um deus renascido,
Um moderno Jesus,
Para me salvar.
Encurralado, num beco sem saída,
Rememoro todos os pecados
Antes da hora final
Querendo identificar meus erros
E por qual deles pago assim
Para ter tão triste fim.
Deve ter sido minha soberba alucinante-
Penso no último instante-
Em que de horror brado
Já antevendo meu triste fado
E, quando sinto o calor da labareda,
Suando de medo acordo
E, feliz, de imediato, constato
Que ver filme de terror
Dá pesadelos!
(De Poemas Mal Comportados)

Wednesday, March 29, 2006

PROBLEMAS DE LINGUAGEM

Era uma japonesinha quase comum,
Meio gordinha.
Tentei falar com ela em inglês...
Uma vez, duas, três.
Eu falava, ela ria.
Meu desejo crescia
E a japonesinha era arisca
Procurava agarrar
E ela dava um jeito de escapar.
E ria, ria, ria sem parar
Aquilo só fazia me excitar!

A necessidade é criativa:
Analisei o caminho,
Fiz metas e planos
Com meia garrafa de rum
Pra não esquecer detalhe nenhum.
Quando ia passando
Agarrei com vontade a oriental
E tasquei-lhe uma chupada na orelha
De derreter metal.

Ela só ria, ria e ria...
Envolto no desejo
Cobri seu corpo de beijos,
Tirei, com rapidez, a sua roupa
E num tempo menor ainda
Ela dengosa se contorcia
E ria e gemia, gemia e ria sem parar...
Nem terminou direito de gozar
Só fez pegar as roupas
amassadas
E sem dizer nada correu e ria, ria,
ria sem parar.
Aquilo me enlouqueceu.

Nunca mais vi a japonesinha
Que desapareceu.
Perguntei tempos depois por ela
E me disseram que algo aconteceu.
A mudinha-me contaram-
Era mansa como uma ovelha
E, de uma hora pra outra, ficou braba
Quase que com a casa toda acaba
E só sossegou quando a deixaram
Fazer o curso de gueixa no Japão.
(De Poemas Mal Comportados)

TRAIÇÃO INACEITÁVEL

O Lixeiro Filósofo
Óleo de Roberto Magalhães (http://robertomagalhaes.art.br)

É verdade, compadre, que sinto falta,
Que a enganei, que esgotei as cotas.
Não posso, enfim lhe contar lorotas
Que já fizemos boas e a conta é alta.

Sei bem que, hoje, agora, é civilizado
E aceito, pela maioria, como normal.
Mas, meu amigo, não me leve a mal
Embora por dor igual tenha passado.

Não se trata mesmo de machismo.
Chega um tempo que isto é ridículo
E, quando já se perdeu até o lirismo,
A amizade é, por certo, o único vínculo.

O pecado dela, porém tem de mortal,
Infelizmente, um plus tão zombeteiro
Que ultrapassa a traição habitual:
Tinha que dar logo pra um lixeiro!

Monday, March 27, 2006

URGÊNCIA

Nesta noite, hoje, agora, já, há
Esta imensa necessidade de teu corpo,
Teus braços, tuas coxas, teu ventre, teus seios.
Todo meu conhecimento se resume
A este desejo desconhecido, e súbito,
Que me impele a dizer
Todas as palavras impensadas
Que brotam como flores incompreensíveis
Para que compreendas
O pouco significado do amanhã
Que, suspeito, tu sabes
Quando agora, já, neste momento,
Representas tudo e tudo represento:
Um homem, uma mulher e um doce momento
Em que a vida se faz mágica
E a paixão e o prazer são nossa razão
e alimento,
E alcançar, ao mesmo tempo, o céu,
O compasso que rege a dança
De nosso comum pensamento
Que nossos corpos conduz
A mais doce aliança.

Sunday, March 26, 2006

AUTÓPSIA

Foto de Nivaldo Narã da Ópera La Bòheme

Examinei o que restou de mim
Com a tua ausência
Constatando que a tua falta
Vai corroendo meus ossos,
Me prende a respiração,
Seca-me a pele outrora,
Pelos dias e noites de amor,
Umedecida e caudalosa,
Como se fosse um mar,
De todos fluidos do bem amar.
Não sei mais como procurar
A tua boca perdida,
As tuas mãos
Que acendiam a chama da paixão
E me deixaram orfão de ilusão.
A falta do teu corpo
No meu corpo
É tão inglória
Que pareço morto,
Sem futuro e história
Ainda cheio de vida.

Saturday, March 25, 2006

A POESIA DE UNGARETTI


CANTO
da IL SENTIMENTO DEL TEMPO - da L'AMORE
Giuseppe Ungaretti

Rivedo la tua bocca lenta
(Il mare le va incontro delle notti)
E la cavalla delle reni
In agonia caderti
Nelle mie braccia che cantavano,
E riportarti un sonno
Al colorito e a nuove morti.
E la crudele solitudine
Che in sè ciascuno scopre, se ama,
Ora tomba infinita,
Da te mi divide per sempre.
Cara, lontana come in uno specchio...

CANÇÃO

Recordo outra vez sua boca lenta
(o mar indo ao encontro da noite)
E o teu corpo deslizando
Na agonia a cair
Nos meus braços que cantaram,
E embalaram um sono
Que se coloria com a tinta nova da morte.

E a cruel solidão
Que em si todos descobrem, se amar,
Tombou na hora infinita,
Em que você de mim para sempre se separou.
Querida, distante como num espelho...

Obs.: Esta é uma prova incontestável de que quanto mais ignorante se é mais se trai....

NOTÍCIAS DE UMA ROSA EM NOVA ZELÂNDIA

Foto do rio Taumaranui by Rosa Maria

Sei lá onde fica a Nova Zelândia.
Talvez me lembre a Gentilândia,
Em Fortaleza,
Que deve ter mudado mais que as ondas
Do mar Egeu-se é que existe.

Sei, todavia que Rosa Maria,
Uma goiana desencontrada e inconformada,
Olha as águas escuras e geladas
Do rio Taumaranui,
Tentando sua vida construir, tira fotos e ri,
Nem me importa de quê,
Na sua aventura de viver.

Sei também que nenhum lugar é estranho,
Em qualquer lugar do mundo,
Quando se pode sentir o cheiro de jasmin-estrela
Num cantinho do terraço
E me parece impossível
Não pensar nela com carinho
E aqui, da Amazônia, de mansinho,
Invadindo, via Internet, seu espaço
Envio para Rosa aquele abraço.

Thursday, March 23, 2006

ESTUDO EM VERMELHO

CEREJA
No seu escorregar lúbrico
Denota toda a voluptuosidade
do mundo.
Sua cor vermelha
Traz a marca
Da sensualidade inata
E sei que, na minha boca,
seu corpo terá gosto de mel.
Apraz-me vê-la assim,
Em todo o seu esplendor,
Esperando a marca de meus dentes,
A viscosidade de minha língua
descobrindo-lhe os últimos segredos.
O palito, que é o prolongamento de minhas mãos,
Arranca do copo de Martini
Esta cereja afrodisíaca.
Fecho os olhos
Mergulhando na especial degustação
De sua alma feminina vegetal
E sei do mundo apenas que a cereja
É, como sua boca que me beija,
Profunda, misteriosa e sensual!

Wednesday, March 22, 2006

INFLEXÍVEL VINGANÇA


Há certos momentos na vida
Em que não se pode vacilar
Nem ser flexível.
É preciso ter determinação,
Vontade, decisão!

São momentos cruciais
Em que não se pode abrir mão
De ter uma férrea posição
Seja pela pátria ou honra,
Um valente em vão
Não se desonra.

E somente pára se vingado
Ou pensa poder me trair assim
Sem pagar nada ao fim?
Eu lhe digo que não
Não irei lhe dar descanso mais
Nem perdão jamais, jamais.

Só me consolarei com lágrimas,
Arrependimento, lamentos
Pedidos de perdão e sangue.
Nem que em mil tribunais ande
Hei de lhe fazer pagar
Enquanto um fio de vida me restar.

Exceto, se você voltar.
(De Poemas Mal Comportados)

Monday, March 20, 2006

ESTE AMOR


Este amor que é tudo quanto resta
Me redime das culpas e pecados.
É uma árvore, contudo uma floresta,
Um deserto de oásis alagado.

Este amor que é tudo quanto tive
Me desculpa dos erros e desejos.
É tão grande que em todo espaço vive;
Tão pequeno que mora nos teus beijos.

Este amor que é tudo quanto levo
Me deixa de ilusão carregado
Feliz de me atrever o quanto atrevo.

Este amor que é tudo que me é dado
É muito mais do que solo e relevo;
É terra, é ar, é céu, canção, pecado!
(Do livro Imagens da Incerteza).

TENDÊNCIA


O comum, o normal me ofende.
Sou um maldito consumado
Tanto que meu incessante fado
Para o desvio sempre tende.

As linhas retas me obcecam
Na sua linearidade absurda
Me soam feito nota surda
Na qual os cantos secam.

As coisas quadradas destroem
Toda e qualquer pretensão.
Estão ocultas nelas o não
Que nos olhos e ouvidos doem.

Os homens que vivem na média
São, para mim, como algozes.
Matam pensamentos velozes
Numa rotina que me entedia.

A vida do seres ditos normais
Para quem pensa é longo sono,
Pois implica no abandono
Dos prazeres mais vitais.
(Do Livro Imagens da Incerteza).

Sunday, March 19, 2006

INSONE AMOROSO

(Imagem pescada do Blog miombligo.free)

Depois de uma noite sem sono
As reações ficam prejudicadas
E as pálpebras cansadas,
Independentes do querer, se fecham
Em microssonos rápidos
E, nas estradas, fatais.
Vem, meu amor,
Desde que você se foi
Não durmo mais
E a culpa será toda sua
Se eu tiver um acidente!

EU, HEIN....


(Álvaro Campos revisitado a partir da margens do Rio Madeira)

Sim: Alguma coisa quero.
Com o fato de que não sei o que é me desespero.

Preciso chegar a algumas conclusões!
A única que não almejo é morrer.
Ou me apegar às modernas e horríveis estéticas!
Nada de politicamente certo e de ética!

Livrem-me da falsa metafísica!
Não me falem com vozes políticas em desenvolvimento sustentável nem no verde
Dos ecologistas (ecologistas, meu Deus, são falsos magos!) —
Sabem de todo futuro das ciências, das artes, da civilização...passada!

Que mal faz o progresso a eles todos?
Se têm o futuro nas mãos, criem outro!

Sou um leigo, mas creio no saber até onde ele sabe.
Fora disso sou ignorante, com todas dúvidas dos mortais comuns.
Por que sou obrigado a pensar como eles?
Não me perturbem, por amor de Deus!

Vão fazer suas passeatas, desfraldar bandeiras, se amarrar ou gritar slogans n’outra freguesia ou não tenho direito à paz?
Só por que desejam o contrário disto, e nem sabem o quê, gritam contra qualquer coisa?
Se outro mundo fosse possível seria um capaz de fazer-lhes todas vontades?
O mundo possível é este, tenham paciência!
Vão fazer barulho sem mim e bem longe.
Deixem-me sozinho seguir meu caminho!
Para quê vamos perturbar todos juntos?

Não me empurrem causas!
Não gosto de seguir a manada.
Quero ser sozinho.
Já disse que gosto de pensar sozinho!E só os idiotas adoram a companhia da cambulhada porque dá a impressão de que não erram sozinhos!

Claro que não há mais céu azul — nem é o mesmo da minha infância —
Até Heráclito já sabia que tudo muda!
O furioso Madeira explode em cachoeiras,
Grandes verdades nas águas se refletem!

Ó verdades revisitadas, Porto Velho de outrora é outra hoje!
E me oferece outras coisas em troca do que tirou e faz com que me sinta feliz como estou.

Sei que viver é lutar!
Há de se saber porque lutar...
E enquanto não se sabe o melhor é estudar do que repetir chavões e o silêncio para pensar é o melhor vizinho!

... e cultive o bom humor. Não há nada melhor para bem amar e o mundo mudar!

Friday, March 17, 2006

ROBERT FROST



The Pasture

Robert Frost

I’m going out to clean the pasture spring;
I’ll only stop to rake the leaves away
(And wait to watch the water clear, I may):
I sha’n’t be gone long.—You come too.

I’m going out to fetch the little calf
That’s standing by the mother. It’s so young,
It totters when she licks it with her tongue.
I sha’n’t be gone long.—You come too.

from North of Boston (1915)

O PASTO

Eu estou indo limpar a fonte do pasto;
Eu só pararei afastar as folhas sempre
(E assistir a água clarear, eu posso):
Eu não espero ir longe...Você também vêm.

Eu estou indo buscar o bezerrinho
Que estava esperando pela mãe. É tão jovem,
Até cambaleia quando com sua língua o lambe.
Eu não espero ir longe...Você também vêm

Thursday, March 16, 2006

A MORTE DO POETA


The Poet Is Dead
William Everson
(excerpt from Everson's memorial for Robinson Jeffers)

Snow on the headland,
The strangely beautiful
Oblique concurrence,
The strangely beautiful
Setting of death.

The great tongue
Dries in the mouth. I told you.
The voiceless throat
Cools silence. And the sea-granite eyes.
Washed the sibilant waters
That stretched lips kiss peace.

The poet is dead.

Nor will ever again hear the sea lions
Grunt in the kelp at Point Lobos.
Nor look to the south when the grunion
Run the Pacific, and the plunging
Shearwaters, insatiable,
Stun themselves in the sea.

O poeta está morto
(Excerto do Memorial de Everson para Robinson Jeffers)

Neve no promontório,
O estranhamente belo
Em sentido oblíquo,
O estranhamente belo
Na hora da morte.

A grande língua
Seca na boca. Eu disse a você.
A garganta muda
No frio silêncio. E os olhos de pedra esverdeada de mar.
Límpidas as águas rumorosas
Que estendem seus lábios para o beijo da paz.

O poeta está morto.

Nunca mais ouvirá os leões marinhos
Grunhirem na marinha de Ponto dos Lobos.
Nem irá mais olhar o sul quando os ventos uivarem
Correndo para o Pacífico e mergulhando
Ondas abaixo, insaciáveis,
Sacudindo o mar
E nele se transformando.

UMA POETISA NORTE-AMERICANA


Wild Geese

Mary Oliver

You do not have to be good.
You do not have to walk on your knees
for a hundred miles through the desert, repenting.
You only have to let the soft animal of your body
love what it loves.
Tell me about despair, yours, and I will tell you mine.
Meanwhile the world goes on.
Meanwhile the sun and the clear pebbles of the rain
are moving across the landscapes, over the prairies and the deep trees,
the mountains and the rivers.
Meanwhile the wild geese, high in the clean blue air,
are heading home again.
Whoever you are, no matter how lonely,
the world offers itself to your imagination,
calls to you like the wild geese, harsh and exciting--
over and over announcing your place
in the family of things.

Gansos selvagens

Você não tem que ser bom.
Nem tem que caminhar sobre seus próprios joelhos
cem milhas pelo deserto, se arrependendo.
Você só tem que liberar o suave animal de seu corpo
para amar o que ama.
Me fale sobre o seu desespero e irei falar do meu.
Enquanto isto o mundo gira.
Enquanto o sol e os granizos da chuva
Estão rolando pelas paisagens,
Sobre as planícies e as árvores frondosas,
as montanhas e os rios.
Enquanto isto os gansos selvagens, lá no alto do céu azul transparente,
Estarão voltando para casa novamente.
Quem você é, não importa sozinho,
O mundo se oferece à sua imaginação,
Chamando, como aos gansos selvagens, à elegância e à excitação-
lá no alto, lá no alto a anunciar seu lugar
na família das coisas.

Wednesday, March 15, 2006

CANÇÃO DO AMOR MAIS TRISTE

É triste. Tudo é triste. E o meu coração,
terra desolada,
Bate descompassado num rumor de solidão.
Todo prazer, toda graça da vida acabou.
Onde estais? Onde estou?
Onde a felicidade de dias tão doces, tão bons
Nos quais ignoramos o significado
da distância e da saudade?
Insone minha cabeça arde
E meu corpo, cansado, sente a falta do teu
E, em tudo, só persiste a triste lembrança
Da imobilidade de teus olhos tristes
E do mais triste adeus.

Tudo me amarga a boca e me desencaminha.
Não me resta, apesar de frágil e melancólico,
Nem as volúpias inúteis das lágrimas.
Os olhos que me seguem,
As pessoas que me cercam
Não percebem o meu sofrer nem a dor
Nem são capazes de entender o amor
Nem os carinhos que abandonei
Contigo, mulher que amei,
E que ainda sonho amar,
Hoje, porém, não posso nem chorar.

A culpa é tua, minha vida. Tua é a culpa.
Como podes assim ser tão maluca
Que amastes a quem não podia amar
Se sabias ainda que pudesse não devia amar.
É tudo triste, mas há esperança, esperança
sempre há
E há de haver, com certeza, outra dança,
Pois feito criança, como por um brinquedo
perdido, choro
E por teu nome, em orações de amor, oro
Com a tristeza dos crentes que perderam a fé
E a tristeza dos amantes
que não podem mais amar.

Tuesday, March 14, 2006

TEMPO DE POESIA

Que todo o tempo era de poesia
Toda manhã, ao acordar, me dizia
Ao limpar a nevoa que o vidro encobria
E espantar o feroz frio que me acometia
Com o calor do ventre, a tepidez macia
Das suas mãos, da fogueira de seu corpo,
Chama que infatigavelmente ardia.

Que todo o tempo era de poesia
Me lembrava enquanto me esquecia
Nas xícaras de café, pão, na magia
Das manhãs em que permanecia
Preso aos lençóis, à cama e via
No tempo que passava a alegria
Da vida que maravilhosa parecia.

E naquele ritmo o tempo se perdia
Sob a cúpula dourada da volúpia
E nos corpos nem nas mãos se percebia
Leve lembrança do mundo, se existia
Ou se era um mito ou falsa alegoria.
Que todo o tempo era de poesia
É prova a dor e o caos pós-harmonia.

A POESIA É ISTO


È isto a poesia:
A magia do instante
Em que teu olhar capta
Toda a beleza do céu, do sol, do ar, da mata.

É isto a poesia:
Saber que há toda esta delícia,
Todo o prazer do amor,
Que resplandece em luz, em flor
E, de repente, murcha num adeus.

É isto a poesia:
Viver o momento intensamente,
Amar delirantemente
E, inesperadamente, perceber
Como a vida é curta
E mergulhar no nunca mais.

Monday, March 13, 2006

INSTANTÂNEO

No meio da festa tudo muda.
A morte, com sua foice imprevista,
Faz uma visita
E a satisfação se transforma em dor.
A felicidade, como o amor,
Todos sabem breve
E a terra, que dizem leve,
Pesadamente cobre
A alegria e a vida que havia.
No sorriso, que esquecido,
Permanece apenas na fotografia.

Sunday, March 12, 2006

CENA NOTURNA

E foi assim que na praia
Nós encontramos sozinhos...
Noite negra,
Areia alva,
Jangadas quietas,
Nenhum som, voz
E o gosto da tua boca
Me contando os segredos do mar.
Uma estrela indiscreta iluminou nosso amor
E a lua, recatada, entre as nuvens se
escondeu
Uma canção de amor provinda não sei
de onde
Nossos sonhos embalou.
A noção do tempo se perdeu
Só me lembro de tua voz rouca e
enternecida:
-Meu amor como é linda a vida!

SOBRE UM ADEUS


Nos teus olhos azuis havia lendas,
Antigos contos de fados e de fadas,
Magia, luzes, danças, contendas,
Cristais de copos mal quebrados
Que insinuavam as paixões mais plenas.
Na noite, então se cheia estava a lua
Um seresteiro vagava pela rua
Encantando os corações apaixonados
Que suspiravam pelo seu amor
Quando o violão soava encantador
Por sob as copas frondosas das mangueiras.
Ainda quis dizer, sem muito alarde,
Espera mais um pouco...Vai mais tarde,
Mas era tarde mesmo e a vida te levou!

Saturday, March 11, 2006

CONTRAPONTO FRANCISCANO


Se apresse, ligeiro,
Que tudo é pra já
O amor requer pressa
Não pode esperar sem gritar.
Em caixas, armários,
No fundo do mar
Na ausência de carinho
Se extingue no ar
E morre sem jeito de tanto chorar.

Thursday, March 09, 2006

UMA POETISA PERUANA



XXIV
Magdalena Chocano

Yo soy intratable
ninguna luz me alumbra

El corazón puro es un cuchillo acezando
navegable incrustación del mar
Yo soy transparente
ninguna luz me evade

Óyeme espora habitante
no sé si soy eterna no estoy segura
Quien a Sí Se crea a Sí Se destruye

Materia es energía
Luz es energía
Materia es luz
Círculo de tiza donde nada concluye

Estoy formándome/ estoy creciendo
mi cabeza enterrada empieza a abrir los ojos
voy a reunir las partes todas de mi cuerpo
voy a contemplarme
Aire/Tierra/Agua/Fuego ¿sabéis de mí?
No. Nadie sabe de mí
Ni yo misma me sé

Auscultemos la fibra cándida y salvaje del silencio
Oye el estampido de esquejes reluciente
vibración de telares
Oye el rumor de epopeyaque transgrede la vida

Huraño exceso el de mi transparencia
asaz deslumbrante
Empáñeme yo?
Hágame soportable?
Vuélqueme opaca y mortal?

Celebro la Arista.
La espina de la rosa.
La punta del proyectil!
Todo lo que vale a la hora de sacudir el polvo de lãs
Sandálias

Al final
Quien a Sí Se crea a Sí reposa
por eso nunca me equivoco o siempre
y la luz desespera de seguirme

XXIV

Eu sou insociável
nenhuma luz me ilumina
O coração puro é uma faca brilhando
Como bóia navegável incrustada no mar
Eu sou transparente
nenhuma luz me escapa

Escuta-me habitante esporo
Eu não sei se sou eterna nem se estou segura
Quem em si crê a si se destrói
Matéria é energia
Luz é energia
Matéria é luz
Círculo de giz de onde nada se conclui

Eu estou me formando / crescendo
Com a cabeça enterrada começo a abrir os olhos
Vou reunir as partes do meu corpo
Eu me contemplarei

Ar / Terra / Água/ Fogo, sabes de mim?
Não. Ninguém sabe de mim
Nem eu mesma sei de mim mesma

Auscultemos a fibra cândida e selvagem do silêncio
Escutemos o estampido de velozes relampagos
vibração de teares
Escutemos o rumor da epopéia que transgride a vida

Excesso insociável de minha transparência
Assaz deslumbrante

Vai me empanar?
Me fazer suportável?
Me tornar opaca e mortal?
Eu celebro a radicalidade.
O espinho da rosa.
A ponta do projétil!
Tudo o que vale na hora de sacudir o pó das
sandálias

No fim
Quem em si crê em si repousa
por isto nunca me equivoco ou sempre
e a luz se desespera ao me seguir inutilmente.

Tuesday, March 07, 2006

PRAZER


Exponho apenas os meus sonhos
Que, minhas feridas, se guardam em mim
nas cicatrizes.
E, se doem, quando faz frio,
Rio da minha dor,
Que dor maior é a angústia de viver
De saber que, entre um silêncio e outro,
Posso falar todas as palavras,
Amar todos os amores,
Sonhar todos os sonhos
E não ter medo de dizer sim
Ao gosto amargo do prazer,
Que é o gozo dos sentidos,
Deste estranho animal chamado homem.

Sunday, March 05, 2006

PERDIÇÃO

...e as lágrimas que não vem
não significam ausência de tristeza
são mais frutos da alma presa
da qual não brota coisa alguma...
Vida que percorro em tombos,
febril, veloz no meu cansaço.

Ah, sei que, aos poucos, me desfaço
e não disfarço
o mal que me corrói de saber
que me acabo vivendo um mau viver.
Limpo o corpo no prazer torpor
de explodir no gozo embriagador
sujando a alma que nunca se enganou.

...porque tardam tanto a morte e o amor?

Saturday, March 04, 2006

SONHO GREGO


Uma cadeira azul de palhinha
Em Kos Adosi
Sob a roseira
De rosas cor de rosa e vermelhas
É o paraiso.
Se você estiver junto
O céu alcanço
E, se tocar uma música grega,
Como Zorba danço.

Friday, March 03, 2006

THE BARBARIANS ARE COMING


THE BARBARIANS ARE COMING
Marilyn Chin
War chariots thunder, horses neigh, the barbarians are coming.

What are we waiting for, young nubile women pointing at the wall,
the barbarians are coming.

They have heard about a weakened link in the wall.
So, the barbarians have ears among us.

So deceive yourself with illusions: you are only one woman,
holding one broken brick in the wall.

So deceive yourself with illusions: as if you matter,
that brick and that wall.

The barbarians are coming: they have red beards
or beardlesswith a top knot.

The barbarians are coming: they are your fathers, brothers,
teachers, lovers; and they are clearly an other.

The barbarians are coming:
If you call me a horse, I must be a horse.
If you call me a bison, I am equally as guilty.

When a thing is true and is correctly described, one doubles
the blame by not admitting it: so, Chuangtzu, himself,
was a barbarian king!

Horse, horse, bison, bison, the barbarians are coming—
and how they love to come.

The smells of the great frontier exalt in them!

OS BÁRBAROS ESTÃO VINDO

Carruagens de guerra, cavalos relinchantes, os bárbaros estão vindo.

Por que estamos esperando nós, jovens mulheres núbeis, apontando o muro,
os bárbaros estão vindo.

Eles ouviram falar da frágil ligação debilitada no muro.
Assim, os bárbaros têm ouvidos entre nós.

Assim os enganemos com suas ilusões: você é só uma mulher
com um tijolo quebrado segurando o muro.

Assim os enganemos com suas ilusões: como se a você importasse
aquele tijolo e aquele muro.

Os bárbaros estão vindo: eles têm barbas vermelhas ou são imberbes
como um nó de topo.

Os bárbaros estão vindo: eles são como seus pais, irmãos,
professores, amantes; e eles são claramente um outro.

Os bárbaros estão vindo:
Se você me chamar um cavalo, eu devo ser um cavalo.
Se você me chamar um bisão, eu sou igualmente culpada.

Quando uma coisa é verdade e é descrita corretamente, a pessoa dobra
sua culpa em não admitir isto: assim, Chuangtzu, ele mesmo,
era um rei de bárbaro!

Cavalo, cavalo, bisão, bisão, que os bárbaros estão vindo-
e como eles amam vir.

Os aromas da grande fronteira se glorificam neles!

TEMPO


Te abandonas molemente aos afagos.
Percebo que teus seios são montanhas,
Teu ventre, um vale e, quando me apanhas,
Que teus olhos são dois enormes lagos.

Quando, então, danças no escuro
No ritmo febril de tua respiração
Teu sangue é uma lava, teu corpo, um vulcão
E no teu corpo o tempo está seguro.

Depois mais mole, e mesmo saciada,
Um sorriso, ou melhor, uma flor
Desabrocha como fruto do amor
E o tempo parece que não é mais nada!
(De Apocalypse, Editora Zanzalás).

IMAGEM

Imagem –
Eis o deus da falta de substância.
Procuro o sumo da realidade
Por detrás de signos
Que escondem a fome multiplicada
de milhões.

Imagem de televisão:
Do diplomata,
Que impecavelmente garante,
Por si e por seu passado,
Que todos estão errados
(Só ele não)
Que não houve o que houve.

Quedo-me atônito diante da versão
E os fatos que explodem no meu rosto
São fragmentos de uma manchete
que não é impressa
E eu, perante tantos eus despersonalizados,
Também tenho medo de fragmentar-me
De também despertar
um dia
apenas uma imagem.
(De Apocalpse)

Thursday, March 02, 2006

NO RETROVISOR


Que é o amor, menina?
Que é o amor?
É tomar estricnina
Tomar banho de vapor
Ou será pegar o bonde
Que vai pra Santa Tereza?

Sem resposta vou ficando
E insisto em perguntar:
Moça que vai pro Pará
Moça, moça o que é o amor?
Lá se foi sem dizer nada.

Meu senhor o que é o amor?
Será o paõ, o vinho, a oração, o pecado?
Mais um que ficou calado.
Meu velho o que é o amor?
Olhou-me desconfiado,
Com uma olhar embaçado,
E completou com um gesto
De quem só sente saudade:
-O amor é algo bom
Que está sempre no passado.

COMO O CACHORRO ATRÁS DO RABO

Porto Velho não é mais a mesma:
Não tem mais festas,
Não tem mais mulheres,
Não tem mais cerveja
Nem dinheiro-
Dizem todos os clientes dos doleiros,
Mas nada tem afetado os sonhos dos noiados.
Ouro não há mais.
Não há mais luar,
Poesia já não há:
Onde estão os olhos lindos de Maria?
Meu amigo Lito
Já não acredito no amanhecer
Nem que uísque faça mal.
Ora veja,
Como está mais moço o Juvenal,
Porém, para lhe imitar, vou me mudar
Para outro hemisfério
Porque aqui todo palhaço
É sempre sério.
Não me leve a mal
E que se foi mais um carnaval.
Deve ser que é março,
Um mês imoral,
Que me deixa assim
Atrás de tudo que corre de mim!
(Versos de uma música nunca musicada).