Sunday, April 30, 2023

O PRESENTE DIVINO

 


 

Erga a taça, brinda à vida e à paixão,

O vinho é o bálsamo que nos salva da aflição,

Todos e tudo se destina a ser nada, é fato,

Mas o vinho nos leva esquecer o final do ato.

 

A consciência, malvada, lembra que todo esforço é vão,

Porém, com o vinho em mãos, na boca , a canção

Vem sossegar o coração, acalmar a mente.

O vinho é a resposta, é o elixir de ser contente.

 

A Natureza ou Deus, quem o sabe,

Nos deu o vinho como uma benção divina,

Para que o nada que somos possa ter instantes,

De felicidade, de amor, de risos delirantes.

 

Erga a taça, brinde à vida e à paixão,

O vinho é a resposta para a nossa ambição,

Por momentos de alegria, de amor e de prazer.

O vinho é a dádiva que faz valer a pena viver.

Ilustração: Minuto Notícias.

E, mais uma vez, temos Armando Romero

 

 DEVINO MISTERIO

 Armando Romero

¿Cómo convertir en canto ese silencio

de la tarde fuera del monasterio, frente al mar?

 

En el pequeño malecón dos pescadores,

vueltos hacia sí, desempacan su cosecha de peces espejeantes.

 

¿Detener con las manos las imágenes mudas

que esperan contener nuestros cuerpos?

 

El viento pega contra el portal inmenso

pero de ello también hay silencio.

 

¿Vivir este tiempo al otro lado del tiempo?

 

Un monje pasa y entrebarbas escupe su

risa a los pescadores.

 

¿Restregar la memoria hasta donde

no lo quiso el recuerdo?

 

El mismo monje observa el espacio

que habito y sonríe cortésmente.

 

¿Dónde está el poema, entonces,

la mirada hacia adentro?

TORNAR-SE MISTÉRIO

Como converter em canto esse silêncio

da tarde fora do mosteiro, frente para o mar?

 

No pequeno calçadão dois pescadores,

Voltados para si mesmos, desempacotam a colheita de peixes espelhados.

 

Detém com as mãos as imagens mudas

que esperam conter nossos corpos?

 

O vento bate contra o portal imenso

Porém nele também há silêncio.

 

Viver este tempo ao outro lado do tempo?

 

Um monge passa e entre as barbas cospe seu

riso para os pescadores.

 

Esfregar a memória até onde

não quis recordar?

 

O mesmo monge observa o espaço

onde vivo e sorri cortesmente.

 

Onde está o poema, então,

ao olhar para dentro?

Ilustração: Adventure Clube.

Uma poesia de Kevin Young

 


LEDGE

Kevin Young

No use telling

         the dead what

you’ve learned since

 

they’ve learnt it too-

 

how to go on

         without you, the mercy

of morning, or moving,

 

         the light that persists

even if.

 

 

Beauty is as beauty

         does, my mother says,

who is beautiful & speaks

 

loud so she can be understood

         unlike poets who can’t

talk to save their lives

 

so they write.

 

 

It’s like a language,

         Loss-

can be 

 

         learned only

by living-there-

 

 

What anchors us

         to this thirst

& earth, its threats

 

& thinnesses-

         its ways of waning

& making the most of-

 

of worse & much

         worse-if not

this light lifting

 

up over the ridge.

SALIÊNCIA

Não adianta contar

          os mortos o que

você aprendeu desde então

 

eles também aprenderam-

 

como continuar

          sem você, a misericórdia

da manhã, ou em movimento,

 

          a luz que

ainda persiste.

 

Beleza é como a beleza

          faz, minha mãe diz,

quem é lindo & fala

 

alto para que ela possa ser entendida

          ao contrário dos poetas que não podem

falar para salvar suas vidas

 

então eles escrevem.

 

É como a perda

de uma língua,

-pode ser

 

          aprendida apenas

vivendo-lá-

O que nos ancora

          a esta sede

& terra, suas ameaças

 

& magrezas-

          suas maneiras de minguar

& aproveitando ao máximo-

 

de pior & muito

          pior - se não

esta elevação de luz

acima do pico.

Ilustração: Patreon.

GAZAL DA HORA CERTA

 


A hora passa tão depressa como o vento,

A nuvem se dissolve no ar nem se lamenta,

A tarde se desvanece em cores no horizonte,

A estrela brilha intensa, mas também se oculta.

 

Até o rosto do meu amor se esvai do pensamento,

Nada dura para sempre, não há argumento,

Então não me culpe por beber este doce vinho,

A vida é breve, não preciso ser adivinho.

 

Nem prever o futuro, mas sei que tudo há de passar,

Por isto canto, amo, choro ao me entregar,

A cada instante único, que não há como negar,

É por isto que toda hora é hora de se embriagar.

Ilustração: Divinho.

Outra poesia de Mauricio Bacarisse

 


ANIVERSARIO

Mauricio Bacarisse

Hoy hace un año que, al morir el día

Con la luz del crepúsculo incolora,

Aquí, donde doliente gimo ahora,

A un tiempo comenzó nuestra agonía.

Breve la tuya fue; pero la mía,

Que el corazón y el alma me devora,

Prolongándose lenta de hora en hora

Dura al cabo de un año todavía.

Cuando de mi perdido bien me acuerdo

Y a medir mi desdicha el juicio alcanza.

Transido de dolor, el juicio pierdo;

Y abatido descubro en lontananza

Tus amores por único recuerdo

Y la muerte por única esperanza.

ANIVERSÁRIO

Hoje, um ano atrás, ao morrer do dia

No crepúsculo, a luz que descolora,

Aqui, onde gemo triste agora,

A um tempo começou nossa agonia.

Breve a tua foi; porém a minha infinda,

Que o coração, a alma me devora,

Prolongando-se lenta de hora em hora

Dura depois de um ano ainda.

Quando do bem perdido me recordo

E a medir minha desdita o juízo alcança.

Paralisado de dor, o juízo perco;

E abatido descubro na distância

Teus amores como única lembrança

E a morte por única esperança.

Ilustração: Click Guarulhos.

Uma poesia de Josephine Miles

 

 

CAGE

 Josephine Miles

Through the branches of the Japanese cherry

Blooming like a cloud which will rain

A rain white as the sun

The living room across the roadway

Cuts its square of light

And in it fight

Two figures, hot, irate,

Stuck between sink and sofa in that golden cage.

Come out into the night, walk in the night,

It is for you, not me.

The cherry flowers will rain their rain as white

Cool as the moon.  

Listen how they surround.

You swing among them in your cage of light.

Come out into the night.

JAULA

Através dos ramos da cerejeira japonesa

florescendo como uma nuvem que vai chover

uma chuva branca como o sol.

A sala de estar do outro lado da estrada

corta seu quadrado de luz

E nela lutam

duas figuras, quentes, iradas,

presas entre a pia e o sofá naquela gaiola dourada.

Saia para a noite, caminhe na noite,

é para você, não para mim.

que as flores de cerejeira vão chover sua chuva branca

fria como a lua.

Ouça como elas soam.

Você balança entre elas em sua gaiola de luz.

Saia para a noite.

Ilustração: Dephositos.

Uma poesia de Sandra Cisnero

 


CIELO CON SOMBRERO

Sandra Cisneros

El cielo amaneció

con su propio sombrero

hecho de lana

sucia de borrego.

 

Un sombrero tan ancho

que deja la tierra con sombras

teñida de añil y lavanda.

 

Como el mar

visto desde una isla

de cara a tierra firme.

 

Como los trastes de peltre

de los campesinos

que comen sin cuchara.

CÉU COM CHAPÉU

O céu amanheceu

com seu próprio chapéu

feito de lã

de ovelha suja

 

Um chapéu tão largo

que deixa a terra com sombras

tingida com índigo e lavanda.

 

como o mar

visto de uma ilha

de frente para a terra firme.

 

Como os trastes de estanho

dos camponeses

que comem sem colher.

Ilustração: Pinterest.

Wednesday, April 26, 2023

E, mais uma vez, Philippe Soupault

 


CRÉPUSCULE

Philippe Soupault

Un éléphant dans sa baignoire

Et les trois enfants dormant

Singulière singulière histoire

Histoire du soleil couchant.

CREPÚSCULO

Um elefante em sua banheira

E as três crianças dormindo

Singular singular história

História do sol poente.

Ilustração: Diário do Nordeste.

Sunday, April 23, 2023

SEM LÓGICA

Hoje é tão comum culpar o inocente

que, quem comete o crime, já aponta

 o dedo e dosa a pena inclemente!

LÓGICA



Vivi tanto tempo no farol

que, perdi, por fim, a visão,

mas não se pode, por isto, culpar o sol!

Ilustração: Portos e Navios.  

Outra poesia de Philippe Soupault

 


DIMANCHE

Philippe Soupault

L'avion tisse les fils télégraphiques

et la source chante la même chanson

Au rendez-vous les chochers l'apéritif est orangé

mais les mécaniciens des locomotives ont les yeux blancs

la dame a perdu son sourire dans les bois.

DOMINGO

O avião tece os fios do telégrafo

e a fonte canta a mesma música

no encontro dos cocheiros, o aperitivo é laranja

mas os maquinistas têm olhos brancos

a senhora perdeu o sorriso na floresta.

Ilustração: Google Play.

Saturday, April 22, 2023

Outra poesia de Igor Barreto

 


CELEBRACIÓN DEL COLOR NEGRO

Igor Barreto

 

Brilla la luz, festejando la pureza del color negro:
el azabache negro,
el origüelo negro,
el que celebra el hocico del puerco en mitad del bosque.
Lo canta el grillo
inmóvil y orgulloso
bajo su dura piedra.
El espacio negro donde mi corazón palpita:
esponjado fieltro
en el que soy plena duración,
lento movimiento de aires y emociones.
El jervedor
ama lo intenso de sus plumas negras:
la pura forma
sin sombra de luz.
La que anida en intrincado nido la coitora.
El negro profundo
de donde penden las galaxias
como adornos
en el pelo
de una mujer oculta.

CELEBRAÇÃO DA COR NEGRA

A luz brilha festejando a pureza da cor negra:

jato negro,

o original negro,

o que celebra o focinho do porco no meio da floresta.

O grilo canta

imóvel e orgulhoso

debaixo de sua pedra dura.

O espaço negro onde meu coração palpita:

esponja de feltro

em que sou de plena duração,

movimento lento de ares e emoções.

o jarro

ama a intensidade de suas penas negras:

a pura forma

sem sombra de luz.

A que nidifica em um ninho intrincado a mucama.

O negro profundo

de onde as galáxias pendem

como adornos

no cabelo

de uma mulher oculta.

Ilustração: Brasil de Fato.

Friday, April 21, 2023

Uma poesia de Philippe Soupault

 


 

UM DEUX OU TROIS

Philippe Soupault

Recherchons les enfants

les parents des enfants

les enfants des enfants

les cloches du printemps

les sources de l'été

les regrets de l'automne

UM, DOIS OU TRÊS

Busquemos os filhos

os pais dos filhos

os filhos dos filhos

os sinos da primavera

as fontes do verão

os arrependimentos do outono.

Ilustração: Meister Drucke.

Mais uma vez Armando Romero

 


LA VECINDAD DE LAS AGUAS

Armando Romero

     A Pedro Lastra

He vuelto a los pequeños bosques

al lado del río

para sentir el silencio

que se ahonda en sus orillas.

No deben quebrarlo los pájaros

que buscan lombrices en el barro,

ni los troncos que se apilan

entre sus recodos.

Una que otra lata de cerveza

insiste contracorriente;

uno que otro desperdicio

se resuelve en remolino.

Todo es mínimo

en la inmensidad de las aguas

como en los ojos de un niño.

Todo estalla con ese ruido

que el río lleva en sus adentros.

No es sólo del bosque y el río

lo que tiene que ser silencio.

A VIZINHANÇA DAS ÁGUAS

Voltei as pequenas florestas

ao lado do rio

para sentir o silêncio

que afunda em suas margens.

Os pássaros não devem quebrá-lo

procurando minhocas na lama,

nem as toras que se empilham

entre seus cantos.

Uma ou outra lata de cerveja

insiste contra a corrente;

um outro desperdício

resolve em um redemoinho.

Tudo é mínimo

na imensidão das águas

como aos olhos de uma criança.

Tudo estala com este ruido

que o rio traz dentro.

Não é só da floresta e do rio

o que tem que ser silêncio.

Ilustração: Tripadvisor.

Uma poesia de Vera Pavlova

 


3.

Vera Pavlova

First, cursory caresses, on the surface,

light, a kind of coloratura: crumbs of

pizzicato in spots which seemingly require

a brusque, tempestuous treatment,

then with a bow across the secret strings,

the ones that were not touched at the beginning,

then across the non-existent strings or, more exactly,

the ones we have never suspected of existing.

 

3.

Primeiro, carícias superficiais, na superfície,

luz, uma espécie de coloração: migalhas de

pizzicato em pontos que aparentemente requerem

um tratamento brusco e tempestuoso,

então com um arco nas cordas secretas,

as que não foram tocados no início,

então através das cordas inexistentes ou, mais exatamente,

aquelas que nunca suspeitamos que existissem.

Ilustração: Learn to Play Music Store.

Uma poesia de Yehuda Amichi

 


THE BODY IS THE CAUSE OF LOVE

Yehuda Amichi

The body is the cause of love;

after that, the fortress that protects it;

after that, love's prision.

But when the body dies, love is set free

in wild abundance,

like a slot machine that breaks down

and with a furious ringing pours out all at once

all the coins of

all the generations of luck.

O CORPO É A CAUSA DO AMOR

O corpo é a causa do amor;

depois, a fortaleza que o protege;

depois disso, a prisão do amor.

Porém quando o corpo morre, o amor é está livre

na sua selvagem abundância,

como uma máquina caça-níqueis que quebra

e com um furioso  ranger derrama tudo de uma vez

todas as moedas de

todas as gerações de sorte.

Ilustração: CIMM. 

 

Uma poesia de Mauricio Bacarisse

 

LECTURA (De El paraíso desdeñado)

Mauricio Bacarisse

Corazón mío, no te exaltes.

Fija los ojos en el libro;

Mira las gráciles letras, en la celulosa,

Como las momias en los siglos.

 

Olvida el canto y la medalla.

(El rizo olía a miel de otoño.)

Aún le han de crecer al libro muchas yemas cuando

Estés perdido en el reposo.

 

Todo será para la cifra.

Han de cifrarse tus latidos,

Y han de ser piedras, como las que descansan

En las meditaciones de los ríos.

LEITURA (Do Paraíso Desprezado)

Coração meu, não te exaltes.

Fixa os olhos no livro;

Olha as graciosas letras, na celulose,

Como as múmias nos séculos.

 

Esqueça o canto e a medalha.

(O cacho recendia a mel de outono.)

Ainda hão de crescer ao livro muitos botões quando

Estás perdido em repouso.

 

Tudo será para o número.

Hão de cifrar-se tuas batidas,

E hão de ser pedras, como as que descansam

Nas meditações dos rios.

Ilustração: Shopping Interlagos.