Saturday, July 31, 2021

NOSSO FUTURO INCOMUM

 

 

E quando percebi que nada

estava formalmente estabelecido,

que nenhuma lei estava escrita

e nada, mais nada mesmo, realizado,

tive certeza das amplas possibilidades

de conectar todas as coisas

e tentar saber, ao fim, o que aconteceria.

Mas, devo dizer que, ao construir tal sistema,

me vi tão ignorante de muitas complexidades

que transformei a equação num algoritmo

que se resolvia por si mesmo.

Porém, neste momento, as coisas

começaram a se perder

os resultados a se alterar

e a se repetir de tal forma

que já não sabia diferenciar o real do virtual.

E assim, novamente, me vi

com um problema inteiramente novo,

como diferenciar o sonho e a realidade.

Ou seja, compreendi que tudo que se resolve

cria um novo problema

e, tenho dos pesquisadores pena, muito mais complexo.

Não, meu caro, o mundo não é caótico.

devo lhe dizer que o caos está no ser humano

e a sua máquina de desvendar  o futuro

é um ótimo exercício de aprendizagem.

Só creio que os humanos são muito lentos:

quando estiver pronta,

se estiver pronta um dia,

para nossa agonia,

creio que será tarde

e todas as previsões inúteis.

A máquina nos dirá

o que não poderemos 

ouvir nem ler.

Ilustração: https://azeheb.com.br/blog/programa-de-computador-ve-5-minutos-no-futuro/er

Uma poesia de Medardo Ángel Silva

 


 

Canción de tedio

Medardo Ángel Silva

¡Oh, vida inútil, vida triste,
que no sabemos en qué emplear!
Nos cansa todo lo que existe
por conocido y por vulgar.

¡Nuestro mal no tiene remedio
y por siempre hemos de sufrir
la cruel mordedura del tedio
y la ignominia de vivir!

¡Frivolos labios de mujeres
nos brindan su hechizo fatal!
¡Infeliz del que oyó en Citeres
la voz del Pecado Mortal!

Vuelan las almas amorosas
hacia los ojos de abenuz,
e igual a incautas mariposas
queman sus alas en la luz.

Pero no tienta al alma mía
dulce mirar o labio pulcro...
Yo pienso en el tercer día
de permanencia en el sepulcro.

Tras de los éxtasis risueños
con luna y aves en la brisa,
se deshacen nuestros ensueños
como palacios de ceniza.

Tened de amor el alma llena
y perderéis en la aventura:
eso es hacer casa en la arena,
como nos dice la Escritura.

Invariable, sólo el fastidio;
siempre es el viejo spleen eterno.
El negro lago del suicidio
es la antesala del Infierno.

Idealiza, ten el anhelo
del águila o de las gaviotas;
ya volverás al duro suelo,
Ícaro, con las alas rotas...

Un palimpsesto es nuestra vida:
Dios en él borra, escribe, altera...
mas la última hoja es conocida:
una cruz y una calavera...

Señor, cual Goethe no te pido
la luz celeste con que asombras:
dame la noche del olvido:
yo quiero sombras, sombras, sombras...

¡Estoy sediento, no de humano
consuelo, para mi aflicción:
quiero en el lirio de tu mano
abandonar mi corazón!

¡Como una inútil alimaña
que se arroja lejos de sí,
anhelo arrancarme la entraña
que palpita dentro de mí!

Y con aquella calma fría
del que un principio no ve,
iré a buscar mi paz sombría
no importa a dónde..., pero iré.

CANÇÃO DO TÉDIO

Oh, vida inútil, vida triste,
que não sabemos em que empregar!
Nos cansa tudo o que existe
por conhecido e por vulgar.

Nosso mal não tem remédio
e para sempre temos de sofrer
a cruel mordida do tédio
e a ignominia de viver!

¡Frivolos lábios de mulheres
nos brindam com seu feitiço fatal!
infeliz do que ouviu em Citeres
a voz do pecado mortal!

Voam as almas amorosas
até os olhos de abenuz,
e igual as incautas mariposas
queimam suas asas na luz.

Porém, não tente alma minha
doce olhar o lábio pulcro...
Eu penso no terceiro dia
de permanência no sepulcro.

Atrás dos êxtases risonhos
com a lua e as aves na brisa,
se desfazem nossos sonhos
como palácios de cinza.

Tendes de amor a alma cheia
e perderás na aventura:
isto é fazer casa na areia,
como nos diz a Escritura.

Invariável, só é o fastídio;
sempre o velho spleen eterno.
O negro lago do suicídio
na antesala do inferno.

Idealiza, tenha o anseio
da águia ou das gaivotas;
já voltarás ao duro solo,
Ícaro, com as asas rotas...

Um palimpsesto é nossa vida:
Deus nela borra, escreve, altera...
mas, a última folha é conhecida:
uma cruz e uma caveira...

Senhor, qual Goethe não te peço
a luz celeste com que assombras:
dá-me a noite do esquecimento:
Eu quero sombras, sombras, sombras...

Estou sedento, não do humano
consolo, para minha aflição:
quero no lírio da tua mão
abandonar meu coração!

¡Como uma inútil alimária
que se arroja longe de si,
desejo arrancar-me a entranha
que palpita dentro de mim!

E com aquela calma fria

que a princípio não verei,

irei em busca de minha paz sombria
não importa onde..., porém,  irei.
Ilustração: A mente é maravilhosa.



Outra poesia de Pere Gimferrer


 

COSECHA

Pere Gimferrer

En la vibración del aire, la capilla

del viento, en el reverso de la claridad del día:

la copa de la cúspide de luz,

la cumbre de la noche boca abajo,

el fardo destripado de la niebla en los álamos,

el pendiente del cielo deshilachado: chopos,

chopos en la túnica de la noche vendimiada,

¡tiempo del trigo y el mosto, tiempo de langostas!

Al borde del cielo zumban, en la línea

del horizonte rojo saqueado por el sol,

la osamenta de la noche en llamas.

Al vértice del aire, vivirá el aire,

en el cerco de cúpulas del viento.

 

COLHEITA

 

Na vibração do ar, a capela

do vento, no reverso da claridade do dia:

a taça da cúspide de luz,

o cume da noite virado para baixo,

o feixe de névoa eviscerado nos choupos,

a encosta do céu desfiado: choupos,

choupos na túnica da noite da colheita,

Época do trigo e do vinho novo, é hora dos gafanhotos!

No limite do céu eles zumbem, na linha

do horizonte vermelho saqueado pelo sol,

os ossos da noite em chamas.

No ápice do ar, o ar viverá,

na cerca de cúpulas de vento.

Ilustração: bbc.com.


Friday, July 30, 2021

Outra poesia de Antonio Martínez Sarrión


Now’s the time

 

Antonio Martínez Sarrión

nada
más                                  nada
más que las sienes ardiendo
balcón hacia la noche navegantes
sin aguja imantada
rojas constelaciones con nombres de guerreros
la insufrible presión de max roach
conciso duro enérgico porque sí
porque hay niebla porque riegan y el dueño
ha de cerrar el club y todos los muertos

Now’s the time

 

nada

mais                             nada

mais do que templos em chamas

balcão para os navegadores noturnos

sem agulha magnetizada

constelações vermelhas com nomes de guerreiros

a pressão insuportável de max roach

conciso duro enérgico porque sim

porque há nevoa porque regam e o dono

há de fechar o clube e todos os mortos.

Ilustração: https://waltersorrentino.com.br/.

 

SECURA


Tanto tempo que. no tempo, se perdeu

o amor que tanto já foi meu

que, hoje, me vejo tão distante

do meu eu, que já foi muito amoroso.

É doloroso ver

que os amores, agora, são 

tecidos  finos de recordação

e  me  parece que  a memória

lembra do amor 

como um flor sem perfume,

ou fulgor,

que, lentamente, murcha 

sem o adubo de beijos e carinhos. 

Não há nenhum sentimento em mim

e sigo sim, sozinho,

sobrevivendo 

com a sensação que a água vai faltar

e que se foi o meu tempo de amar.

Ilustração: https://laboratoriosniam.com/. 

Wednesday, July 28, 2021

ODE À DESTRUIÇÃO CRIATIVA

 


O que mais me faz irônico-

ainda que um, ou outro, de cético me acuse-

é pensar que até mesmo Marx, Mill, Marcuse,

que, da utopia são padrões icônicos,

acreditaram que, por um passe de mágica,

assim como se criou Deus do nada,

esta nossa existência trágica,

a vida humana, pudesse ser transformada

numa ópera delicada.

Jamais tais sonhadores,

até mesmo nos últimos estertores,

ficariam satisfeitos com a realidade,

de vez que trabalhavam pelo sonho,

por trapacear das cartas do destino, o seu baralho.

Não os interessava realmente

o que se passava sob as nuvens,  

se tudo melhorou, efetivamente,

se diminuíram as horas de trabalho

ou se a máquina aliviou dos homens o fardo.

Nada é igual a seus desejos religiosos,

quando a utopia não se alcança,

e disto não há nenhuma esperança,

o céu na terra.

O homem real e ignorado, nas suas teorias,

o animal que é nunca seria,

daí que sejamos mais ricos do que nunca

não os contentaria,

pois, jamais chegamos ao paraíso de abundância

que prognosticaram,

a tal da vida feliz, 

que sempre enxergaram na frente do nariz.

Talvez seja porquê

atenção não prestaram

em Bakunin ou em Malthus,

que conheciam a natureza humana.

Que sabiam que,

como o capitalismo,

os homens possuem uma capacidade

infinita de expansão

e jamais se contentam

com a riqueza que tem na mão.

A experiência não mente:

os desejos materiais não tem limites

e a consciência jamais soube o que ter o suficiente!

E estes sonhadores deixaram suas sementes,

de modo que, apesar de ter nos libertado,

o capitalismo é tão pouco amado

que, ainda hoje, os libertos desejam a escravidão.

Eu? Não!!!

Ilustração: Cultura Mix. 

Uma poesia de Antonio Martínez Sarrión

 


CARPE DIEM


Antonio Martínez Sarrión


Qué dispendioso pulular de nombres,

de ateridas esperas mientras la madrugada

difuminaba taxis en una sucia niebla.

Qué lástima de tiempo barajando

naipes ya de textura ala de mosca

cuando el sol meridiano, más de un punto granado,

no sabe de demoras, admite alistamientos

sin requisito alguno,

por ahogado de sombra que llegue el aspirante,

para entregar a cambio manos como paneles,

ríos de campanillas, zureos de palomas,

terco mundo presente,

que fulgura y se esfuma tan tranquilo,

negándose de plano -y con cuánto derecho-

al deshonesto oficio de pañuelo de lágrimas.

 

CARPE DIEM

 

Que dispendioso pulular de nomes,

de frias espera enquanto o amanhecer

esfumaça táxis com uma névoa suja.

Que lástima do tempo se arrastando

as cartas de textura de asas de moscas

quando o meridiano do sol, mais de um ponto escolhido,

não sabe de demoras, admite alistamentos

sem requisito algum,

por mais submerso na sombra que o aspirante chegue,

para em troca as mãos como painéis,

rios de sinos, arrulhos de pombas,

mundo teimoso presente,

que brilha e se esfuma tão tranquilo,

negando-se de pronto -e com quanto direito-

ao desonesto ofício de lenço de lágrimas.

Ilustração: https://www.liveaboard.com/.

Tuesday, July 27, 2021

Walt Whitman, um poema breve

 


To You

Walt Whitman

LET us twain walk aside from the rest;
Now we are together privately, do you discard ceremony,
Come! vouchsafe to me what has yet been vouchsafed to none—Tell me the whole story,
Tell me what you would not tell your brother, wife, husband, or physician.

PARA VOCÊ

Vamos caminhar juntos, longe dos demais, o restante do caminho;

Agora que nós estamos ambos em particular, você descarte a cerimônia,

Vamos! Conceda-me o que ainda não foi concedido a ninguém- Conte-me toda a história,

Diga-me o que você não diria a seu irmão, esposa, marido ou psiquiatra.

Ilustração: https://www.archdaily.com.br/br/.

Viagem

 


Tudo, ao fim e ao cabo,
Inútil salta
Ainda que o dizer verbalizado
Tente dar sentido
Ao resguardado
No fundo da alma,
No longínquo sentimento
Que em tristeza só se manifesta.

Hoje com o tempo livre
enrodilho-me no espaço das lembranças
como quem folheia
um manuscrito de outrora

um objeto do passado

procurando explicações,

chaves, formulas secretas,
reconstituições
do que já se perdeu....

Vago no olhar e no tocar

imóvel

pelos mistérios
de silêncio e paz

e, contudo,

Só me encontro
quando paro,
me deparo
com a sensação inexprimível
do nunca mais.

 

Uma poesia de Pere Gimferrer

 


ELEGÍA

Pere Gimferrer

Morir serenamente como nunca he vivido

y ver pasar los coches como en una pantalla

y las canciones lentas de Nat King Cole

un saxofón un piano los atardeceres en las terrazas bajo los

                     parasoles

esta vida que nunca llegué a interpretar

el viento en los pasillos las ventanas abiertas todo es blanco

                     como en una clínica

todo disuelto como una cápsula de cianuro en la oscuridad

Se proyectan diapositivas con mi historia

entre el pesado olor del cloroformo

Bajo la niebla del quirófano extrañas aves de colores anidan

 

ELEGIA

 

Morrer serenamente como nunca vivi

e ver passar os coches como em uma tela

e as canções lentas de Nat King Cole

um saxofone, um piano, o pôr do sol nos terraços sob o

                      guarda-sóis

esta vida que nunca consegui interpretar

o vento nos corredores as janelas abertas tudo é branco

                      como numa clínica

tudo dissolvido como uma cápsula de cianeto na escuridão

Se projetam imagens mostrando minha história

entre o forte cheiro de clorofórmio

Sob a névoa da sala de cirurgia, estranhos pássaros coloridos

Ilustração: http://www.catolicosribeiraopreto.com/quanto-e-doce-a-morte-do-justo/.

 

 

 

 

Monday, July 26, 2021

Outra poesia de Sophie Robinson

 


GEOMETRY Nº 1

 

Sophie Robinson

The upright nature of a girl, belied by

formless whirrs, signs of visible lust like the

density of skies, & the disappearing hour;

I think of you urgent & weak walking beside

billboards, missing out, flaking off in the

silence between 2 traxx, no tender riot

in yr geekheart [spliced open & pulsating

in four different places whilst the summer

is blaring musty and lithe, awful shiny

skin & sick tune of birds germinating light

as a new kind of loudness] & the crude urban

cosmos misses you & is just passing the

time w/dirt & money & pouting in the

corner w/out your nocturno-suspicious lure.

 

GEOMETRIA Nº 1

 

A natureza correta de uma menina, desmentida por

zumbidos disformes, sinais de luxúria visível como o

densidade dos céus, & a hora do desaparecimento;

Eu penso em você urgente e fraco caminhando ao lado

de outdoors, me perdendo, descamando no

silêncio entre 2 traxx, sem o tumulto suave

de seu coração geek [emendado aberto e pulsante

em quatro lugares diferentes durante o verão,

que está berrando bolorento e ágil, terrivelmente brilhante

pele e o tom doente dos pássaros germinando luz

como um novo tipo de volume] e a crueza urbana

o cosmos sentindo sua falta e justo passando pelo

tempo com a sujeira e o dinheiro e o beicinho no

canto sem sua noturna-suspeita isca.  

Ilustração: SlideShare.

Sunday, July 25, 2021

Um poema de Cáudio Bertoni

 


LONG TIME AGO

Cláudio Bertoni

 

Un poeta mejicano

nos dedicó un poema

a mi novia y a mí

 

¿por qué a mí?

si se acostó con ella.

De “No faltaba más”, 2005.


Longo tempo atrás

 

Um poeta mexicano

nos dedicou um poema

a minha noiva e a mim.

 

Por que a mim?

se agarrou-se com ela.

Ilustração: O Tempo. 

O ACASO

 


As engrenagens tendem sempre a ter problemas

E, numa hora incerta, não funcionarão.


Talvez quando delas dependa a vida

Ou meu pobre e sofrido coração.

 

Sei que é imperceptível o mudar. Não temas!

O acaso, mesmo sem som,

É onde Deus põe a mão.

 

Saturday, July 24, 2021

Uma poesia de Sophie Robinson

 


SONG

Sophie Robinson


like a pig in a pantry i’m dun glutting
over you — brown teddy, ruffled brow —
multifaith cathedral of your invert
nipple — oink oink — o, I’m a wounded sex
soldier — orgasm’s defibrillation
in the heart hospital — measly muscle
slapp’d up — i’m a dead pig, you’re fucking meat,
stuff me i’m full sorry, drown’d, lubed up for
forgetting, stains on the mattress because
you’re missing from me — your kindest vagina,
folds like a buddha — bite down finger in &
think of you in winter never to cum
in my arms again or come to any harm.

CANÇÃO

como um porco na despensa, não estou farto

de você - ursinho marrom, testa franzida -

multifacetada catedral do seu invertido

mamilo - oinc oinc - o, eu sou um soldado do sexo

ferido - desfibrilação do orgasmo

no hospital do coração - músculo deficiente

bagunçado- eu sou um porco morto, você é uma carne ferrada,

me preencha, estou cheia desculpe, afogada, lubrificada para

esquecer, manchas no colchão porque

você está faltando em mim - sua mais gentil vagina,

dobrada como um buda - mordo o dedo e

penso em você no inverno sem nunca mais gozar

em meus braços de novo ou sofrer algum dano.

Ilustração: Pinterest.

Alvorecer

 


Não importa que amanheça devagar,

que não tem pressa as flores nem os frutos,

que nada sabem da duração dos minutos

nem adotam a pressa no chegar.

O ritmo da mudança é o do vagar

do dia sobre a noite em seus redutos

numa marcha mansa sobre os arbustos

que molhados d’àgua começam a brilhar.

Ilustração: olhares.com. 

Outra poesia de Mónica Licea

 


Mónica Licea

Tus ojos al revés dicen llena el vacío con más vacío.

El presente es blanco y limpio

el presente es el piso de un matadero.

No sé si sabías, pero tener el corazón roto

es como montar un caballo enfermo bajo la lluvia.

 

Teus olhos de cabeça para baixo dizem preencher o vazio com mais vazio.

O presente é branco e limpo

o presente é o piso de um matadouro.

Não sei se sabias, porém ter o coração partido

é como montar num cavalo doente debaixo de chuva.

Ilustração: Youtube.

Friday, July 23, 2021

Olga Orozco

 


LA REALIDAD Y EL DESEO

                                                         a Luis Cernuda

Olga Orozco

La realidad, sí, la realidad,

ese relámpago de lo invisible

que revela en nosotros la soledad de Dios.

 

Es este cielo que huye.

Es este territorio engalanado por las burbujas de la muerte.

Es esta larga mesa a la deriva

donde los comensales persisten ataviados por el prestigio de no estar.

A cada cual su copa

para medir el vino que se acaba donde empieza la sed.

A cada cual su plato

para encerrar el hambre que se extingue sin saciarse jamás.

Y cada dos la división del pan:

el milagro al revés, la comunión tan sólo en lo imposible.

Y en medio del amor,

entre uno y otro cuerpo la caída,

algo que se asemeja al latido sombrío de unas alas que vuelven desde la eternidad,

al pulso del adiós debajo de la tierra.

 

La realidad, sí, la realidad:

un sello de clausura sobre todas las puertas del deseo.

 

A realidade e o desejo

A realidade, sim, a realidade

este relâmpago do invisível

que revela em nós outros a solidão de Deus

 

É este céu que foge.

É este território engalanado pelas borbulhas da morte.

É esta mesa larga à deriva

onde os comensais persistem atados pelo prestígio de não estar.

A cada qual seu copo

para medir seu vinho que se acaba quando começa a sede.

A cada qual seu prato

para acabar com a fome que se extingue sem saciar-se jamais.

E a cada dois a divisão do pão:

o milagre para trás, a comunhão tão só no impossível.

E por meio do amor,

entre uma e outra queda do corpo,

algo que se assemelha à batida sombria de umas asas que retornam da eternidade,

ao pulsar do adeus debaixo da terra.

 

A realidade, sim, a realidade:

um selo de clausura de todas as portas de desejo.