Sunday, December 31, 2023

ANO NOVO

 


Se o tempo é uma ficção

não liga não.

O ano é novo,

mas a vida continua.

Incerta, exigente, misteriosa,

fluída como a água de rua

na chuva fina

que ensina

serem as sombras

desdobramentos da luz.

Os dias serão os mesmos,

de vinte e quatro horas,

a mesma sucessão dos meses,

das semanas,

com tristezas e alegrias.

Se um ano finda,

hoje, brinda:

a esperança é nova!

Ilustração: Reflexo Gestão. 

Feliz Ano Novo de Julio Cortázar

 


HAPPY NEW YEAR

 Julio Cortázar

Mira, no pido mucho,

solamente tu mano, tenerla

como un sapito que duerme así contento.

Necesito esa puerta que me dabas

para entrar a tu mundo, ese trocito

de azúcar verde, de redondo alegre.

¿No me prestas tu mano en esta noche

de fin de año de lechuzas roncas?

No puedes, por razones técnicas.

Entonces la tramo en el aire, urdiendo cada dedo,

el durazno sedoso de la palma

y el dorso, ese país de azules árboles.

Así la tomo y la sostengo,

como si de ello dependiera

muchísimo del mundo,

la sucesión de las cuatro estaciones,

el canto de los gallos, el amor de los hombres.

FELIZ ANO NOVO

Olha, não peço muito,

somente tua mão, tê-la

como um sapinho que dorme assim contente.

Necessito da porta que me davas

para entrar no seu mundo, este pedacinho

de açúcar verde, de redondeza alegre.

Não me emprestas tua mão esta noite

de fim de ano das corujas roucas?

Não podes, por razões técnicas.

Então estico no ar, entrelaçando em cada dedo,

o pêssego sedoso da palma

e o dorso, daquele país de árvores azuis.

Assim a tomo e sustenho,

como se dele dependesse

muitíssimo do mundo,

a sucessão das quatro estações,

o canto dos galos, o amor dos homens.

Ilustração: Vidnoz Al.

RECEITA DE ANO NOVO

 


Meu filho,

te deixo como herança irrevogável

esta receita de Ano Novo,

entre todas a mais amável, 

por ser misto 

de música e poesia.

Comece por considerar

que o tempo

é uma ideia de teu pensamento,

porém que o céu,

qualquer que seja a cor

no firmamento,

é a única realidade,

que podes mudar

de acordo com tua vontade

e esforço.

Para ter um novo ano,

de verdade,

não precisarás de uma lista

de projetos e boas intenções.

Nem mesmo acreditar

que as coisas vão,

repentinamente, mudar.

A receita que te ofereço

é simples, lapidar:

seja o portador da esperança,

o divulgador da alegria,

um ser 

que aproveita o novo ano

para amar

e cultivar a delicadeza.

Trata de tua vida

sendo um ourives, 

um limpador das asperezas, 

que, com certeza,

o ano novo

será o mais lindo

que se pode imaginar.

Ilustração: Veecteezy.

No fim do ano, Emily Dickson

 


 ONE YEAR AGO-JOTS WHATS? (296)

Emily Dickinson

One Year ago-jots what?

God-spell the word! I-can’t-

Was’t Grace? Not that-

Was’t Glory? That-will do-

Spell slower-Glory-

 

Such Anniversary shall be-

Sometimes-not often-in Eternity-

When farther Parted, than the Common Woe-

Look-feed upon each other’s faces-so-

In doubtful meal, if it be possible

Their Banquet’s true-

 

I tasted-careless-then-

I did not know the Wine

Came once a World-Did you?

Oh, had you told me so-

This Thirst would blister-easier-now-

You said it hurt you-most-

Mine-was an Acorn’s Breast-

And could not know how fondness grew

In Shaggier Vest-

Perhaps-I couldn’t-

But, had you looked in-

A Giant-eye to eye with you, had been-

No Acorn-then-

 

So-Twelve months ago-

We breathed-

Then dropped the Air-

Which bore it best?

Was this-the patientest-

Because it was a Child, you know-

And could not value-Air?

 

If to be “Elder”-mean most pain-

I’m old enough, today, I’m certain-then-

As old as thee-how soon?

One-Birthday more-or Ten?

Let me-choose!

Ah, Sir, None!

UM ANO ATRÁS-ANOTOU O QUÊ? (276)

Um ano atrás – anotou o quê?

Deus, soletre a palavra! Não posso-

Não era Graça? Isto não-

Não era Glória? Que vai fazer-

Soletre mais devagar-Glória-

 

Este aniversário será-

Às vezes - não frequentemente - na Eternidade -

Quando mais separados, do que a desgraça comum -

Olhem - alimentem-se um do outro - então -

Na refeição duvidosa, se for possível

O banquete deles é verdadeiro-

 

Eu provei-descuidado-então-

Eu não conhecia o Vinho

Veio uma vez por mundo – veio você ?

Oh, você tinha me dito isto-

Esta sede iria formar bolhas - mais fácil - agora -

Você disse que isso te machucou-mais-

O meu - era um peito de bolota -

E não poderia saber como o carinho cresceu

Em colete mais felpudo-

Talvez... eu não pudesse...

Mas, se você tivesse olhado...

Um gigante - cara a cara com você, estava -

Sem Bolota-então-

 

Então-doze meses atrás-

Nós respiramos-

Então largou o ar-

Qual suportou melhor?

Foi este - o mais paciente -

Porque era uma criança, você sabe...

E não poderia valorizar – Ar?

 

Se ser “Ancião” – significa mais dor –

Tenho idade suficiente hoje, tenho certeza... então...

Tão velho quanto você - quanto tempo?

Um – Aniversário a mais – ou Dez?

Deixe-me escolher!

Ah, senhor, Nenhum!

Ilustração: O Ponto Dentro do Círculo.

LAVRA DA PALAVRA

 


Palavra

tesouro perdido

sem mapa,

mas, com sentido,

consentido,

consenso.


Palavra:

só surpresa,

o som,

o silêncio, as pausas.

É a palavra que salva

por uma sonata, serenata,

sopro

ou o engolir rouco, ruidoso da saliva.


Os sons são soberanos:

notas, solos, salmos e cantos

E dentro dela, os encantos

da palavra que tudo vira.

A palavra é lira,

ronco, riso, rosa,

rede, poema, prosa.


Só a palavra é som,

humano.

Som

que caí dando calor a tudo,

palavra sol,

amor, meu sol,

sol meu,

só meu.


Sem você

Não há palavra

Nem eu.

Ilustração: Amazon. 

Saturday, December 30, 2023

E Miguel de Unamuno está de volta

 


MUERTE

Miguel de Unamuno

Eres sueño de un dios; cuando despierte

¿Al seno tornarás de que surgiste?

Serás al cabo lo que un día fuiste?

¿Parto de desnacer será tu muerte?

 

El sueño yace en la vigilia inerte?

Por dicha aquí el misterio nos asiste;

Para remedio de la vida triste,

Secreto inquebrantable es nuestra suerte.

 

Deja en la niebla hundido tu futuro

Ve tranquilo a dar tu último paso,

Que cuanto menos luz, vas más seguro.

 

¿Aurora de otro mundo es nuestro ocaso?

Sueña, alma mía, en tu sendero oscuro:

"¡Morir... dormir... dormir... soñar acaso!"

MORTE

És o sonho de um deus; quando despertar

Ao seio retornarás de onde surgiste?

Serás, ao fim, o que um dia fostes?

O parto do desnascer será tua morte?

 

O sono se faz na vigília inerte?

Por sorte aqui o mistério nos assiste;

Para remédio da vida triste,

Segredo inquebrável é a nossa sorte.

 

Deixa na névoa afundado o teu futuro

Vai tranquilo a dar o último passo,

Que quanto menos luz, mais vai seguro.

 

A  aurora de outro mundo é o nosso ocaso?

Sonha, alma minha em seu caminho escuro:

"Morrer... dormir... dormir... sonhar, acaso!"

Ilustração: O Popular.

A VIDA NÃO PÁRA


Bem sei

que o tempo não pára, não,

mas não adianta pedir

um pouco mais de calma.

O ritmo se acelera

não aceita não

o que deseja a alma

e o coração.

E gira e gira e gira

cada vez mais veloz

mesmo se aumento o grito

não espera por nós,

não espera de nós

nem mesmo paciência.

É preciso apenas perceber

que não temos tempo pra perder.

Que o momento é este,

que a vida é agora,

neste mundo,

neste segundo,

nesta hora

seja para chorar

ou sorrir.

Inútil é querermos resistir

que o tempo não pára, não,

que a vida não pára, não

e vamos em frente,

sempre,

até o mar da eternidade,

o oceano do esquecimento

onde será eterno

o momento

de nossa completa falta

de percepção

e do tempo

não teremos a menor noção.

Ilustração: O tempo é vida! RH LF.


CANÇÃO DE AGRADECIMENTO

 


Hoje, neste fim de ano, 

bem que gostaria de tocar piano, 

mas mal sei dedilhar um violão,

nem sempre bem afinado,

e acompanhado 

por meu canto meio deslocado. 

De qualquer modo

te dedico esta canção

quase como um selo de qualidade,

marca de uma delicada sensibilidade,

ainda que mal expressa, 

para agradecer  com emoção

da forma como tem cuidado 

tão bem 

do meu coração. 

Uma poesia de Wilfred Owen

 


WINTER  SONG

Wilfred Owen

The browns, the olives, and the yellows died,

And were swept up to heaven; where they glowed

Each dawn and set of sun till Christmastide,

And when the land lay pale for them, pale-snowed,

Fell back, and down the snow-drifts flamed and flowed.

 

From off your face, into the winds of winter,

The sun-brown and the summer-gold are blowing;

But they shall gleam with spiritual glinter,

When paler beauty on your brows falls snowing,

And through those snows my looks shall be soft-going.

CANÇÃO DE INVERNO

Os marrons, as oliveiras e os amarelos morreram,

E foram varridos para o céu; onde eles brilhavam

Cada amanhecer e cada pôr do sol até o Natal,

E quando a terra estava pálida para eles, com a pálida neve,

Caíram para trás e os montes de neve arderam e fluíram.

 

Do seu rosto, nos ventos de inverno,

O marrom-sol e o dourado do verão estão soprando;

Porém eles brilharão com espiritual brilho,

Quando a mais pálida beleza em suas sobrancelhas cair nevando,

E através daquelas neves minha aparência irá se tornando suave.

Ilustração: Mário Quintana.

Friday, December 29, 2023

QUASE SONETO DE AMOR



Este meu desejo louco de realizar 

Sempre o que é mais irrealizável 

É que me leva a amar o improvável 

E sempre mais querer, mais desejar. 


Não tenho formas nas asas do querer 

E ora sou um tigre majestoso 

Ou o velho leão muito manhoso 

E até mesmo um pavão posso ser. 


O que me importa mais é descobrir 

Maneiras novas do velho sentir, 

Me renovar numa nova sensação. 


Sou o hábito de amar reabilitado

Que procura despertar no ser amado 

O melhor de toda vida, a ilusão.

Ilustração: 42 frases. 

Outra poesia de Ana Casado

 


 

MÉDULA

Ana Casado

La palabra se abre

como un animal desangrado

bocabajo

ofreciendo a quien mira

un asombro

suplicando aire

destrenzando

la piel

de su herida.

MEDULA

A palavra se abre

como um animal sangrando

de cabeça para baixo

oferecendo a quem olha

um assombro

suplicando por ar

desenrolando

a pele

de sua ferida.

Ilustração: Escola Vida.

Uma poesia de Lynn Xu

  


[SUN-MESSENGER]

Lynn Xu

Sun-messenger

call Life

to me

 

slowly

and all at

once criss-

crossing in that golden

light

 

                                   Snail

                       with your moving shroud

                       Silver tree

            with your thousand roadways

 

            O dream

hurry

go past me

MENSAGEIRO DO SOL

Mensageiro do Sol

chame a vida

para mim

 

suavemente

e tudo em

uma vez cruze-

cruzando naquela dourada

luz

 

                                    Lesma

                        com sua mortalha em movimento

                         prateada arvore

             com suas mil estradas

 

             Ó sonho

Apressa-te

a passar por mim

​Ilustração: Edmar Xavier.

Tuesday, December 19, 2023

Uma poesia de Ana Casado

 


DESEO

Ana Casado

Ella solo quería

que alguien la mirara

dentro de los ojos

que alguien

bebiera su herida

lamiera sus párpados

que en silencio

alguien

escuchara

el crujir de las hojas

sobre su corazón

abierto.

DESEJO

Ela só queria

que alguém a olhasse

dentro dos olhos

que alguém

bebesse sua ferida

lambesse suas pálpebras

que em silêncio

alguém

escutasse

o ranger das folhas

sobre seu coração

aberto.

 

Uma poesia de Mónica de la Torre



THEOREM OF SORTS

Mónica de la Torre

We admire adults for not acting like children,

meaning we don’t have to clean up after them,

while we spend at least half of a life trying

to find ways to exceed the edges

of shapes that cannot be found.

 

At the dinner table he brings up the guy

who “does these beautiful magical dioramas,”

micro-grated Parmesan cheese dangling

from the dinged edge of a bowl covered in oil.

 

Later that week folding pages at the art school

keeps us occupied. Notes are taken and much is said

while repetition begins fielding itself.

What kind of bird chirps potato chips?

 

Here the most common sightings are of

American goldfinches and cardinals,

migratory and nonmigratory respectively,

the latter mostly male and so territorial

they’ll attack their own reflection on occasion.

 

You won’t find the difference between a peaceful being

and being peaceful on differencebetween.net.

Other approaches are requisite, body scans.

If your heartbeat can’t be found under the medical gown

the shutdown’s become emotional for you.

 

This is the likely end to a year we want

to forget or the one forgetting itself as it is coming

to an end. Except that it isn’t, ongoingness

has its way of “keeping on keeping on,” not even

when it all stops, since the so-called ending folds itself

into the ever-developing story, begging the question,

is it airless, the POV? Who sees the narrator?

Is this relatable and on whose terms?

 

The proposal involves switching mediums.

I will play a faculty member at the art school

on whose faculty I am serving, folding

myself as a fictional character into a true story. 

 

In the vicinity, the charm of hummingbirds,

murder of crows, and identity taxation.

 

Repetition fielding itself again, reading

against icons. A flexible field trip to nowhere.

 

When one painter speaks to another painter, I know

that to be fully in this won’t ever be available to me either,

since none of us are exhibitionists.

 

The poem speaks in signs and the painting

on velvet sucks the light out of the room,

yet somehow we manage to communicate.

 

As for the empty speech bubbles on the walls,

they display a variety of shapes, all very talkativ

TEOREMA DE TIPOS

Nós admiramos os adultos por não agirem como crianças,

o que significa que não precisamos limpar depois deles,

enquanto despendemos, pelo menos, metade da vida tentando

encontrar os meios de ultrapassar as bordas

de formas que não podem ser encontradas.

 

Na mesa de jantar ele menciona o rapaz

que “faz esses lindos dioramas mágicos”,

Queijo parmesão microralado pendurado

na borda amassada de uma tigela coberta de óleo.

 

Mais tarde na mesma semana, dobrar páginas na escola de arte

nos mantém ocupados. Anotações são feitas e muito é dito

enquanto a repetição começa a se desenvolver.

Que espécie de pássaro gorjeia batatas fritas?

 

Aqui as visões mais comuns são de

pintassilgos e cardeais americanos,

migratório e não migratório, respectivamente,

este último principalmente masculino e tão territorial

que atacarão seu próprio reflexo de vez em quando.

 

Você não encontrará a diferença entre um ser pacífico

e ser pacífico em differencebetween.net.

Outras abordagens são obrigatórias, varreduras corporais.

Se o seu batimento cardíaco não for encontrado sob a bata médica

o desligamento tornou-se emocionante para você.

 

Este é o provável fim de um ano que queremos

esquecer ou aquele que se esquece quando está chegando

para um fim. Exceto que não é, continuidade

tem seu jeito de “continuar seguindo em frente”, nem mesmo

quando tudo para, já que o chamado final se dobra

na história em constante desenvolvimento, implorando a pergunta,

está sem ar, o POV? Quem vê o narrador?

Isso é identificável e em quais termos?

 

A proposta envolve a troca de meios.

Eu interpretarei um membro do corpo docente da escola de artes

em cujo corpo docente estou servindo, tornando

a mim mesmo um personagem fictício numa história verdadeira.

 

Nas redondezas, o encanto dos beija-flores,

assassinato de corvos e tributação de identidade.

 

Repetição colocando-se em campo novamente, lendo

contra ícones. Uma viagem flexível de campo para lugar nenhum.

 

Quando um pintor fala com outro pintor, eu sei

que estar plenamente nisto também nunca estará disponível para mim,

já que nenhum de nós é exibicionista.

 

O poema fala em signos e na pintura

em veludo suga a luz do quarto,

ainda assim, de alguma forma, conseguimos nos comunicar.

 

Quanto aos balões de fala vazios nas paredes,

eles exibem uma variedade de formas, todas muito falantes.

Ilustração: B&B::Blog da Bru.