Sunday, January 31, 2021

É verdade que Silvia Plath é intraduzível, mas, para um traidor....

 

Morning song

 

Silvia Plath

 

Loves set you going like a fat gold watch.

The midwife slapped your footsoles, and your bald cry

Took its place among the elements.

 

Our voices echo, magnifying your arrival. New statue

Ina drafty museum, your nakedness

Shadows our safety. We stand round blankly as walls.

 

I’m no more your mother

Than the cloud that distils a mirror to reflect its own slow

Effacement at the wind’s hand.

 

All night your moth-breath

Flickers among the flat pink roses. I wake to listen:

A far sea moves in my ear.

 

One cry, and I stumble from bed, cow-heavy and floral

In my Victorian nightgown.

Your mouth opens clean as a cat’s. the window square

 

Whitens and swallows its dull stars. And now you try

Your handful of notes;

The clear vowels rise like balloons.

 

 

CANÇÃO DA MANHÃ

 

Os amores deixam você ser como um pesado relógio de ouro.

A parteira bateu nos seus pés, e seu grito careca

Assumiu seu lugar entre os elementos.

 

Nossas vozes ecoam, ampliando sua chegada. Nova estátua

nova estátua em um museu frio, sua nudez

sombras de nossa segurança. Permanecemos imóveis como paredes.

 

Eu não sou mais sua mãe

do que a nuvem que destila um espelho para refletir seu próprio

eliminação pela mão do vento.

 

A noite toda seu hálito de traça

cintila entre as rosas planas. Acordo para ouvir:

o mar distante que se move no meu ouvido.

 

Um choro, e eu tropeço da cama, com o peso de uma vaca e floral

na minha camisola vitoriana.

sua boca se abre limpa como a de um gato. O quadrado da janela

 

branqueia e engole suas estrelas opacas. E agora você tenta

seu punhado de notas;

as vogais claras sobem como balões.

 

Ilustração: Blog do Mensageiro.

Ainda Louise Glück


 

8.

Louise Glück

The implication was, it was necessary to abandon

childhood. The word "marry" was a signal.

You could also treat it as aesthetic advice;

the voice of the child was tiresome,

it had no lower register.

The word was a code, mysterious, like the Rosetta stone.

It was also a roadsign, a warning.

You could take a few things with you like a dowry.

You could take the part of you that thought.

"Marry" meant you should keep that part quiet.

 

8.

O implícito era a necessidade de abandonar

a infância. A palavra “casamento” era um sinal.

Também se poderia pensar com um aviso estético;

a voz cansada da criança

não tem um registro grave.

A palavra era um código, misterioso como a pedra da Roseta.

Também era como um aviso na beira da estrada.

Pudeste levar poucas coisas como dote.

Pudeste levar a parte do pensamento.

“Casamento” significava que devia guardar esta parte quieta.

 

Ilustração: https://revista.icasei.com.br/.

Uma poesia de Juan Bautista Arriaza

 

Perdí mi corazón...

Juan Bautista Arriaza

Perdí mi corazón -¿lo habéis hallado,
ninfas del valle en que penando vivo?-
ayer andando solo y pensativo,
suspirando mi amor por este prado.

Él huyó de mi pecho desolado
como el rayo veloz, y tan esquivo
que yo grité: "Detente, ¡oh fugitivo!"
y ya no lo vi más por ningún lado.

Si no lo conocéis, como en un ara
arde en él una hoguera, y cruda herida
por víctima de Silvia lo declara.

Dadlo, por vuestro bien, que esa homicida
lo hizo tan infeliz que donde para
mi corazón, ya no hay placer ni vida.

PERDI MEU CORAÇÃO

 

Perdi meu coração – o haveis achado,

ninfas do vale em que penando vivo? -

ontem andando só e pensativo,

suspirando meu amor por este prado.

 

Ele fugiu do meu peito desolado

como um raio veloz e tão esquivo

que eu gritei: "Pare, fugitivo!"

e já não o vi mais por nenhum lado.

 

Se você não o conhece, como em um altar

arde em um fogueira, e crua a ferida aberta

por vítima de Silvia, o declara.

 

Dado, por o seu próprio bem, que essa homicida

o fez tão infeliz que onde parar

meu coração, já não tem mais prazer nem vida.

 

Ilustração: http://www.mytokachi.jp/.

Mais uma poesia de Louise Glück

 


9.

Louise Glück

A night in summer. Outside,

sounds of a summer storm. Then the sky clearing.
In the window, constellations of summer.

I'm in a bed. This man and I,
we are suspended in the strange calm
sex often induces. Most sex induces.
Longing, what is that? Desire, what is that?

In the window, constellations of summer.
Once, I could name them.

9.

Uma noite de verão. Lá fora

sons de uma tempestade de verão. Então o céu clareia.

Na janela, constelações de verão.

 

Estou em uma cama. Um homem e eu,

nós estamos suspensos na estranha calma

que, depois, o sexo induz. A que a maioria do sexo induz.

Ansiando? O que é isto? Desejo, o que é isto?

 

Na janela, constelações de verão.

Talvez, eu pudesse nomeá-lo.

 

Ilustração: https://www.gadoo.com.br/.

Uma poesia de Cecilio Acosta

 

MADRIGAL

 

Cecilio Acosta

 

Echó de menos la Aurora

Una vez su luz que dora,

Y como día tras día

Pálida siempre salía,

Dando quejas lastimosas,

Lloró perdidas sus rosas,

Y en encontrarlas se aferra

Corriendo cielos y tierra...

Delia, ya sé que es robado

El esplendor con que brillas,

Y que la Aurora ha encontrado

Sus rosas en tus mejillas.

 

MADRIGAL

 

Empurrou fora a aurora

Uma vez que sua luz doura,

E como dia após dia

Pálida sempre saía,

Dando queixas lastimosas

Chorou suas perdidas rosas,

E ao encontrá-las se aferra

Correndo os céus e a terra ...

Delia já sei que é roubado

O esplendor com o que brilhas

E que na Aurora foi encontrado

Suas rosas em tuas bochechas.

 

Ilustração: Youtube.

Outra poesia de Carol Ann Duffy

 


EDUCATION FOR LEISURE

Carol Ann Duffy

Today I am going to kill something. Anything.

I have had enough of being ignored and today

I am going to play God. It is an ordinary day,

a sort of grey with boredom stirring in the streets.

I squash a fly against the window with my thumb.

We did that at school. Shakespeare. It was in

another language and now the fly is in another language.

I breathe out talent on the glass to write my name.

I am a genius. I could be anything at all, with half

the chance. But today I am going to change the world.

Something’s world. The cat avoids me. The cat

knows I am a genius, and has hidden itself.

I pour the goldfish down the bog. I pull the chain.

I see that it is good. The budgie is panicking.

Once a fortnight, I walk the two miles into town

For signing on. They don’t appreciate my autograph.

There is nothing left to kill. I dial the radio

and tell the man he’s talking to a superstar.

He cuts me off. I get our bread-knife and go out.

The pavements glitter suddenly. I touch your arm.

 

EDUCAÇÃO PARA O LAZER

 

Hoje estou indo matar alguma coisa. Qualquer coisa.

Eu já tive o suficiente para ser ignorado e hoje

estou indo brincar de Deus. É um dia normal,

uma espécie de cinza com o tédio agitando-se nas ruas.

Eu esmago uma mosca contra a janela com o polegar.

Nós fizemos isto na escola. Shakespeare. Era em

outra linguagem e agora a mosca está em outra linguagem.

Respiro talento no vidro para escrever meu nome.

Eu sou um gênio. Eu poderia ser alguma coisa de tudo, com metade

a chance. Porém hoje estou indo mudar o mundo.

O mundo de alguma coisa. O gato me evita. O gato

sabe que sou um gênio e se escondeu.

Eu despejo o peixe dourado no pântano. Eu puxo a corrente.

Eu vejo que isto é bom. O periquito está em pânico.

Uma vez a cada quinze dias, eu caminho as duas milhas até a cidade

para assinar. Eles não apreciam meu autógrafo.

Não há mais nada para matar. Eu ligo para o rádio

e diga ao homem que ele está falando com uma estrela.

Ele me corta. Pego nossa faca de pão e saio.

As calçadas brilham de repente. Eu toco seu braço.

Friday, January 29, 2021

Mais uma poesia de Juan Bello Sánchez


 

LA VELOCIDAD DE LAS COSAS CUANDO NADIE MIRA

Juan Bello Sánchez

La casa se mueve muy despacio,

como una alfombra

sobre la que se revuelve la hojarasca.

Los huecos que dejan las personas

cuando se marchan

dan forma a las sillas.

 

Miro el otoño: la distancia es mayor

en los cajones

donde hay fotografías o cartas.

 

Las cartas llegan siempre

desde algún punto del pasado, pienso.

Y el pasado es un barco

que no termina nunca de hundirse.

 

A VELOCIDADE DAS COISAS QUANDO NADA OLHA

A casa se move muito devagar,

como um tapete

sobre o qual se mexem as folhas secas.

As lacunas que deixam as pessoas

Quando se vão

dão formas as cadeiras.

 

Olho o outono: a distância é maior

nas gavetas

onde há fotografias ou cartas.

 

As cartas chegam sempre

De algum ponto do passado, penso.

E o passado é um barco

que não termina nunca de afundar-se.

Ilustração: https://www.ocafezinho.com/. 

O QUE SINTO DA ALMA

 


Nem sei o que é a alma.

Sei que ela voa por aí,

nas noites,

pelo espaço sem fim,

me olha, desembaraçada e ligeira,

de cima para baixo

desdenhando do que acho

e, muitas vezes, ri de mim,

da minha humana pretensão

de não saber que o corpo é a ilusão

da matéria finita

e, para me assustar, grita:

-O que não podes mudar

é que tudo vai passar!

Ilustração: https://piramidal.net/. 

Outra poesia de Juan Bello Sánchez




 

YA HA OSCURECIDO

 

Juan Bello Sánchez

 

Poco se puede añadir a eso,
es un día cualquiera, una ciudad cualquiera,
todo está en su justa medida,
llegan palabras desde alguna parte,
lo que uno llama
una conversación entre amigos en un bar,
lo que otro llama
un televisor encendido en el cuarto contiguo.

Todo lo que vemos está detenido ante nosotros,
esperando su momento,
llegan luces desde alguna parte,
lo que uno llama
estrellas consumidas hace millones de años,
lo que otro llama
una linterna que nos muestra el camino en la noche.

JÁ ESCURECEU

Pouco se pode adicionar a isso,

é um dia qualquer, uma cidade qualquer,

tudo está em sua justa medida,

chegam palavras de alguma  parte,

o que um chama

de uma conversa entre amigos em um bar,

o que outro chama

de uma televisão ligada na sala contígua.

 

Tudo o que vemos está parado diante de nós,

esperando por seu momento,

chegam luzes de alguma parte,

o que um chama

de estrelas consumidas faz milhões de anos,

o que outro chama

de uma lanterna que nos mostra o caminho na noite.

 

Ilustração: https://ak8.picdn.net/.

 

Outra poesia de Joaquín Campos

 

CHOPO CAMINO DEL INVIERNO

 

Joaquín Campos 

Tus hojas no caen,
sino que como las aspas
de los molinillos de mi infancia,
se ajetrean ante una rama erecta,

que impertérrita,
acepta tu retahíla de vaivenes
que a mí me sacian los ojos
como a la de quince un beso.

Un chopo camino del invierno
es la esperanza de la vista;
el goteo de ilusiones;
ese barco que zarpa

sin más destino que su cielo
que le mira abotargado
de la rabia de unas ramas
tan cerca de ese baile,

donde los molinillos hacen música,
el tronco pisa fuerte,
y la gente no pone la atención suficiente
ante un milagro no cotidiano.

CHOPO NO CAMINHO DO INVERNO

 

Tuas folhas não caem

senão como as lâminas

dos moinhos de vento da minha infância,

correm diante de um galho ereto,

 

quão destemido,

aceita sua sequência de balanços

que, para mim, satisfaz aos olhos

tipo quinze por beijo.

 

Um álamo a caminho do inverno

é a esperança da visão;

o filete de ilusões;

esse navio que zarpa

 

sem mais destino que seu céu

que o olhando inchado

da raiva de alguns ramos

tão perto dessa dança,

 

onde os cataventos fazem música,

o tronco pisa,

e as pessoas não prestam atenção suficiente

ante um milagre do cotidiano.

 

Ilustração: https://wallpapercave.com/.

Thursday, January 28, 2021

Outra poesia de Eugenio de Nora

 


Carmen de la tarde bella

 

Eugenio de Nora

Querría solamente una rosa;
esta luz clara y tibia en los ojos,
y una rosa entre las verdes hojas.

Una rosa,
para mirarla, para descansar,
para sentir el alma y ver su forma;
para estar solamente en silencio,
en armonía con la tarde hermosa.

Dejar que el tiempo, como una muchacha
deshoje su blanca corola,
eligiendo, dejando caer
entre las cosas, nuevas cosas;
el tiempo de luz y de sombra…

Quisiera solamente ser
una ternura frente a otra;
quisiera únicamente soñarte;
quisiera una rosa, una rosa.

CARMEN DA BELA TARDE

 

Queria somente uma rosa,

esta luz clara e frouxa nos olhos,

e uma rosa entre as folhas verdes.

 

Uma rosa,

para olhá-la, para descansar,

para sentir a alma e ver sua forma;

para estar somente em silêncio,

em harmonia com a tarde formosa.

 

Deixar que o tempo, como uma menina,

retire sua corola branca,

elegendo, deixando cair

entre as coisas, novas coisas;

o tempo de luz e sombra...

 

Quisera somente ser

uma ternura em frente à outra;

quisera unicamente sonhar-te;

quisera uma rosa, uma rosa.

 

E, de volta, Michael Palmer

 


Autobiography


Michael Palmer

 

All clocks are clouds.

Parts are greater than the whole.

A philosopher is starving in a rooming house, while it rains outside.

He regards the self as just another sign.

Winter roses are invisible.

Late ice sometimes sings.

 

A and Not-A are the same.

My dog does not know me.

Violins, like dreams, are suspect.

I come from Kolophon, or perhaps some small island.

The strait has frozen, and people are walking—a few skating—across it.

On the crescent beach, a drowned deer.

 

A woman with one hand, her thighs around your neck.

The world is all that is displaced.

Apples in a stall at the streetcorner by the Bahnhof, pale yellow to blackish red.

Memory does not speak.

Shortness of breath, accompanied by tinnitus.

The poet’s stutter and the philosopher’s.

 

The self is assigned to others.

A room for which, at all times, the moon remains visible.

Leningrad cafe: a man missing the left side of his face.

Disappearance of the sun from the sky above Odessa.

True description of that sun.

A philosopher lies in a doorway, discussing the theory of colors

 

with himself

the theory of self with himself, the concept of number, eternal return, the sidereal pulse

logic of types, Buridan sentences, the lekton.

Why now that smoke off the lake?

Word and things are the same.

 

Many times white ravens have I seen.

 

That all planes are infinite, by extension.

She asks, Is there a map of these gates?

She asks, Is this one called Passages, or is that one to the west?

Thus released, the dark angels converse with the angels of light.

They are not angels.

Something else.

 

AUTOBIOGRAFIA

Todos os relógios são nuvens.

As partes são maiores do que o todo.

Um filósofo está morrendo de fome em uma pensão, enquanto chove lá fora.

Ele se considera a si mesmo como mais um sinal.

As rosas de inverno são invisíveis.

O gelo tardio algumas vezes canta.

 

A e Não-A são iguais.

Meu cachorro não sabe quem sou.

Os violinos, como os sonhos, são suspeitos.

Eu venho de Kolophon, ou talvez de alguma pequena ilha.

O estreito congelou e as pessoas estão andando - algumas patinando - por ele.

Na praia crescente, um veado afogado.

 

Uma mulher com uma mão, com as coxas em volta do seu pescoço.

O mundo é tudo o que está se perdendo.

Maçãs em uma barraca na esquina da Bahnhof, de amarelo claro a vermelho escuro.

A memória não fala.

Falta de ar, acompanhada de zumbidos.

A gagueira do poeta e a do filósofo.

 

O eu é atribuído a outros.

Uma sala para a qual, em todos os momentos, a lua permanece visível.

 

Leningrado Café: um homem faltando o lado esquerdo do rosto.

Desaparecimento do sol do céu acima de Odessa.

Descrição verdadeira daquele sol.

Um filósofo está em uma porta, discutindo a teoria das cores

 

com ele mesmo

a teoria do self consigo mesmo, o conceito do número, o eterno retorno, o pulso sideral

a lógica dos tipos, frases de Buridan, o lekton.

Por que agora aquela fumaça do lago?

Palavras e coisas são iguais.

Muitas vezes vi corvos brancos.

 

Que todos os planos são infinitos, por extensão.

Ela pergunta: há um mapa desses portões?

Ela pergunta: este é chamado de passagens, ou aquele que está a oeste?

Assim liberados, os anjos das trevas conversam com os anjos da luz.

Eles não são anjos.

Algo mais.

 

Ilustração: https://www.flaticon.com/.