Monday, August 31, 2020

E, mais uma vez, Michael Sharkey

 


WITHOUT YOU

Michael Sharkey

In each photograph I see

what captured me

when I first looked at you

and saw

time stopped:

I nearly died.

      

Since when,

I'm echo to myself.

When you're away

each day's the same

as yesterday:

tomorrow is the blank page

in a diary, never touched; 

 

without you

all music

would be late quartets and blues:

there'd be no news

to fuel poems:

paintings would hang down

their heads in shame.

 

Without you

I'd live with just one heart

and without art:

elegies would speak

of nothing else,

the birds would sing

and I would not.

 

SEM VOCÊ

Em cada fotografia, vejo

o que me prendeu

quando te olhei pela primeira vez

e vi

o tempo parar:

eu quase morri.

 

Desde então,

sou o eco de mim mesmo.

Quando tu estas longe

cada dia é o mesmo

como o de ontem:

o amanhã é uma página em branco

de um diário, nunca tocado;

 

sem você

todas as músicas

parecem marchinhas e polcas antigas:

não há novidades

para fazer poemas:

as pinturas se penduravam

de cabeças, para baixo, com vergonha.

 

Sem você

Eu vivi apenas como um coração

e sem arte:

as elegias não poderiam falar

de coisa alguma,

os pássaros cantavam

e eu não sabia.                  

Ilustrações: https://comodesenharecolorir.com/como-desenhar-rapido/.

Uma traiçãozinha aos versos de Guadalupe Pita Amor

 


EN UN ESPEJO MIRO....

Guadalupe Pita Amor

 

En un espejo miro
un jarrón y una blanca crisantema
La luz cambia de giro
y la flor de sistema
Y en esta lira, cambio yo de tema

EM UM ESPELHO MIRO

Em um espelho miro

um jarro e uma flor branca

de monsenhor

A luz muda num giro

e a flor de ordem

e nesta lira, mudo

eu de tema. 

Ilustração: https://pt.aliexpress.com/.

Sunday, August 30, 2020

FIM DE ROMANCE

 

Vejam vocês, 

eu não tinha o que falar de Maria Mercês.

Ela sempre me entendia

mesmo quando ia à padaria

e só voltava no outro dia. 

Parece, porém, que por más companhias

ou palpite infeliz desta gente

que não gosta de ver ninguém contente,

sem nada de muito diferente, 

mudou de proceder completamente. 

Passou a me espionar 

até mexendo no meu celular.

Ciúme também faz parte do amor

e, mesmo exagerado, pode não ser desfavor.

Aceitei tudo o que podia aceitar.

Vista grossa muito fiz 

para pensando em ser feliz. 

Fui até em missa na igreja a seu convite,

contudo, tudo tem limite. 

Quando ela quebrou meu violão

enfiou uma faca no coração de nós dois.

Com o violão destroçado

nosso amor ficou mudo, acabado. 

Sem melodia, sem harmonia, 

Não tem mais depois. 

Outra poesia de Michael Skarkey

 

EATING SIN

 Michael Sharkey

 A man began to eat his order of fish, and the ghost of the fish arose and spoke. Forgive me, it said, please hear me. I died in despair, which is, as you know, the worst of the deadly sins. As I slowly suffocated in the alien air, I gave up hope of salvation, and so died without the consolation of religion. In your compassion and mercy, have a Mass said for me, and pray for my soul. With that, the ghost of the fish vanished, and the man, congratulating himself on possessing the carcass of such a remorseful creature, tucked in.

COMENDO O PECADO

Um homem começou a comer ordeiramente o peixe, e o fantasma do peixe surgiu e falou. Perdoe-me, disse, por favor, ouça-me. Eu morri em desespero, o qual é, como você sabe, o pior dos pecados capitais. Como eu fui lentamente sufocado num ar estranho, abandonei a esperança da salvação e morri, sem o consolo da religião. Na sua compaixão e misericórdia, reze uma missa para mim e ore pela minha alma. Com isto, o fantasma do peixe desapareceu, e o homem, felicitou-se por possuir a carcaça de uma criatura com tanto remorso, escondido nela.

Ilustração: Youtube.

Wednesday, August 26, 2020

EXPLICAÇÃO

 


Eu te amo por te amar

da forma que te amo.

Eu te amo, talvez,

por teu suave jeito de ser,

por te achar linda vestida de amarelo,

por teu olhar tão belo.

Ou, quem sabe seja

por não me dizeres nada

quando nada tens para me dizer.

Te amo, quem sabe,

por uma necessidade, um desejo natural

tão sublime, quanto animal.

Eu te amo somente por saber

que, ao teu lado, me sinto feliz,

me sinto bem.

E quando desejo teu amor vens,

me beijas docemente

e o mundo fica diferente.

Te amo, certamente, porque me amas

ou assim me parece.

Te amo por, nas minhas preces,

ter pedido sempre para te amar

e por não saber explicar

porque te amo.

Eu te amo porque te amo.

Ingenuamente traindo Jorge Luis Borges

 

EL INGENUO

Jorge Luis Borges

Cada aurora -nos dicen- maquina maravillas

capaces de torcer la más terca fortuna;

hay pisadas humanas que han medido la luna

y el insomnio devasta los años y las millas.

 

En el azul acechan públicas pesadillas

que entenebran el día. No hay en el orbe una

cosa que no sea otra, o contraria, o ninguna.

A mí sólo me inquietan las sorpresas sencillas.

 

Me asombra que una llave pueda abrir una puerta,

me asombra que mi mano sea una cosa cierta,

me asombra que del griego la eleática saeta

 

instantánea no alcance la inalcanzable meta,

me asombra que la espada cruel pueda ser hermosa,

y que la rosa tenga el olor de la rosa.

 

O INGÊNUO

 

Cada aurora-nos dizem, máquina maravilhosas

capazes de torcer a mais a sorte mais teimosa

há pisadas humanas mediram a lua esplendorosa

e a insônia, que devasta os anos e as milhas.

 

No azul se aproximam pesadelos públicos

que entretecem o dia. Não há no mundo uma

coisa que seja outra, ou o contrário, ou nenhuma.

A mim só me inquietam os sustos delicados.

 

Me assombra que uma chave possa abrir uma porta,

me assombra que minha mão seja uma coisa certa

me assombra que dos gregos a eleática seta

 

instantânea não alcance a inalcançável meta,

me assombra que a espada cruel possa ser formosa,

e que a rosa tenha o odor de rosa.

 

Ilustração: http://crearteestudio.blogspot.com/.

Tuesday, August 25, 2020

Mais uma poesia de Frank O'Hara

 

SPLEEN

 Frank O'Hara

 I know so much

about things, I accept

so much, it's like

vomiting. And I am

nourished by the

shabbiness of my

knowing so much

about others and what

they do, and accepting

so much that I hate

as if I didn't know

what it is, to me.

And what it is to

them I know, and hate


MAU HUMOR

 

Eu sei assim muito

sobre as coisas, eu aceito

assim muito, é como

vou vomitando. E eu sou

nutrido pela degradação do meu

conhecimento assim muito

sobre os outros e o que

eles fazem, e aceitando

assim muito que eu odeio

como se eu não soubesse

o que é isto para mim.

E o que é  para eles eu sei, e odeio. 

Ilustração: https://quotesgram.com/.

Monday, August 24, 2020

BRUXINHA

 

São muito poucas as coisas que sei dela,

embora sinta no ar o seu perfume.

Sei que não sinto o menor ciúme,

malgrado, o fato de ser tão bela

como as maiores divas do teatro

ou as mais belas bruxas do cinema

cuja a maldade apenas se revela

quando se morre de amor por ela

ou se vira piaba do seu cardume

ou mariposa em volta da vela

ansiando por queimar no lume.

Sei que não posso mais dela fugir!

Ainda que a paixão seja amor, agora,

e, quando perto, anseie por partir

e, quando longe, voltar não veja a hora!

Ilustração: https://www.momentumsaga.com.

 

Sunday, August 23, 2020

E Borges é sempre um despertar

 

DESPERTAR

 Jorge Luis Borges

Entra la luz y asciendo torpemente

de los sueños al sueño compartido

y las cosas recobran su debido

y esperado lugar y en el presente

converge abrumador y vasto el vago

ayer: las seculares migraciones

del pájaro y del hombre, las legiones

que el hierro destrozó, Roma y Cartago.


Vuelve también la cotidiana historia:

mi voz, mi rostro, mi temor, mi suerte.

¡Ah, si aquel otro despertar, la muerte,

me deparara un tiempo sin memoria

de mi nombre y de todo lo que he sido!

¡Ah, si en esa mañana hubiera olvido!

 

DESPERTAR

 

Entra a luz e eu ascendo torpemente

dos sonhos aos sonhos compartido

e as coisas recobram o seu devido

e esperado lugar no presente

converge esmagador e vasto o vago

ontem: as seculares migrações

do pássaro e do homem, as legiões

que o ferro destroçou Roma e Cartago.

 

Volta também a cotidiana história:

minha voz, meu rosto, meu medo, minha sorte.

Ah, se aquele outro despertar, a morte,

me deparara um tempo sem memória

do meu nome e tudo o que havia sido!

Ah, se essa manhã houvesse me esquecido!

 

Ilustração: https://cosmicattitude.com/.

Saturday, August 22, 2020

Outra poesia de Comte de Lautréamont (Isidore Ducasse)

 

Les Chants de Maldoror -Chant Premier I

 Comte de Lautréamont (Isidore Ducasse)

 I

Plût au ciel que le lecteur, enhardi et devenu momentanément féroce comme ce qu'il lit, trouve, sans se désorienter, son chemin abrupt et sauvage, à travers les marécages désolés de ces pages sombres et pleines de poison; car, à moins qu'il n'apporte dans sa lecture une logique rigoureuse et une tension d'esprit égale au moins à sa défiance, les émanations mortelles de ce livre imbiberont son âme comme l'eau le sucre. Il n'est pas bon que tout le monde lise les pages qui vont suivre; quelques-uns seuls savoureront ce fruit amer sans danger. Par conséquent, âme timide, avant de pénétrer plus loin dans de pareilles landes inexplorées, dirige tes talons en arrière et non en avant. Écoute bien ce que je te dis: dirige tes talons en arrière et non en avant, comme les yeux d'un fils qui se détourne respectueusement de la contemplation auguste de la face maternelle; ou, plutôt, comme un angle à perte de vue de grues frileuses méditant beaucoup, qui, pendant l'hiver, vole puissamment à travers le silence, toutes voiles tendues, vers un point déterminé de l'horizon, d'où tout à coup part un vent étrange et fort, précurseur de la tempête. La grue la plus vieille et qui forme à elle seule l'avant-garde, voyant cela, branle la tête comme une personne raisonnable, conséquemment son bec aussi qu'elle fait claquer, et n'est pas contente (moi, non plus, je ne le serais pas à sa place), tandis que son vieux cou, dégarni de plumes et contemporain de trois générations de grues, se remue en ondulations irritées qui présagent l'orage qui s'approche de plus en plus. Après avoir de sang-froid regardé plusieurs fois de tous les côtés avec des yeux qui renferment l'expérience, prudemment, la première (car, c'est elle qui a le privilége de montrer les plumes de sa queue aux autres grues inférieures en intelligence), avec son cri vigilant de mélancolique sentinelle, pour repousser l'ennemi commun, elle vire avec flexibilité la pointe de la figure géométrique (c'est peut-être un triangle, mais on ne voit pas le troisième côté que forment dans l'espace ces curieux oiseaux de passage), soit à bâbord, soit à tribord, comme un habile capitaine; et, manoeuvrant avec des ailes qui ne paraissent pas plus grandes que celles d'un moineau, parce qu'elle n'est pas bête, elle prend ainsi un autre chemin philosophique et plus sûr.

Os Cantos de Maldoror -Canto Primero I

I

Rogo aos céus que o leitor, animado e momentaneamente tão feroz como o que lê, encontre, sem desorientar-se, seu caminho abrupto e selvagem, através dos pântanos desolados destas páginas sombrias e plenas de veneno, pois, a não ser que aporte a sua leitura numa lógica rigorosa e numa tensão espiritual semelhante ao menos à sua desconfiança, as emanações mortais deste livro impregnarão sua alma o mesmo que faz a água com o açúcar. Não é bom que todo mundo leia as páginas que vem a seguir; só alguns poderão saborear este fruto amargo sem perigo. Em consequência, alma tímida, antes que penetres mais em semelhantes sendas inexploradas, dirige teus passos para atrás e não vá adiante, de igual maneira que os olhos de um filho se apartam respeitosamente da augusta contemplação do rosto materno; o, melhor, como durante o inverno, à distância, um ângulo de garças frias e meditativas voa velozmente através do silêncio, com todas as asas despregadas, até um ponto determinado do horizonte, de onde, subitamente, parte um vento estranho e poderoso, precursor da tempestade. A garça mais velha, formando ela só a vanguarda, ao ver isto move a cabeça, e, consequentemente, faz rachar também o bico, como uma pessoa razoável, que não está contente (eu tampouco o estaria em seu lugar), enquanto seu velho pescoço desprovido de penas, contemporâneo de três gerações de garças, se agita em ondulações coléricas que pressagiam a tormenta, cada vez mais próxima. Depois de haver olhado numerosas vezes, com sangue frio, todos os lados, com olhos que encerram a experiência, prudentemente, a primeira (pois ela tem o privilégio de mostrar as penas de sua cauda para as outros garças, de inteligência inferior), com seu grito vigilante de sentinela melancólica que repele o inimigo comum, gira com flexibilidade a ponta da figura geométrica (talvez seja um triângulo, embora a terceira não seja visível lado, o que essas curiosas aves de passagem formam no espaço), seja a bombordo ou a estibordo, como um hábil capitão, e, manobrando com asas que não parecem maiores que as de um pardal, porque não é tolo, empreende assim outro caminho mais seguro e filosófico.

Ilustração: https://www.japaoemfoco.com/.

 

Uma poesia de John Barton

 

GEOLOGY OF THE BODY

John Barton

 Relentless how the planet renews itself-

    landforms shift, plate frictioning

 against plate, restless

    mountains reared up under pressure along fault

 lines while oceans rise, storm-boiled

    glacial bodies you navigate, mapping the rivers

siphoned into them, sweat pooling in the hollows

    along your collarbone while you work

 things out, the exhilarations

    of discovery counterbalanced by the weight

 you lift above your head, shoulders, thighs

    and back hardened with time into fundament

 apparently immutable, your chest the breastplate

    of a continent behind which your heart is

 free to swim in its landlocked sea of opiates

    the planet rescued from the inattentions

 of a brain too mindful of the soft

    rich clay housing it, of all that is ground

 down and mixed into a grey amalgam

    and spread, muddy blood-warm shallows

 across which our ancestors stray, recently

    erect and marking you with indifferent footprints

  GEOLOGIA DO CORPO

 Implacável como o planeta se renova,

     mudança de relevo, fricção em placas

 contra a placa, inquietas

     montanhas levantadas sob pressão ao longo da culpa

 linhas enquanto os oceanos se elevam, fervidas pela tempestade

     corpos glaciares que você navega, mapeando os rios

sifonado dentro deles, suor na piscina das cavidades

     ao longo da clavícula enquanto você trabalha

 as coisas, as emoções

     da descoberta contrabalançada pelo peso

você levanta acima de sua cabeça, ombros, coxas

     e volta endurecida com o tempo de fundamento

aparentemente imutável, seu peito o peitoral

     de um continente por trás do qual seu coração esta

 livre para nadar em seu mar de opiáceos sem litoral

     o planeta resgatado das inaptidões

de um cérebro, também consciente da suave

     argila rica habitando-a, de tudo que está triturado

 baixo e misturado em uma amálgama cinza

     e espalhar-se, águas rasas

 através do qual nossos antepassados se desviaram, recentemente

     ereto e marcando você com indiferentes pegadas.

Ilustração: Pinterest.

Friday, August 21, 2020

Uma poesia de Carlota Gauna


¿Quién eres tú?

 Carlota Gauna

Quién eres tú que no necesitas ni siquiera tocarme

pues con sólo mirarme me traspasas el alma

y me entregas tu calma en tu lenta sonrisa

cuando cierro los ojos sintiendo tu presencia

cual un ángel que vela mi conciencia.

Quién eres tú que con sólo acercarte

logras que recupere mis perdidos espacios,

me acaricias por fuera, me transformas por dentro

y siento que me quema el fuego de tus labios.

Quién eres tú que has logrado salvarme

del abismo insondable de mi antaño quebranto.

Te bastó con mirarme para saber mi historia

y de allí en adelante me ofreciste la gloria.

Quién eres tú que una noche de estrellas

tocaste a mi puerta e invadiste mi casa.

Me cubriste de flores, ¿cuál de todas más bella?

y ya no hubo rincones para inmolar querellas.

He nacido esa noche y a tus brazos asida

ya no hay nada que estorbe este amor que me abraza.

Se ha quedado conmigo, ha anidado en mi pecho,

restaurando por siempre tantos sueños deshechos.

 

 

QUEM ÉS TU?

 

Quem és tu que nem precisas me tocar

pois só em me  olhar trespassa minha alma

e me entregas tua calma com o teu lento sorriso

quando fecho meus olhos sentindo tua presença

qual um anjo que vela minha consciência.

Quem és tu, que só se se aproximando

logras recuperar meus espaços perdidos,

me acaricias por fora, me transformas por dentro

e sinto que me queima o fogo de teus lábios.

Quem és tu que tem conseguido me salvar?

do abismo insondável do meu antigo quebranto.

Te bastou me olhar para saber minha história

e dali, em diante, me ofereceu a glória.

Quem és tu numa noite de estrelas

batestes na minha porta e invadistes minha casa.

Me cobristes, com flores, qual de todas a mais bela?

e não havia cantos para imolar discussões.

Eu nasci naquela noite e em teus braços presa.

e não há nada que impeça este amor que me abraça.

Que ficou comigo, aninhou-se no meu peito,

restaurando para sempre tantos sonhos desfeitos.