Sunday, October 31, 2021

INTUIÇÃO

 


O teu perfume, minha amada,
É como o nascer na primavera
Um mundo encantado, quimera
Sutil, surpreendente como espada,

E, no entanto, só perturba, embriaga,
A paixão de todo adormecida
Que se acende na esperança vaga
De captar todo o sumo da vida.

E assim, por te querer, por amar tanto
Surpreso exploro em meu receio
Cada espaço, pele, dobra e canto
Quando o mel, tão bem sei, está no meio.

Ilustração: https://anime21.blog.br/.

(De Águas Passadas, Editora Per Se, 2013)> 

 

Uma poesia de Gilberto Owen


 CANCIÓN

Gilberto Owen

De la última estrella

a la primera

fue para oler las rosas.

 

Vuelta, al revés, del mundo,

abierta la memoria

de la primera estrella

a ti -mujer, idea-,

¿hasta cuándo la última?

 

CANÇÃO

Da última estrela

à primeira

fui pelo aroma das rosas.

 

Volta, ao contrário, do mundo,

aberta à memória

da primeira estrela

a ti-mulher, ideia,

até quando a última?

Ilustração: https://www.artstation.com/.

Uma poesia de George Santayana

 


SONNET V

George Santayana

Dreamt I today the dream of yesternight,

Sleep ever feigning one evolving theme -

Of my two lives which should I call the dream?

Which action vanity? Which vision sight?

Some greater waking must pronounce aright,

If aught abides still of the things that seem,

And with both currents swell the flooded stream

Into an ocean infinite of light.

 

Even such a dream I dream, and know full well

My waking passes like a midnight spell,

But know not if my dreaming could break through

Into the deeps of heaven and of hell.

I know but this of all I would I knew:

Truth is a dream, unless my dream is true.

SONETO V

Hoje eu sonhei o sonho de ontem,

Dormi sempre fingindo ser uma evolução do tema -

Das minhas duas vidas, qual devo chamar de sonho?

Qual ação vaidade? Qual olhar visão?

Algum despertar maior deve ser pronunciado corretamente,

Se alguma coisa permanece das coisas que parecem,

E em ambas as correntes, o fluxo inundado

Dentro de um oceano infinito de luz.

 

Até tal sonho que eu sonho, e sei muito bem

Meu despertar passa como um feitiço da meia-noite,

Mas não sei se meu sonho poderia irromper

Dentro das profundezas do céu e do inferno.

Eu sei, mas de tudo o que eu gostaria de saber:

A verdade é um sonho, exceto se meu sonho for verdade.

Ilustração: Mascha Tace / Shutterstock.com.

Saturday, October 30, 2021

O CERNE DO REAL

 


"Se mesmo o positivo é sonho e controvérsia/Nem porvir, nem ninguém, coisa alguma desliga/A ciência que sonha e o verso que investiga" (Jorge de Lima).

Se sonho

É com o azul

das longas ondas

que se estendem pelo além.

 

Se sonho

É com a luminosidade

das manhãs largas

com um céu azul infinito

como querer alguém.

 

Há controvérsias

se sonho,

ou se não sonho.

É que teus risos,

como o verso e a ciência-

único real-

são feitos de coisas etéreas.

Ilustração: https://www.booking.com/.

 

Mais um poeminha de Francisco Álvarez

 


199

Francisco Álvarez

Hay lágrimas en mí cuando tú lloras,

y habrá sonrisas cuando tú sonrías;

permíteme que arranque de tus días

un ramillete de olvidadas horas,

para alargar tus noches, y las mías,

retrasando la luz de las auroras.

199

Há lágrimas em mim quando tu choras

e haverá sorrisos quando tu sorrires;

permita-me que arranque de teus dias

um buquê de esquecidas horas,

para alargar tuas noites, e as minhas,

atrasando a luz das auroras.

Ilustração: https://gooutside.com.br/.


Friday, October 29, 2021

Viagem

 


Tudo, ao fim e ao cabo,
Inútil salta
Ainda que o dizer verbalizado
Tente dar sentido
Ao resguardado
No fundo da alma,
No longínquo sentimento
Que em tristeza só se manifesta.

Hoje com o tempo livre
enrodilho-me no espaço das lembranças
como quem folheia
um manuscrito de outrora

um objeto do passado

procurando explicações,
chaves, formulas secretas,
reconstituições
do que já se perdeu....

Vago no olhar e no tocar

imóvel

pelos mistérios
de silêncio e paz

e, contudo,

Só me encontro
quando paro,
me deparo
com a sensação inexprimível
do nunca mais.

Ilustração: Youtube.

Mallarmé sempre Mallarmé

 


TOUTE L’ÂME RÉSUMÉE....

Stephane Mallarmé

Toute l’âme résumée

Quand lente nous l’expirons

Dans plusieurs ronds de fumée

Aboli en autres ronds


Atteste quelque cigare

Brûlant savamment pour peu

Que la cendre se sépare

De son clair baiser de feu

 

Ainsi le chœur des romances

A ta lèvre vole-t-il

Exclus-en si tu commences

Le réel parce que vil

 

Le sens trop précis rature

Ta vague littérature

TODA ALMA É RESUMIDA...

A alma inteira resumida

Quando lenta se expira

Em cada anéis de fumaça

Em outros círculos abolida

 

Atesta qualquer cigarro logo

Por pouco que queime a consciência

Que as cinzas é a decadência

De seu claro beijo de fogo

 

Assim, o coro dos romances

Que voa para o seu lábio

Exclua se você começar

O real porque vil

 

O significado muito preciso apaga

Sua literatura vaga

Ilustração: https://www.drogariasultrapopular.com.br.

Outra poesia de Wanda Phipps

 


MORNING POEM #40

Wanda Phipps

pink around a

circle of pink

around a shimmer

of found reason

pink around a

glimmering white

shaked around

a sound blue

somehow in the

touch of green

looped inside

loops abound

a bound ribbon

a hope bow bows

in a rare season

 

POEMA DA MANHÃ # 40

rosa em torno de um

círculo de rosa

em torno de um brilho

de encontrada razão

rosa em torno de um

um branco cintilante

chacoalhado

num som azul

de algum modo no

toque de verde

inserido dentro

de muitas voltas  

de uma fita amarrada

um arco de esperança se curva

em uma estação rara

Ilustração: https://www.elo7.com.br/.

ENSAIO DA MORTE

 


Para a morte ensaio todo dia
No sono inquieto e mesmo no acordar
E até em evitar gesto, palavra, ar...
Só por fome, ou sede, gasto energia.

Invejo, ao olhar pela janela, a pedra
Única coisa com que me identifico
Na sua mudez e permanente fico
Indiferente a erva que nela medra.

Imune aos viajantes, às vozes, cantos
ou ao calor do sol, à água ou ao vento.
Na dureza pétrea livre do pensamento
Só maleável ao passar dos anos, tantos...

Também me penso como um ser imóvel,
Mesmo obrigado aos esforços inúteis,
Resisto, desligando-me de modos sutis
De tudo que passa, fica e é provável.

Penso na morte e no seu significado
E na imobilidade em que o nada vigora.
Sonho com este tempo tão delicado
Que do fim da vida já não vejo a hora.

Ilustração: https://mensagenspoderosas.webnode.com.br/.

Um poema de Wanda Phipps

 


MORNING POEM #1

 Wanda Phipps

floating gray web pages

step into a crowded vacuum

clouds sweating

 

there's a gauzy scrim

in front of my eyes

between me and

the rest of the world

 

Afternoon birds

 

POEMA DA MANHÃ #1

Flutuando páginas cinzas da web

entre em um vácuo lotado

de suadas nuvens

 

há uma tela transparente

na frente dos meus olhos

entre eu e

o resto do mundo

 

Pássaros da tarde

Ilustração: https://lightfieldstudios.net/.

Outro poema de Francisco Álvarez

 


SÓLO TENEMOS UN BESO 

 Francisco Álvarez

Beso indeleble, beso insuficiente,

compendio de inseguras realidades

y perspectivas de fugacidades,

entre ayer y mañana estrecho puente.

 

A tu vida amarrada, dependiente

de tan inciertas eventualidades,

y víctima de mis perplejidades,

por no hacerme en tu vida permanente.

 

Hacia ti van mis aguas encauzadas,

con fuerza torrencial, o sosegadas,

pero siempre abocando a lo imposible.

 

Cómo duele en el alma esta distancia,

cómo me duele ser tu circunstancia,

amor de lejanía, inasequible.

SÓ TEMOS UM BEIJO

Beijo indelével, beijo insuficiente,

compêndio de inseguras realidades

e perspectivas de fugacidade,

entre o ontem e o amanhã estreita ponte.

 

A tua vida amarrada, dependente

de tão incertas eventualidades,

e vítima de minhas perplexidades,

por não me fazer em tua vida permanente.

 

Até a ti vão minhas águas canalizadas,

com força torrencial, ou sossegadas,

porém sempre abocanhando o impossível.

 

Como dói na alma esta distância,

Como me dói ser tua circunstância,

amor distante, inacessível.

Ilustração: http://www.blogdacarolchicorsqui.com/. 

Fora de ritmo

 


É ainda com o mesmo olhar de menino
Que procuro meus brinquedos
De homem velho.
Há, é certo, muito além
Da inocência de outrora
A urgência do desejo e da hora
E a maldade, envolta
Em palavras gentis e suaves,
Que examina as promessas,
Mesmo as mais reais,
Com incredulidade.
Não me alimento de saudade
Nem de esperança.
Sei que o mundo é uma dança
E vou me balançando como posso.

 

Tuesday, October 26, 2021

Outro poeminha de Francisco Álvarez

 


200

Francisco Álvarez

Cuántas veces mi cuerpo ha percibido

la magia y el calor de tu contacto,

y cuántas en el alma he recibido

tu entrega, sin haber firmado un pacto.

Tu impulso, generoso y decidido,

fue un estado de amor, no un sólo acto;

y habrá de prolongarse en permanencia

con  cada beso y cada confidencia.

200

Quantas vezes meu corpo percebeu

a magia e o calor do teu contato,

e quantas na alma há recebido

tua entrega, sem haver firmado um pacto.

Teu impulso, generoso e decidido,

foi um estado de amor, não só um ato;

e há se prolongar em permanência

com cada beijo e cada confidência.

Ilustração: https://medium.com/.


EM BUSCA DO PASSADO

 


Não! Não desejo lembrar
O tempo que passou...
Aquilo que era
Diz o verbo terminou...
Não venho reclamar
Ou mexer em velhas feridas.
Amar, deixar de amar
São coisas comuns nas vidas.
Não venho lhe pedir,
Nem se preocupe,
Para voltar
Nem cobrar palavras
Que perderam o sentido.
Passado é passado.
Perdido é perdido.
Se vim bater na sua porta,
É claro,
Que se trata de uma razão sentimental.
Sabe aquele vaso oriental
Que mamãe me deu?
Tá por aí ou você vendeu?

Ilustração: https://www.imperiodosantigos.com.br/.

(Poemas Malcomportados). 

Tuesday, October 19, 2021

DUALIDADE


Saberás que já não te amo muito tarde

Quando o fogo tiver o gosto extinto

De todas as coisas que ainda sinto

E do fogo que ainda em mim arde.

Eu não te amo por ainda assim amar-te,

Como se fosse apenas como o instinto

De buscar fazer verdade do que minto

Transformar em todo o que é só parte.

Te amo, e não te amo, como se tivesse

Nas mãos os sonhos frágeis da menina

Que a incerteza de frustrar me detivesse

E, é meu amor, que como um louco clamo,

Mas é loucura, justamente, por ser sina

Não te amar assim do jeito que te amo.

Ilustração: https://medium.com/.


Uma poesia de Leopoldo Lugones

 


JOURNEY

Leopoldo Lugones

I met upon the road

A woman and a man,

And a tree that genuflected

Before the wind;

Farther on, a browsing burro;

And farther still, a heap of stone.

And in three thousand leagues of my spirit

There was no more than these:

A tree, a stone, a burro,

A woman, and a man.

A JORNADA

Eu encontrei na estrada

Uma mulher e um homem,

E uma árvore que ao vento

Fazia genuflexões;

Mais longe um burro que nada fazia;

E mais longe ainda, uma porção de pedra.

E nas três mil léguas do meu espirito

Não havia nada mais que isto:

Uma árvore, a pedra, o burro,

Uma mulher e um homem.

Ilustração: https://computerworld.com.br/.

Monday, October 18, 2021

SEMPRE AÉREO

 


Não leve as coisas tão a sério
Que sou igual ao mar...
Tiro onda de ir e voltar.

Não tente ler nem decifrar
O que não tem enigma
Sou uma letra, talvez, um sigma.

Apenas me reconheço no que faço
E nem mesmo do modo certo
Sou um bobo, um nada esperto.

Não espero nem pela salvação.
Vivo a aventura do instante,
No espaço, o olhar de amor distante...

 

Sunday, October 17, 2021

Um poeta chamado Louis Calaferte

 


Rues maintes fois parcourues...

Louis Calaferte

Rues maintes fois parcourues depuis tant d'années.
Les changements y sont lents.
Lente y est la vie.
Certaines physionomies connues à force d'être rencontrées soudainement
disparaissent.
Les vitrines des boutiques se renouvellent tout en se ressemblant.
Il y a des magasins dont les propriétaires ne se montrent jamais.
Vieux magasins.
D'autres qui incitent à la dépense.
Il y a un chien noir aux oreilles cassées assis devant une entrée.
Un vieux chien qui ne se laisse pas approcher.
De vieilles personnes marchent lentement.
Avec de vieux vêtements aux couleurs usées.
Les trottoirs sont étroits.
Peut-être ces rues ne mènent-elles nulle part.
De vieilles personnes qui rentrent chez elles.
Vient une heure où les perspectives raccourcies se font désertes.
Heure de cette atroce agonie qu'on appelle le crépuscule.

AS RUAS MUITAS VEZES PERCORRIDAS....

As ruas muitas vezes percorridas durante tantos anos.

Ali as mudanças são lentas.

Ali lenta é a vida.

Algumas fisionomias conhecidas por ali serem encontradas repentinamente

desaparecem.

As vitrines das lojas são renovadas enquanto se assemelham.

Existem magazines cujos donos nunca aparecem.

Magazines antigos.

Outros que incentivam o consumo.

Há um cachorro preto com orelhas quebradas sentado na frente de uma entrada.

Um cachorro velho que não pode ser abordado.

As pessoas velhas caminham devagar.

Com velhas vestimentas que perderam as cores de tão usadas.

As calçadas são estreitas.

Talvez essas ruas não levem a parte alguma.

Pessoas idosas voltando para casa.

Chega uma hora em que as perspectivas racionadas se fazem desertas.

Hora daquela atroz agonia que chamam de crepúsculo.

Saturday, October 16, 2021

Canção sem número de um tempo sem cor

 


São os dias que passaram sem que meus olhos te vissem

Como noites que cegassem os tempos por si já tristes

Que envelhecessem as velhices, que tornaram o novo, antiquado

Como fantasmas que dançam em brumas que só se adensam

São pensamentos inócuos, ideias que já não pensam.

São meus dias sem te ver tempos que não voltam mais,

Horas que nunca vieram e já ficaram para trás.

Como cidades sem portas, de ruas brancas, sem vidas,

Jardins sem cravos, nem rosas, lilases, nem margaridas,

Onde só os ventos gemem, as árvores não mexem não,

Lugar que não tem navios, ares que não tem canção,

Escuridão tão sem luzes que nem as estrelas brilham,

Portos que não tem navios, rotas que não se procuram,

Caminhos que de tão escuros soterram toda esperança

E só não viram saudade porque, se não for verdade,

Ainda creio em teu amor e em superar tanta dor

Escapando do torpor em que nossa vida ainda dança.

Ilustração: http://angelweing.blogspot.com/.

Outra poesia de Juan Arabia

 


Colibríes del tejado

Juan Arabia

Era en la bahuinia y no en esas antiguas

ciudades en las que alguno de los

nuestros moría por su corazón

donde uno debía encontrar los rudimentarios

puentes de su irregular existencia

 

la eternidad

 

o los imposibles lugares inhabitados

de la cordillera, hemisferio

de oscuros antecedentes comerciales

tierra de pobres, lo más alto del cielo,

pellejo del mar y de la uva

rompiendo la orilla de sal

junto a los nuevos y salvajes vientos

en distintas formas de combate y de vida.

BEIJA-FLORES NO TELHADO

Era em Bahuinia e não nessas antigas

cidades em que algum dos

nossos morria por seu coração

onde se deve encontrar as rudimentares

pontes de sua irregular existência

 

a eternidade

 

ou os impossíveis lugares desabitados

da cordilheira, hemisfério

de escuros antecedentes comerciais  

terra dos pobres, a mais alta do céu,

pele do mar e da uva

rompendo a costa de sal

junto dos novos e selvagens ventos

em distintas formas de combate e de vida.

Ilustração: https://amemdesejoamem.blogspot.com/.

Thursday, October 14, 2021

Um poeminha de Francisco Álvarez

 



177

Francisco Álvarez

Lejos estás de mí, pero tan dentro

te llevo que jamás podré perderte.

Y tan presente estás en mí que encuentro

imposible mirar algo sin verte.


177

Longe estás de mim, mas tão dentro

te levo que nunca poderei perder-te.

E tão presente estás em mim que considero

como impossível olhar algo sem ver-te.

Ilustração: Youtube. 

Friday, October 08, 2021

María Codes de volta


HERRAMIENTA DE MADOZ

María Codes

Ponga un cuchillo en su vida
con regla selectiva para cortar prejuicios
para cortar por lo enfermo, al milímetro
un agujero en la nada.

Aquel del surtido futurista
que no brillaba por el borde,
el que melló los colores célibes
hasta convertirlos en perfil de llaves.

Cortar lo que sobra de todo un hombre
los fundamentos del comercio internacional
las encuadernaciones y las miniaturas
de la fiesta que va por dentro.

Rogamos lea las instrucciones
no se equivoque al empuñarlo
y, sobre todo, no se lo ponga al cuello
puede morder.

FERRAMENTA DE MADOZ

 

Ponha uma faca na sua vida

Com a regra seletiva para cortar preconceitos

para cortar o doente, ao milímetro

um buraco no nada.

 

Aquele com o sortimento futurista

que não brilhava na borda,

o que esmagou as cores celibatárias

até se converterem em perfil de chaves.

Cortar o que sobra de todo um homem

os fundamentos do comércio internacional

as encadernações e miniaturas

da festa que vai por dentro.

 

Rogamos ler as instruções

não se equivoque ao empunhá-la

e sobretudo, não ponha no pescoço

que pode morder.