Saturday, December 31, 2016

SONETO DO AMOR OCULTO

Todo este amor escondido e calado   Pode ser triste, mas, não amargurado,
Pois, de nada se arrepende ou reclama
Resignado sobrevive porque ama,

E, bem sabe, ainda mais, ser muito amado.
Contente assim até suporta delicado
Os longos dias que se perdem no infinito
Sem o gozo do amor e sem um grito.

Exalta muito mais o ter a certeza
Que tanto amor fortalece a natureza
De seu viver tão frágil e tão humano

Até sonha dias que, talvez, jamais virão
Consciente de que a vida sem a ilusão
É um esforço tão inútil quanto insano.

Ilustração: cristiane-amoroculto.blogspot.com


DESFAZENDO

Que tudo acontece por alguma razão 
Acreditei sem razão nenhuma-
Isto me pareceu lógico.

No entanto também é tão racional
Que o acaso me pareceu irreal
E toda mágica inexistente,
Por isto, mesmo tão inconsistente.

Nada pode ser tão pré-determinado
Me lembra Heisenberg
E, como tudo é relativo,
O destino é uma variável
Cheia de incógnitas.


Não há razão para coisa alguma. 

(De "Águas Passadas", Editora Per Se, 2013). 
Ilustração: yue121may.blogspot.com

Friday, December 30, 2016

TEMPO


Te abandonas molemente aos afagos.
Percebo que teus seios são montanhas, 
Teu ventre, um vale e, quando me apanhas,
Que teus olhos são dois enormes lagos. 

Quando, então, danças no escuro 
No ritmo febril de tua respiração 
Teu sangue é uma lava, teu corpo, um vulcão
E no teu corpo o tempo está seguro. 

Depois mais mole, e mesmo saciada, 
Um sorriso, ou melhor, uma flor 
Desabrocha como fruto do amor 
E o tempo parece que não é mais nada!

(De "Apocalypse", Editora Zanzalás, 1982). 

JOGO LOUCO



Sentirei frio na manha de nevoa.
Minhas mãos hão de buscar calor
Em teu corpo enquanto a hora voa
Na quietude violenta do amor.

Sentirei calor na manhã de frio.
Minhas mãos hão de buscar nevoa
Em teu corpo de amor vazio
Na tranquilidade da hora que voa.

Sentirei vazio na manhã de amor.
Minhas mãos hão de buscar a hora
Em teu corpo, quente de calor,
Na placidez da nevoa que vai embora!

(De "Apocalypose", Editora Zanzalás, 1982). 

Outra poesia de Emilia Currás

і Qué triste viver sin amor!                                 
 Emilia Currás

і Qué triste viver sin amor!
і Qué sequedad interior!
Y !qué cansancio y hastío!
No se puede  soportar.

El alma me va a estallar,
que el desconsuelo es dolor
y el dolor es soledad.
El alma me va a estallar.

E QUE TRISTE É VIVER SEM AMOR

E que triste é viver sem amor!
Que sequidão interior!
E que cansaço e tédio!
Não se pode suportar.

A alma me vai estalar,
De desconsolo e de dor
E a dor é a solidão.
A alma me vai estalar. 

Ilustração: Flores para a alma

Wednesday, December 28, 2016

Uma poesia de Dante Alighieri




XXI

Dante Alighieri

Ne li occhi porta la mia donna Amore,
Per che si fa gentil ciò ch'ella mira;
Ov'ella passa, ogn'om ver lei si gira,
E cui saluta fa tremar lo core.
Si che, bassando il viso, tutto amore,
E d'ogni suo difetto allor sospira:
Fugge dinanzi a lei superbia ed ira.
Aiutatermi, donne, farle onore.

Ogne dolcezza, ogne pensero umile
Nasce nel core a chi parlar la sente,
Ond'è laudato chi prima la vide.
Quel ch'ella par quando un poco sorride,
Non si po dicer nè temer a mente,
Si è novo miracolo e gentile

XXI

Nos olhos a minha dama amorosa tece,
Uma maneira gentil que enobrece o que mira;
Quando ela passa, todo olhar se vira
E a quem acena o coração estremece.
Se ela, baixando o rosto, todo o amor revela,
De todo o seu defeito, então, suspira;
Fogem dela, a soberba vã e a ira.
Senhoras, ajudai-me a engrandecê-la.

Toda a doçura, toda a humildade do pensar
No peito nasce de quem a ouve falar;
Louvado seja quem a viu pela primeira vez.
Que com um pequeno sorriso ela parece,
Não se pode ter medo de dizer nem recordar,
Sem dúvida, um milagre novo e gentil que se fez.


Ilustração: Alavontê. 

Tuesday, December 27, 2016

METADE

Sei que percebi a solidão            
como percebi a vida
sem clareza
como uma imagem
difusa e distante-
míope que sou.

A vida,
só sinto,
como a busca sem fim
de algo que não há,
mas, sinto se você
não está
uma imensa falta de mim.

Ilustração: lobomichael-- Lobo ou Anjo.
(De "Águas Passadas", Editora Per Se, 2013). 

DESPEDIDA


Amiga,
Amiga,
Nem meu bem,
Nem meu amor,
Amiga
Assim te chamarei.
Não amante, nem amada, nem querida.
Sim, amiga.
Lá fora te chamarei senhora
E passarei indiferente
Negando a toda gente
Este sentimento sem limites.

Amiga,
Não fale,
Não diga,
Não lembre.
A vida é sempre assim:
Uma sucessão de sentimentos e coisas mutáveis.
Se leio nos teus olhos que a paixão não existe
É certo que fico triste mesmo que digas que não
Que não é assim como se mentir não fosse próprio da mulher,
Mas, do homem também é.

E também o é
Não saber mentir-
Se engana quem quer se enganar.
Não é o momento.
O momento como o amor se foi
Feito passarinho liberto.
Teus seios brancos já não mais aperto
Imagens distantes que são.
Distante está agora o gozo, a dor, a ansiosa espera
Da confusão de pernas e de braços ,
A explosão, o êxtase, a vontade de ficar...


Amiga,
Sem palavras,
Sem embaraços
Parta.
A porta está aberta
O relógio marca a hora certa
E o tempo sempre vence o amor.

Vá!
Siga, por favor,
Sem olhar para trás.
Trouxestes a beleza,
Levas a paz
E a paixão que deixas
Não tem queixas
Porque sorriu, gozou, amou
O que viveu
E sofreria mil vezes mais o mesmo gozo
E gozaria mil vezes mais a mesma dor
Assim como não se arrependeria da loucura de seu amor
Ciente de que infeliz é quem não tem paixão.

Vai!
Amiga vai!
Que contigo também sai
Mais uma ilusão.
E se meu coração agüenta
Meus olhos não.
Amiga, amiga...
Não diga adeus,
Nem demora,
Em todo amor há sempre a hora
Em que é preciso chorar.

Ilustração: Blog Wedding

Monday, December 26, 2016

SALMO DO ANO NOVO



Longe soam, as notas do clarim, sons poderosos
Arautos de um novo tempo
Que fazem fortes e felizes nossas vidas passageiras.
Nós requentamos, com o óleo do otimismo, as nossas esperanças
E esquecemos a espada trocando-as pelas danças
E nos tornamos, inesperadamente, ótimos dançarinos.
Que toquem os sinos
Que o nosso amor seja a argamassa
Dos dias felizes
Dos caminhos não percorridos por nós e pelos ventos.
Que os deuses nos tragam de volta nossos sonhos de outrora
E possamos, satisfeitos de amor, saudar a aurora
Felizes com o novo amanhecer
Preparados para cantar, sorrir, viver
Um Novo Ano.


Sunday, December 25, 2016

CONFISSÃO DESAJEITADA


Eu sinto falta de você
e, no ar, o teu perfume
parece estar em toda parte
como se tivesse o dom, a arte
de ser onipresente- 
uma ilusão real.
Sinto faltas das tuas mãos 
que dizes serem desajeitadas
mas, que nos carinhos
são máquinas de agradar, 
precisas, 
que ainda não foram inventadas,
uma antecipação do futuro.
Sinto também que tudo está escuro
e nada me faz feliz sem você.
Não sei se isto é amor,
nem o que pode ser, 
porém, se não for, 
o que mais pode ser?

Ilustração: Cobra com Asa

Friday, December 23, 2016

OUTRA POESIA DE JEANNETTE L. CLARIOND


TRANSCURRIR                                          
Jeannette L. Clariond

Déjame sentir, ancha hora,
la extendida lentitud de sus brazos,
descubrir en la flama de sus ojos
jardines de turgentes anturios:
pistilos que recorran mi piel
y abran paso hacia vías encendidas
donde jóvenes amantes ríen
y sus vasos llenan.
Quiero cantar entre tus hojas
que de elevadas ramas descienden,
llorar entre tus flores,
en tu seno de tierra
–néctar, ojos, selva–
cuando el dolor de tu partida
mi juventud alimenta.

TRANSCORRER

Deixa-me sentir, longa hora,
a estendida lentidão de seus braços,
descobrir na chama de seus olhos
jardins de túrgidos antúrios:
pistilos que percorram minha pele
e abram passo as ruas iluminadas
onde jovens amantes riem
e seus copos enchem.
Quero cantar entre tuas folhas
que dos altos galhos descem,
chorar entre tuas flores,
no teu seio de terra
-néctar, olhos, selva-
quando a dor de tua partida
minha juventude alimenta.

Crédito: Carlos Costa

ESTE AMOR



Este amor que é tudo quanto resta
Me redime das culpas e pecados.
É uma árvore, contudo, uma floresta,
Um deserto de oásis alagado.

Este amor que é tudo quanto tive
Me desculpa dos erros e desejos. 
É tão grande que em todo o espaço vive;
Tão pequeno que mora nos teus beijos. 

Este amor que é tudo o quanto levo
Me deixa de ilusão carregado,
Feliz de me atrever o quanto atrevo. 

Este amor que é tudo que me é dado
É muito mais do que solo e relevo:
É terra, é ar, é céu, canção, pecado!

(De Imagens da Incerteza, Brasília, Editora Thesaurus, 1988). 

Wednesday, December 21, 2016

TRAIÇÃO EM CIMA DE TRAIÇÃO


Yo creía en un dios

Hjalmar Gullberg

Yo creía en un dios pero él no lo sabía,
nunca llegó a saber que yo creía en él
muchos años aún después de su muerte.
En un profundo interrogatorio conmigo mismo sobre el asunto
quedé informado de la verdadera situación.
¡Oh, luz de estrellas apagadas que llega con retraso
a los ojos en la noche! Yo he contemplado a mi dios
tal como era en su gloria antes de la catástrofe.
Nunca llegó a saber que yo creía en él
y que no sabía que él había muerto.

(Tradução para o espanhol de Francisco J. Uriz).

EU ACREDITAVA EM UM DEUS

Eu acreditava em um deus, porém, ele não o sabia,
nunca chegou a saber que eu acreditava nele,
muitos anos ainda depois de sua morte.
Num profundo interrogatório comigo mesmo sobre o assunto
fiquei informado da verdadeira situação.
Oh! Luz de estrelas apagadas que chega com atraso
aos olhos da noite! Eu havia contemplado a meu deus
tal como era em sua glória antes da catástrofe.
Nunca chegou a saber que eu acreditava nele
E que não sabia que o havia morto. 

Uma poesia de Umberto Saba



ULISSE

Umberto Saba

O tu che sei sì triste ed hai pressagi
d’orore-Ulisse al declino-nessuna
dentro l’anima tua dolcezza aduna.
la Brama
per uma
pallida signatrice di naufragi
che t’ama?

ULYSSES

Ò, tu, que estais tão triste e com presságios
de horror-Ulysses em declínio- nenhuma
doçura dentro de tua alma acende
a chama
por uma
pálida sonhadora de naufrágios

que te ama. 

Monday, December 19, 2016

Mais uma poesia de Paul Eluard

XIV. A l'assaut des jardins...                                            
Paul Eluard

A l'assaut des jardins
Les saisons sont partout à la fois
Passion de l'été pour l'hiver
Et la tendresse des deux autres
Les souvenirs comme des plumes
Les arbres ont brisé le ciel
Un beau chêne gâché de brume
La vie des oiseaux ou la vie des plumes
Et tout un panache frivole
Avec de souriantes craintes
Et la solitude bavarde


XIV. Ao assalto dos jardins...

Ao assalto dos jardins
As estações estão, de uma só vez, em toda parte
A paixão do verão pelo inverno
A ternura do outono e da primavera
As recordações como plumas
As árvores perfurando o céu
Um belo carvalho envolto em brumas
A vida das plumas ou a vida das aves
E tudo um frívolo penacho
Pleno de sorridentes temores
E a solidão charlatã


Ilustração: Gartic

Uma poesia de Vivian Lamarque




Il Signore Sognato

Vivian Lamarque

Splendidissima era la vida acanto a lui sognata.
Nel sogno tra tutte predileta la chiamava.
R nella realtà?
La realtá non c’era, era abdicata.
Splendidissima regna la vita immaginata.

O senhor sonhado

Esplendorosa era a vida junto a ele sonhada.
No sonho entre todas de predileta a chamava.
E na realidade?
Na realidade não existia, havia abdicado.
Esplendorosa reinava a vida imaginada.


Ilustração: Forum Espirita

Friday, December 16, 2016

Uma poesia de Mayda Colón

TE RECUERDO ASÍ                            
Mayda Colón

en un intento de deletrear tu mirada sobre el cemento.

La ciudad duerme
tu recuerdo despierta si cierro los ojos
y apago el día para soñarte
y golpeo la distancia contra mis versos.

Te hago el amor de esta manera
fundo la llovizna con el mar
abro los poros para que penetres entre las grietas
como hace el agua.

Yo soy la sed... y tu el agua.
También soy el muro de una catedral que silencia
un
        verso
                      que
                                 se
                                         d e r r u m b a
cuando no encuentra la piel de esa ciudad que eres
y que me habita.

TE RECORDO ASSIM

Na tentativa de soletrar teu olhar sobre o cimento

A cidade dorme
a tua lembrança desperta sem fechar os olhos
e apago o dia para sonhar contigo
e golpeio a distância com os meus versos.

Te faço amor desta maneira
confundindo a garoa com o mar
abro os poros para penetres entre as gretas
como faz a água.

Eu sou a sede... e tu, a água.
Também sou o muro de uma catedral que silencia
um
        verso
                    que
                             se
                                   derrama
quando não encontra a pele dessa cidade que és

e que me habita. 

Outra poesia de Beppe Costa

CONCERTO                                                 
Beppe Costa

Concerto d’acqua di vento
concerto di sangue di polvere
concerto d’amore
vorrei dedicarti
ma
non sono Mozart

Parole in poesia per coprirti la pelle
parole uniche inimitabili
parole d’amore
vorrei dedicarti
ma
non sono Verlaine

E allora ti do il cielo gli uccelli
la luna il sole le stelle
e ti do anche il fiume e la montagna
e laghi e continenti
e ti do un mondo migliore
un mondo d’amore
ma
non sono Dio
che già ci ha provato

CONCERTO

Concerto de água e de vento
concerto de sangue de pó
concerto de amor
quisera te dedicar
mas
não sou Mozart

Palavras em poesia para te cobrir a pele
palavras únicas inimitáveis
palavras de amor
quisera te dedicar
mas
não sou Verlaine

E então te dou o céu de aves
a lua o sol as estrelas
e te dou também o rio e a montanha
e o lago e o continente
e te dou um mundo melhor
um mundo de amor
mas
não sou Deus

que já foi provado 

Uma poesia de Beppe Costa

L’ISOLA                                    
 Beppe Costa

nel buio costante del mare
luci e ombre senza quasi colori
rivedendo il passato
che diviene futuro

senza neppure scarpe
a proteggere i passi

eppure
sapevo nuotare
così semplice,
da principi
così facile come guardare alla luna

pagine su pagine

e lunghi viaggi di terre e di mari ma

io ero lì

puntavo verso il mare
o almeno
a un isola deserta
disegnata soltanto
per noi

A ILHA

Na escuridão constante do mar
luzes e sombras quase sem cores
voltando a ver o passado
que se converte em futuro

sem nem sequer os sapatos
para proteger os passos

E, sem embargo,
sabia nadar
soisa simples
de principiante
coisa fácil saber olhar a lua

páginas atrás de páginas

e longas viagens de terras e de mares, mas,

eu estava ali

olhava céu e mar
ou, pelo menos,
a uma ilha deserta
desenhada só
para nós.

Ilustração: Doces Deletérios


Thursday, December 15, 2016

Uma poesia de Jack Prelutsky

 
Glad Your Nose is on Your Face 

Jack Prelutsky

Be glad your nose is on your face,
not pasted on some other place,
for if it were where it is not,
you might dislike your nose a lot.

Imagine if your precious nose
were sandwiched in between your toes,
that clearly would not be a treat,
for you'd be forced to smell your feet.

Your nose would be a source of dread
were it attached atop your head,
it soon would drive you to despair,
forever tickled by your hair.

Within your ear, your nose would be
an absolute catastrophe,
for when you were obliged to sneeze,
your brain would rattle from the breeze.

Your nose, instead, through thick and thin,
remains between your eyes and chin,
not pasted on some other place--
be glad your nose is on your face!

FIQUE FELIZ COM SEU NARIZ NA SUA CARA

Seja feliz com o seu nariz na sua cara,
Não colado em algum outro lugar,
Pois, se assim fosse não estaria onde está,
Você pode desgostar de seu nariz um lote.

Imagine se seu precioso nariz
Fosse ensanduichado entre os dedos do seus dedos,
O que, claramente, não o faria feliz,
Porque seria forçado a cheirar seus pés.

Seu nariz seria uma fonte de pavor
Se fosse atarraxado sobre sua cabeça,
Cedo o levaria ao desespero,
A todo momento com cócegas pelo seu cabelo.

Dentro de sua orelha, seu nariz seria
Uma absoluto catástrofe,
Pois, você seria obrigado a espirrar,
E seu cérebro, com a brisa, iria chocoalhar.

Seu nariz, entretanto, por mais grosso e fino,
Permanece entre seus olhos e queixo,
Não colado em algum outro lugar -
Seja feliz com seu nariz na sua cara!


Ilustração: iBella