Tuesday, August 31, 2021

Criança sedenta

 


Se for inverno ou verão
Eu bebo como se fosse primavera.
É a vida
E a vida tempo bom não espera
Segue em frente
Qualquer
que seja o tom,
A música, o ritmo diferente
Para nos fazer dançar.
O amanhã?
O amanhã que importa?
Hoje, por favor, abre tua porta,
O leite, a cama,
O peito macio me oferece,
Com a sofreguidão de quem ama,
Que prometo ser santo
E, como uma criancinha de colo,
Beber leite
Tanto, tanto, tanto...

Ilustração: HC-UFU

Três poemas de Jorge Curinao

 


SUR

 Jorge Curinao

 Para hablar

del viento

habrá

que convencer

a los álamos

de su existencia.

SUL

Para falar

do vento

haverá que convencer

aos álamos

de sua existência.

HISTORIA

Cómo explicar la sensación

de llegar a la orilla

y no saber nadar.

HISTÓRIA

Como explicar a sensação

de chegar na praia

e não saber nadar.

(sin título)

En lo profundo

en lo más profundo

se corre el riesgo de no encontrar nada.

(SEM TÍTULO)

No profundo

no mais profundo

se corre o risco de não encontrar nada.

Ilustração: Dreamstimes.

Monday, August 30, 2021

Um poeminha de Cardenal

 


Yo apagué la luz para poder ver la nieve...

 Ernesto Cardenal

Yo apagué la luz para poder ver la nieve.

Y vi la nieve tras el vidrio y la luna nueva.

Pero vi que la nieve y la luna eran también un vidrio

y detrás de ese vidrio Tú me estabas viendo.

Eu apaguei a luz para poder ver a neve....

Eu apaguei a luz para poder ver a neve.

E vi a neve por detrás do vidro e a lua nova.

Porém, vi que a neve e a lua eram também um vidro

e detrás deste vidro tu me estavas vendo.

Ilustração: https://br.freepik.com/.

 

AGOSTO

 


Embora agosto seja agosto,

um agosto diferente de outro agosto,

ainda que todo agosto imprima em nós

certos sentimentos imprevistos,

certas incertezas estranhas,

certas sensações tamanhas

que só agosto pode dar.

Agosto-dizem- que dá azar.

Pode ser se for sua hora de morrer.

E sempre tem hora, ou não, de morrer?

Sempre terá,

mas, quando não se sabe,

e é natural que tudo se acabe,

agosto é um mês a mais,

melhor quando te satisfaz

ou passa assim 

com suas dores, medos e esperanças.

Agosto, para mim, é o aniversário

de minha mãe,

que faz tempo que morreu.

Um mês, muitas vezes, frio;

outras vezes, muito quente,

como agora, que parece um forno.

Ainda que agosto possa ser morno

é um mês sempre de inquietações,

um mês de uma indefinível beleza,

um mês de tantas flutuações

que me traz sempre a certeza

de que desejo

muitos agostos mais!

Outra poesia de Ted Hughes


LIGHT

Ted Hughes

Eased eyes open, showed leaves.

 

Eyes laughing and childish

Ran among flowers of leaves

And looked at light's bridge

Which led from leaf, upward, and back down to leaf.

 

Eyes uncertain

Tested each semblance

Light seemed to smile.

 

Eyes ran to the limit

To the last leaf

To the last vein of the least flower-leaf.

 

Light smiled,

And smiled and smiled

 

Eyes

Darkened

Afraid suddenly

That this was all there was to it.

LUZ

Suaves olhos abertos, folhas reveladas.

 

Olhos risonhos e infantis

Correu entre as flores de folhas

E olhou para a ponte de luz

Que conduzia da folha para cima e de volta para a folha.

 

Olhos incertos

Testado cada semblante

Luz que parecia sorrir.

 

Olhos que correram até o limite

Até a última folha

Até a última nervura da menor folha de flor.

 

Luz que sorria,

E sorria e sorria

 

Olhos

Escurecidos

Com medo de repente

Que isto era tudo que importava.

Ilustração: Pensar Bem Viver Bem.

De volta Anna Rita Armati


PENSANDOTI

Anna Rita Armati

Mi scopro a pensarti

fra le canne

sbattute dal vento

quando prendo la fune

e le lego fra loro.

Si sostengono

l’una con l’altra combattendo

gli eventi terrestri.

PENSANDO EM TI

Me descubro a pensar em ti

entre os juncos

açoitados pelo vento

quando prendo a corda

e os amarro juntos.

Eles combatem

um com o outro

os eventos terrestres.

Ilustração: Youtube.


Uma poesia de Seamus Heaney

 


SONG

Seamus Heaney

A rowan like a lipsticked girl.

Between the by-road and the main road
Alder trees at a wet and dripping distance
Stand off among the rushes.

There are the mud-flowers of dialect
And the immortelles of perfect pitch
And that moment when the bird sings very close
To the music of what happens.

CANÇÃO

 

Uma sorveira feito uma garota com batom.

Entre a estrada secundária e a estrada principal

Amieiros à uma molhada e gotejante distância

Afasta-se entre os juncos.

 

Existem as flores de lama do dialeto

E as eternas de tom perfeito

E aquele momento quando o pássaro canta muito perto

À música do que acontece.

Mais uma poesia de Pilar Fraile Amador

 


Que curioso, disse

 Pilar Fraile Amador

que curioso, dice. no habría imaginado que se vieran así. pegados unos a otros. como cadenas

esta superficie. no creo que podamos mantenernos en ella sin perder algo. algo precioso. los sitios donde no hundir la mano. sombras que se sueñan antes de ser vistas. puede que sean pájaros

eso es. pájaros fuera del tempo

Que engraçado, disse ...

que engraçado, disse. não havia imaginado que viessem assim. pegados uns aos outros. como correntes

esta superfície. não creio possamos mantermos nela sem perder algo. algo precioso. locais onde não afunde a mão. sombras que se sonham antes de serem vistas. pode ser que sejam pássaros

isto é. Pássaros fora de tempo

Ilustração: Flickr/Airwolfhound.

Saturday, August 28, 2021

Uma poesia de Ted Hughes

 


FULL MOON AND LITTLE FRIEDA

Ted Hughes

A cool small evening shrunk to a dog bark and the clank of a bucket -
And you listening.
A spider's web, tense for the dew's touch.
A pail lifted, still and brimming - mirror
To tempt a first star to a tremor.

Cows are going home in the lane there, looping the hedges with their warm
wreaths of breath -
A dark river of blood, many boulders,
Balancing unspilled milk.
'Moon!' you cry suddenly, 'Moon!  Moon!'

The moon has stepped back like an artist gazing amazed at a work
That points at him amazed.

A LUA CHEIA E A PEQUENA FRIEDA

Uma tarde fria se reduziu aos latidos de um cão e ao ruído metálico de um balde-

E você escutando.

Uma teia de aranha, tensa para o toque do orvalho.

O balde já alçado, quieto e repleto-espelho

que tenta uma estrela

para tentar uma primeira estrela a tremer.

 

As vacas estão indo para casa por aquele caminho, enrolando as sebes com o seu calor

com as cálidas ondas de sua respiração-

Um escuro rio de sangue, montes de penhascos,

Balançando sem derramar o leite.

Lua! Você grita subitamente, ‘Lua!’ ‘Lua!’

A lua dá um passo atrás como quando um artista maravilhado contempla uma obra e esta o deixa assombrado.

Ilustração: Pinterest.

Rubén Darío divagando

  


DIVAGACIÓN

 Rubén Darío

¿Los amores exóticos acaso...?

Como rosa de Oriente me fascinas:

me deleitan la seda, el oro, el raso.

Gautier adoraba a las princesas chinas.

 

¡Oh bello amor de mil genuflexiones:

torres de kaolín, pies imposibles,

tasas de té, tortugas y dragones,

y verdes arrozales apacibles!

 

Ámame en chino, en el sonoro chino

de Li-Tai-Pe. Yo igualaré a los sabios

poetas que interpretan el destino;

madrigalizaré junto a tus labios.

 

Diré que eres más bella que la Luna:

que el tesoro del cielo es menos rico

que el tesoro que vela la importuna

caricia de marfil de tu abanico.

DIVAGAÇÃO

 Os amores exóticos por acaso...?

Como rosa do Oriente me fascinas:

me deleitam a seda, o ouro, o cetim.

Gautier adorava as princesas chinesas.

 

Oh! Belo amor mil genuflexões:

torres de caulim pés impossíveis,

taxas de chá, tartarugas e dragões,

e verdes arrozais aprazíveis!

 

Ama-me em chinês, no sonoro chinês

de Li-Tai-Pe. Eu igualarei aos sábios

poetas que interpretam o destino;

madrigalizarei junto aos teus lábios.

 

Direi que és mais bela do que a lua:

que o tesouro do céu é menos rico

que o tesouro que vela a importuna

carícia de marfim de teu leque.

Ilustração: http://pt.nextews.com/.

Thursday, August 26, 2021

O IMORTAL

 


E, então, de repente o sangue fluindo por onde menos esperava dava sinais que a vida havia mudado. O tempo, senhor inexorável, havia introduzido seus sinais sub-reptícios e, agora, lentamente, de forma silenciosa, mas, clara cobrava os dias de prazer, de aventura, de ignorar o seu passar como se fosse eterna a vida passageira. Não se afogou no desespero ou no lamento. Apenas deixou cair a taça de vinho, que despedaçada, como todos os seus sonhos, não teria mais como se recompor. E só pensou no amor, que há tanto tempo não tinha. Só pensou que a vida continuaria a ser bela mesmo sem a sua presença. E , ignorando todos os sinais, encheu outra taça e bebeu. Haveria ainda algum tempo sim. E brindou à vida que passava com a mesma insolência que o guiou durante toda a vida: a sensação de ser imortal, mesmo quando a morte já se anunciava.

Mais uma poesia de María Antonieta Flores

 

 


OGUN

 María Antonieta Flores

 siempre serán los vientos del mar del norte

y tus labios pronunciando su nombre

 

siempre será tu cuerpo bajo su cuerpo

sorprendido

 

siempre será amar en una lengua extranjera

 

padeciendo la intemperie

frisando las palabras con dolor

 

tres noches escritas en el presente

un siempre del instante

 

tu lenta saliva deglutida en angustia

las paredes filtradas por el deseo

siempre la señal

siempre desventura

y un temblor en los sedientos labios

OGUN

sempre serão os ventos do mar do norte

e seus lábios pronunciando o seu nome

 

sempre será o seu corpo sob o corpo dele

surpreendido

 

sempre será amar em uma língua estrangeira

 

padecendo com as intempéries

frisando as palavras com dor

 

três noites escritas no presente

um sempre do instante

 

tua lenta saliva engolida em angústia

as paredes filtradas pelo desejo

 

sempre o sinal

 

sempre a desventura

 

e um tremor dos sedentos lábios

Ilustração: https://guardian.ng/.

Voltou Roberto Juarroz

 


Trípticos verticales I 1

 Roberto Juarroz

 Rictus de la memoria:

recordar el contrafilo de las cosas,

evocar cómo era lo que es

cuando no era,

acordarse del no amor, la no flor, el no camino,

aun antes que la nada los soñase.

 

Recordar la víspera de todo:

el paroxismo de la nada.

Y también la antevíspera de todo:

lo anterior a la nada,

la nada de la nada.

 

Y cuando la memoria ya no alcance,

colocarle una prótesis: el viento.

TRIPTÍCOS VERTICAIS, I 1

Ritos da memória:

Lembrar-se ao contrapelo das coisas,

evocar como era o que é

quando não era,

acordar-se de nenhum amor, de nenhuma flor, de nenhum caminho,

ainda antes que nada os sonhasse.

 

Lembrar-se da antevéspera de todos:

paroxismo do nada.

E também a antevéspera de todos:

a anterior ao nada,

a nada do nada.

 

E quando a memória já não alcançar,

colocar-lhe uma prótese: o vento.

Ilustração: wordpress.

Wednesday, August 25, 2021

SONHO DE UM DIA DE PANDEMIA

 


Viver tento

como se fosse ser eterno,

porém, já abdiquei

das vãs vaidades.

Dei meu único terno,

dois sapatos e uma chinela

e vivo, quase nu,

com uma bermuda

que não esconde a canela.

 

É um comportamento

fruto da pandemia-

diz um observador-

não sei se clínico ou cínico,

que não entende de amor.

De solidão menos ainda.

Todo o meu desprendimento

vem de que meu grande alento

é esperar que a minha linda-

quando tudo isto passar-

venha nos meus braços se aninhar.

 

A sempre intrigante Antonella Taravella


Antonella Taravella

a questo fingerti - oltre le porte,

          e spaccarsi le unghie contro il cielo

          mentre

          gli abiti - inzuppati fanno buio

          su questo cadere

          andarsene - bambina

          mentre il giorno

          passa ore dentro i bicchieri vuoti

          e la paura è

          - un segno sulle caviglie

 

           para fingir isto - além das portas,

           e quebrar suas unhas contra o céu

           enquanto

           as roupas - encharcadas se escurecem

           neste outono

           sair - garotinha

           enquanto o dia

           passa horas dentro de copos vazios

           e o medo é

           - uma marca nos tornozelos

           Ilustração: Capricho.