Friday, May 31, 2024

Memória Insuficiente

 


Não me envie mais e-mails.
Por favor, não encha
Minha caixa com imagens
Que meus programas não reconhecem.
Confesso que sou meio antigo, lento
E conservo velhos softs
Que não abrem
Os arquivos novos que me manda
tão modernos.

Apago logo seus PPTs ternos.
De Orkut não quero mais saber.
Me afastei de MSN por causa de você
E de You Tube só gostei para lhe agradar.
Já no Skipe nunca mais vou pegar
E até sonho em me isolar

em Mosqueiro, no Pará.

Enfim vou aposentar,
Se alguma vez tive,
O meu lado internauta
Por causa de meu coração tão magoado.
Preciso retirar teu nome da minha pauta
Como quem apaga um histórico grande e errado
Só porquê meu hard
Não tem mais memória para você!

Ilustração: Vecteezy.

Antonella Taravella

 


 Antonella Taravella

 il suono della tua pelle

mi apre lentamente

fino a farmi nuda

con le ossa

che tremano come foglie

e il desiderio che passa

sui contorni esposti

di ogni domani

 

 

o som da tua pele

me abre lentamente

até deixar-me nua

com os ossos

que tremem como folhas

e o desejo que passa

seus contornos expostos

de todo amanhã

Uma poesia de Raquel Beck

 


Raquel Beck

Nosotros también echamos a volar

como lo hacen los pájaros

después del estallido de un disparo,

asustados.

 

Nosotros también echamos a volar

un día cualquiera de invierno;

buscando el calor del sol,

siguiendo las migas de pan,

intentando encontrar el caminho

 

Nós também começamos a voar

como fazem os pássaros

depois do estalido de um disparo,

assustados

 

Nós também começamos a voar

um dia qualquer de inverno;

buscando o calor do sol,

seguindo as migalhas de pão,

tentando encontrar o caminho

Ilustração: Pexels.

Thursday, May 30, 2024

Silenciosamente



Estamos aqui,

Tu e eu,

de repente, envolvidos na mágica do desejo

deitados sob o céu estrelado

testemunha imensa e muda

de palavras e gestos de carinhos

que, amanhã,

talvez tenhamos certeza de ter inventado

como a forma de explicação

para aceitar o inexplicável.

Agora,

nada mais é necessário

além de encostar minha boca na tua

e devagar

sugar a língua

como quem saboreia o sonho,

a vida, o momento, a alegria

com a satisfação e o espanto

de criança que descobre o pecado...

Não é uma noite,

no entanto, para grandes pensamentos

ou preocupações com pequenas tristezas.

A tendência pressentida

de ser

assim impossivelmente um do outro

nos exige carícias, concentração,

adivinhações e experimentos da mão,

da pele, da medida exata do toque,

da palavra e do silêncio.

Entre lençóis,

o prazer e os gemidos

inundam a cama

e inesperadamente

explodem

nos suaves afagos de tuas mãos

e nas palavras desarticuladas

que a tudo dá sentido.

O brilho dos teus olhos

de menina ilumina a noite

e, sem explicações,

justifica a existência e o amor

sem palavras,

silenciosamente.

Ilustração: Portal 6.


Taravella

 


 Antonella Taravella

 nel tempo contratto
 vissuto andando dentro i boschi

 nudi
 in pasto alle ombre
 con i silenzi dentro le braccia
 come rami torbidi

 a coccolare la pioggia
 mentre uso le parole come ombrello

 

No tempo do contrato

viveu andando dentro do bosque

nu

comendo nas sombras

com os silêncios dentro dos braços

como galhos turvos

a mimar a chuva

enquanto uso a palavra como guarda-chuva

Ilustração: Amazon.

 


Wednesday, May 29, 2024

A Poética arte de Borges

 

 

ARTE POÉTICA

Jorge Luis Borges

Mirar el río hecho de tiempo y agua

y recordar que el tiempo es otro río,

saber que nos perdemos como el río

y que los rostros pasan como el agua.

 

Sentir que la vigilia es otro sueño

que sueña no soñar y que la muerte

que teme nuestra carne es esa muerte

de cada noche , que se llama sueño.

 

Ver en el día o en el año un símbolo

de los días del hombre y de sus años,

convertir el ultraje de los años

en una música, un rumor, y un símbolo,

 

ver en la muerte el sueño, en el ocaso

un triste oro, tal es la poesía

que es inmortal y pobre. La poesía

vuelve como la aurora y el ocaso.

 

A veces en las tardes una cara

nos mira desde el fondo de un espejo;

el arte debe ser como ese espejo

que nos revela nuestra propia cara.

 

También es como el río interminable

que pasa y queda y es cristal de un mismo

Heráclito inconstante, que es el mismo

y es otro, como el río interminable.

ARTE POÉTICA

Olhar o rio feito de tempo e água

e recordar que o tempo é outro rio,

saber que nos perdemos como o rio

e que os rostos passam como água.

 

Sentindo que despertar é outro sonho

que sonha o não sonhar que a morte

que teme nossa carne teme é a morte

de cada noite, o que se chama sonho.

 

Ver num dia ou no ano um símbolo

dos dias do homem e dos seus anos,

converter o ultraje dos anos

em uma música, um rumor e um símbolo,

 

ver na morte o sonho do crepúsculo

um ouro triste, tal é a poesia

que é imortal e pobre. A poesia

volta como o amanhecer e o crepúsculo.

 

Às vezes, à tarde, um rosto

nos olha do fundo de um espelho;

a arte deveria ser como esse espelho

que nos revela o nosso próprio rosto.

 

Também é como o rio interminável

que passa e fica e é um cristal de um mesmo

Heráclito inconstante, que é o mesmo

e é outro, como o rio interminável.

Ilustração: Filosofia na Escola.

Outra poesia de Carmelina Soto

 


LOS AMANTES 

Carmelina Soto

Los que se amaron deben quedar ciegos.

Porque sus gestos sean sin sentido.

Porque sus brazos giren sin gracia ni provecho.

Como las tempestades…

ciegos.

 

Ciegos como banderas después de la victoria

o como las espadas

que están siempre desnudas y gloriosas.

 

Qué rencor por los ciegos

y por las tempestades.

Y por los que creen que el amor es la hartura.

Oídlo bien: El amor es el hambre.

OS AMANTES

Os que se amaram devem permanecer cegos.

Para que seus gestos sejam sem sentido.

Para que seus braços girem sem graça ou proveito.

Como tempestades...

cegas

 

Cegos como bandeiras depois da vitória

ou como as espadas

que estão sempre nuas e gloriosas.

 

Que rancor pelos cegos

e pelas tempestades.

E para quem acredita que o amor é a saciedade.

Ouça bem: amor é fome.

 

Tuesday, May 28, 2024

A DANÇA DA VIDA

 


Se formos pensar

Tudo que existe nada nos importa

E, no fim, tudo pesa

Como a folha ao vento.

Mundo passageiro

Como um sonho breve

Ou um jogo ligeiro.

 

Nada levamos desta vida.

Seja a glória, a fama, amor, dinheiro.

É tudo apenas uma memória

Como se a lembrança

De uma partida bem jogada.

O contentamento, depois o nada.

 

A glória pesa como um fardo.

A fama, uma febril ilusão.

O amor, no final, uma prisão.

O dinheiro, um logro mascarado

de termos feito um jogo bem jogado.

 

A vida, no entanto, joga xadrez

conosco como uma inteligência artificial:

é impossível ganhar no final.

O xeque mate nos foi dado no nascimento,

no momento da primeira jogada.

Devemos felizes nos sentir pelo jogo

e mais nada.

 

E é verdade que, alguns,

por meio da ciência , ou pelo vinho,

pensam ter, por um momento, uma vitória.

Porém logo a morte ou a idade

encerra o sentimento de felicidade.

As sombras chamam por nós:

cala-se a voz.

 

Talvez, por algum tempo,

fique a lembrança.

O sonho, no entanto,

já se foi,

depois se vai a memória

e o jogo se esvai,

com as peças retiradas,

para a vala comum do esquecimento.

Ilustração: Verve Blog-WorldPress.com. 

 

 

 

Uma poesia de Carmelina Soto

 

 

Canción

Carmelina Soto

Iba mi corazón
-caracol sin lamento-
impulsando, sangriento,
su pequeña canción…

Y luego la ilusión…
engaño…
ensueño…
La muerte grande…
lo demás, pequeño.
Ah qué inútil empeño
Corazón! Corazón!

CANÇÃO

Ia meu coração

-caracol sem arrependimento-

empurrando, sangrento,

Sua pequena canção...

 

E logo a ilusão...

engano…

sonho…

A grande morte...

o demais, pequeno.

Ah, que inútil  empenho

Coração! Coração!

Ilustração: Jornal Metropolitano.

Uma poesia de Lyz Soto

 

 

    TODAY I AM FULL OF BIRDS

    Lyz Soto

 

1.
If you run for too long, you forget everything.
Even your limbs become invention. A fallacy of skin
you tell yourself you once had when you knew
how to be more, so birds are the stories you now tell
your flesh.
You remind her of the Swift 
who flies for years, as if land is an impossible trick. You tell
her about the Sea Eagle from China lost
in America for years. Flying and flying and never
finding home. You remember her the ʻAlauahio, the ʻŌʻō,
the Olomaʻo the Kākāwahie, the ʻĀkepa, the Nukupuʻu
the ʻŌʻū, the Mamo, the ʻUla-ʻai-hawane, the Poʻo-uli, 
the Kāmaʻo, the ʻAmaui, the birds, the birds,
the birds. You remember her all the birds 
who had to be more
to be.

2.
This morning I am unsure how
a bird exists when she has been seen only
under glass for more than fifty years. Her feathers
a feeble reminder of what she could be. Diminished 
to a hush of keratin and collagen. This bird
once shook the forest with her color.

3.
This morning I am not sure how
I am still here. Daybreak—               
just another process of shedding
of peeling back to meat
with no     new      skin to shelter.

Every breath, a surprise.
The heart beats still.
But how—how do we quiet 
these too loud bones
when our seams are worn 
by so much running?

4.
When you finally stop
you still feel your insides running.
Those involuntary tissues scrambling
to burst through your surfaces. What
would you do to let them free? When all of you
is full of run, you imagine yourself feathers. 
There is a bird inside you pushing 
at all your cracks.
The punctures of vanes 
are just more places for you to breathe. 
This bird inside you would know 
how to draw breath. This bird inside you 
would know the song struggling 
in your throat. What will you do 
to let this bird free? What will you do 
to find all the songs
you should sing?

5.
Today we remember the Kākāwahie.
we remember the ʻAlauahio, the ʻŌʻō,
the Olomaʻo, the ʻĀkepa, the Nukupuʻu
the ʻŌʻū, the Mamo, the ʻUla-ʻai-hawane,
the Poʻo-uli, the Kāmaʻo, the ʻAmaui.

Today we remember our body
before we severed our own wings
just so we could hide
from the man
in the story
who would pin
all our wings 
to the ground.

HOJE ESTOU CHEIO DE PÁSSAROS

1.

Se você corre muito, você esquece tudo.

Até seus membros começam a ser invenção. Uma falácia de pele

você diz a si mesmo que já, uma vez, quando sabia

como ser mais, assim os pássaros são as histórias que você conta agora

sua carne. Você a lembra do Swift

que voa durante anos, como se a terra fosse um truque impossível. Você diz

a ela sobre o Sea Eagle da China perdido

na América há anos. Voando e voando e nunca

encontrando a casa. Você se lembra dela, o ʻAlauahio, o ʻŌʻō,

o Oloma'o, o Kākāwahie, o ʻĀkepa, o Nukupu'u

o ʻŌʻū, o Mamo, o ʻUla-ʻai-hawane, o Poʻo-uli,

o Kāmaʻo, o ʻAmaui, os pássaros, os pássaros,

os pássaros. Você  lembra todos os pássaros dela

quando  podia que ser mais

ser.

2.

Esta manhã não tenho certeza de como

um pássaro existe quando só foi visto

sob vidro por mais de cinquenta anos. Suas penas

um fraco lembrete do que ela poderia ser. Diminuído

a um silêncio de queratina e colágeno. Este pássaro

uma vez abalou a floresta com sua cor.

3.

Esta manhã não tenho certeza de como

Eu ainda estou aqui. Aurora-

apenas mais um processo de derramamento

de descascar a carne

sem nova pele para abrigar.

Cada respiração, uma surpresa.

O coração ainda bate.

Mas como - como podemos acalmar

esses ossos muito barulhentos

quando nossas costuras estão gastas

de tanto correr?

4.

Quando você finalmente parar

você ainda sentirá seu interior funcionando.

Estes tecidos involuntários lutando

para explodir através de suas superfícies. O que

você faria para deixá-los livres? Quando todos vocês

está cheio de correr, você se imagina penas.

Há um pássaro dentro de você empurrando

em todas as suas rachaduras. As perfurações das palhetas

são apenas mais lugares para você respirar.

Este pássaro dentro de você saberia

como respirar. Este pássaro dentro de você

conheceria a música lutando

na sua garganta. O que você vai fazer

deixar esse pássaro livre? O que você vai fazer

para encontrar todas as músicas

você deveria cantar?

5.

Hoje nos lembramos do Kākāwahie.

lembramos o ʻAlauahio, o ʻŌʻō,

o Oloma'o, o ʻĀkepa, o Nukupu'u

o ʻŌʻū, o Mamo, o ʻUla-ʻai-hawane,

o Po'o-uli, o Kāma'o, o ʻAmaui.

Hoje nos lembramos do nosso corpo

antes de cortarmos nossas próprias asas

só para que pudéssemos nos esconder

do homem

na história

quem iria fixar

todas as nossas asas

sobre o chão.

Ilustração: Wikipedia.