Friday, May 03, 2024

ORAÇÃO DE SÃO BENTO

Ó glorioso São Bento

ser, na minha insignificância, igual a ti tento,

mas nem usando tua medalha e vela me contento,

nem me livro das aflições,

nem alcanço tua paz e tranquilidade.

Assim te peço, com humildade

intercedei por nós

para que se afastem todas as desgraças

tanto corporais como espirituais,

especialmente o mal do pecado.

Que não sejamos jamais envenenados

pela vaidade ou avareza.

Que tenhamos, como tivestes,

a eterna fortaleza

de saber perdoar e amar acima de tudo.

Que Deus nos dê muito estudo

e nos faça superar os pesos do real

livrando-nos de todo mal.

Amém!


Thursday, May 02, 2024

E aí, Seu Luiz, é melhor que Paris!

 


Já fui de Água Santa...Saudades tantas...

                             Para Luiz Carlos Marques

É verdade que,

Com esta memória vaga,

Não lembro mais nada.

Quanto mais quando

Vivi em Água Santa,

Tijuca, São Conrado, Niterói,

Vieira Souto

E estar longe do Cristo Redentor

Ainda me dói.

Dá saudades lembrar

Que comi rabicó de galinha na Penha,

tanajura em Bangu,

sardinha na Senador,

ou carpaccio de avestruz em Copacabana,

a memória,

a danada não me engana!

 

Torresmos, rabadas e carnes secas

Nunca faltaram na Zona Norte

Com cachaças, chopes, batidas.

E, para provar que sou forte

Me orgulho de já ter bebido,

Em procissão por pés sujos,

Guiado pelo Johnny Bradfort,

Quando ainda era magrinho

E bebia cachaça como se fosse água,

Tanto que queria me convencer

Que lutou no Canal de Suez!

 

Jurubebas, caipirinhas de limão cravo

Ou de pimenta rosa,

Juro, já me deixaram cheio de prosa

Me alimentando só de linguiçinha de porco,

Uns croquetes do Rebouças

ou bolinhos de aipim ou de bacalhau-

o que não é nada mau!

 

Afinal ser carioca

Não é nascer no Rio de Janeiro-

Este é um requisito maneiro.

Ser carioca

É aceitar o desafio

De buscar nesta cidade

O que ela tem de bom e de melhor...

Assim, meu companheiro,

Qualquer hora desembarco

Para aceitar seu desafio,

Com chuva ou sem,

De usufruir o melhor da vida:

Viver no Rio.

Ilustração: Revista LIDE.

Uma poesia de C.D. Wright

 


CLOCKMAKER WITH BAD EYES

C. D. Wright

I close the shop at six. Welcome wind,

weekend with two suns, night with a travel book,

the dog-eared sheets of a bed

I will not see again.

 

I not of time, lost in time

learned from watches-

a second is a killing thing.

 

Live your life. Your eyes go. Take your body

out for walks along the waters

of a cold and loco planet.

 

Love whatever flows. Cooking smoke, woman’s blood,

tears. Do you hear what I’m telling you?

RELOJOEIRO DE VISTA RUIM

Eu fecho a loja às seis. Bemvindo vento

de fim de semana com dois sóis, noite com livro de viagens,

os lençóis dobrados sobre a cama

eu não vou ver novamente.

 

Eu não tenho tempo, perdi o tempo

aprendido com os relógios-

o segundo é o matador das coisas.

 

Viva sua vida. Seus olhos vão. Leve seu corpo

pelos caminhos ao longo das águas

de um frio e louco planeta.

 

Ame o que flui. A fumaça da cozinha, o sangue da mulher,

lágrimas. Você escutou o que estou lhe dizendo?

Ilustração: iStock.

Wednesday, May 01, 2024

Tempos

 


Sobre quem fui
não sei dizer nem lembro
é como uma folha branca
que se sabe apagada.

Hoje sou outro

que as chuvas molham

nos dias que me compõem
uma nova história
que ante os meus passos
os caminhos traçam.

O meu futuro é uma ostra
que nunca saiu do mar,
embora já façam o leilão
da pérola que não sei se há. 

E, no presente, o destino é esperar.

Ilustração: Freekip. 

Poderia ser Maio, Joseph Jr.

 


An April Day
Joseph Seamon Cotter Jr

On such a day as this I think,
      On such as day as this,
When earth and sky and nature’s whole
      Are clad in April’s bliss;
And balmy zephyrs gently waft
      Upon your cheek a kiss;
Sufficient is it just to live
      On such a day as this.

UM DIA DE ABRIL

Em um dia como este eu penso,

       Em um dia como este,

Quando a terra e o céu e toda a natureza

       estão vestidos com a felicidade de abril;

e zéfiros amenos flutuam gentilmente

       sobre sua bochecha um beijo;

suficiente é justamente viver

       Em um dia como este.

Ilustração: SP Leitura. 

 

CÍRCULO


Só as paixões nos salvarão-

disse o duque de Saint Simon,

 um fidalgo de um reino 

que não existe.

Um filósofo, um ser triste. 

É verdade 

que desejamos ser racionais,

nos livrar da carne, pobres animais.

O problema é que a racionalidade 

anda cheia de sentimentos 

e não tem sexo, 

nem sentir. 

É como se você quisesse

ser feliz 

sem existir!

Ilustração: Palestras Motivacionais.

Tuesday, April 30, 2024

Uma poesia de David Mura

 


THE REASONS

 

David Mura

 

A father is fate
say the ancient oracles

or the modernist therapist
or the son despondent

harrowing against.
A mother 

is mystery or
memory, a makeshift

stay against the father.
And me? I see now

how easy it was to be
a son. How if the son dies

before the father 
there is no end to it

and so what eases
the father is the imminence 

of his death, which eases
too the son

if the son is not
a child. And a mother?

Her death is that hole.
In the earth or the universe.

In the heart or the hell
the family has wrought

where the father vanishes
and all is her absence.

No one solves these.
No one outlives these.

There are reasons poems live,
people die. There are reasons.

AS RAZÕES

Um pai é o destino

dizem os antigos oráculos

 

ou o terapeuta modernista

ou o filho desapontado

 

angustiante do contra.

Uma mãe

 

é mistério ou

memória, um improvisado

 

ficar contra o pai.

E eu? Eu vejo agora

 

como foi fácil ser

um filho. Como se o filho morresse

 

antes do pai

Não há fim para isto

 

e então o que facilita

o pai é a iminência

 

da sua morte, o que facilita

também o filho

 

se o filho não for

uma criança. E uma mãe?

 

A morte dela é este buraco.

Na terra ou no universo.

 

No coração ou no inferno

a família operante

 

onde o pai desaparece

e tudo é sua ausência.

 

Ninguém resolve isto.

Ninguém sobrevive a isto.

 

Há razões pelas quais os poemas vivem,

pessoas morrem. Existem razões.

Ilustração: Razão-Rafael Botelho.

Você Tem a Força!!!



 Se todas as coisas derem errado. 

Se os tempos todos ficarem ruins, 

lembre-se que você é abençoado.

Ainda que não possa pagar suas contas, 

que tenha falido, sido abandonado,

que tudo te deixa às tontas

e nada faz sentido.

Pense

que você foi o único espermatozoide de sucesso

entre milhões numa corrida

e que, por pior que seja sua vida, 

você possui um notável motivo 

para buscar a felicidade:

chegou até esta idade 

e continua vivo!

Ilustração: Critical Hits. 

Outra poesia de Ana Blandicia

 


ENTRE MUNDOS

Ana Blandicia

Transito de una vida a otra

Acariciando suavemente

La melena del león-sueño

Que está en la entrada;

Se ha acostumbrado a mí,

A mi incesante desaparición al alba,

A mis incesantes regresos

Crepusculares.

Vencida, a veces,

Ya no consigo alcanzarlo.

Entonces se levanta,

Toma mi cabeza entre sus dientes

Con ternura

Y me arrastra despacio.

Otras veces

No sé cómo volver del sueño.

Entonces me sigue

Por el laberinto,

Me indica

Rugiendo

Que me va a salvar,

Que lo espere inmóvil

En el recuerdo,

Para que me encuentre

Y me lleve

A su reino.

Oh, su maravilloso reino,

Tierra frágil,

Tierna frontera

De horas

Entre dos mundos que se devoran

Arrancándose uno a otro

Sin cesar.

ENTRE MUNDOS

Transito de uma vida para outra

Acariciando suavemente

O sonho da juba do leão

Que fica na entrada;

Ele se acostumou comigo,

Ao meu incessante desaparecimento de madrugada,

Aos meus retornos incessantes

crepusculares.

Vencida, às vezes,

não consigo mais alcançá-lo.

Então ele se levanta,

toma minha cabeça entre seus dentes

com ternura

E isso me arrasta lentamente.

Outras vezes

Não sei como voltar do sono.

Então me arrasta

pelo labirinto,

me indica

rugindo

que vai me salvar,

e o espero imóvel

na memória,

para me encontrar

e me levar

para o seu reino.

Oh, seu maravilhoso reino,

terra frágil,

fronteira tenra

de horas

entre dois mundos que se devoram

rasgando um ao outro

sem cessar.


Monday, April 29, 2024

ESCREVE-MI

 


Escrever

sempre escrevi.

Sou

somente um rabiscador de papéis

que ama a vida

habituando-se a ter os olhos

postos nas janelas,

que me dão motivo

para a poesia.

Sou

um amador

que se apaixona

pela ilusão de poder

ser poeta.

Ilustração: Redação no Café. 

Sunday, April 28, 2024

Uma poesia de Tamiko Beyer

 


 

TANKAS FOR WHAT COMES TOGETHER

Tamiko Beyer

At the seashore, wind

almost lifts our spindrift bodies,

sand scrapes our skin.

Let that sleek seal beat back the waves—

thunder amasses in cloud.

 

I do not believe in the failure of caring

for each other. How

can I when the cascading waves

gather us all in the rise?

TANKAS PARA O QUE VEM JUNTO

Na beira-mar, o vento

quase levanta nossos flutuantes corpos,

a areia raspa nossa pele.

Deixe aquela elegante foca repelir as ondas-

o trovão se acumula nas nuvens.

 

Eu não acredito no fracasso de cuidar

de cada um. Como

posso quando as ondas em cascata

reúnem todos nós em ascensão?

Ilustração: Clube de Leitores.

Uma poesia de Ana Blandiana

 


UN VASO CON MARGARITAS

Ana Blandiana

Un vaso con margaritas silvestres

Sobre la mesa blanca

En la que escribo

Más libre de lo que soy;

Alrededor,

Un seductor olor a heno

Que conduce al sueño

Del que quizás gotee

Una palabra;

Dulce cielo en el ocaso,

Tan dulce como los rebaños

Que regresaban antaño.

Amor por todo lo que fue,

Por todo lo que va a desaparecer,

Amor sin sentido,

Amor sin límites…

La sombra de los álamos,

Rejas cercando el campo,

Margaritas silvestres

En un vaso.

 

UM VASO COM MARGARIDAS

Um vaso com margaridas selvagens

Na mesa branca

em que escrevo

Mais livre do que sou;

Em redor,

Um odor sedutor de feno

O que leva ao sono

De onde talvez pingue

Uma palavra;

Doce céu ao pôr do sol,

Tão doce quanto os rebanhos

Que regressaram há muito tempo.

Amor por tudo o que foi,

Por tudo que vai desaparecer,

Amor sem sentido,

Amor sem limites…

À sombra dos choupos,

barras ao redor do campo,

margaridas selvagens

Em um vaso.

Ilustração: Replicarte.

Saturday, April 27, 2024

Sessão de Psicoanálise

 


É evidente que o real,

Hoje em dia,

Requer interpretações.

 

Sou do tempo do preto e branco.

Do tempo do amor para a vida toda.

Em que o amor era para valer.

 

Hoje me sinto no divã

E falo de um tempo em que o amor era doce,

Como se fosse uma jóia irrecuperável,

Um tempo que passou da hora.

A psiquiatra de tão amável

Me parece inodora.

 

A saudade é o passado que chora!

Ilustração: Época Negócios.

Uma poesia de Tina Chang

 


LION

Tina Chang

I chewed into the wreck of the world,

into the neckbone of the past that pursued me.

All the while, I moved toward extinction,

bearing the burden of damage, language of the protector.

 

A great apocalyptic wheeze adorned me with sand.

I foraged, first to find light dappling the leaves,

then breathed into an infinite power, feminine rust,

a coppery taste of salvage, leading me into a canopy

 

of the future. My mother was a mother of mothers,

modern before she was ancestral.

She was a woman who morphed into feline, back

to her human self before I woke each morning.

 

I lived not to sate my appetite but to crush it.

On my haunches, I craved what could not be seen.

I am desire. I am survival.

I sit under the tree waiting for hunger.

LEÃO

Eu mastiguei os destroços do mundo,

na espinha dorsal do passado que me perseguia.

Enquanto isto, eu me movi em direção à extinção,

suportando o peso do dano, a linguagem do protetor.

 

Um grande chiado apocalíptico me adornou com areia.

Procurei, primeiro encontrar a luz salpicando as folhas,

então soprou-me um poder infinito, ferrugem feminina,

um gosto acobreado de salvamento, levando-me a um dossel

 

do futuro. Minha mãe era mãe de mães,

moderna antes de ser ancestral.

Ela era a mulher que se transformou em felina, de volta

para seu eu humano antes de eu acordar todas as manhãs.

 

Eu vivia não para saciar meu apetite, mas para esmagá-lo.

De cócoras, ansiava pelo que não podia ser visto.

Eu sou desejo. Eu sou a sobrevivente.

Sento-me sob a árvore para esperar ter fome.

Ilustração: DOL.