Sunday, April 11, 2021

LXXIX

 


O governador decretou calamidade pública.

O prefeito soltou a alcatéia de fiscais,

a Polícia Militar em peso vem nos fiscalizar

e não posso trabalhar mais.

O doutor em ciências políticas,

da própria sombra com medo,

me aponta o dedo:

-Fique em casa!

O dono, no Ecoville Park, da melhor mansão

me recrimina:

-Não seja sem noção.

Até a filhinha do ex-patrão, uma menina,

me chama atenção por trabalhar

ameaçando me dedurar. 

Não falta nem um estudante de esquerda

para dizer que se não sou suicida

sou genocida. 

E bradam os apresentadores e artistas de televisão:

-Fique em casa!

O pequeno dilema em que me vejo,

nada original,

é que, contra a necessidade e até o desejo,

nos oprime o espaço da residência, quase uma miniatura,

para sete almas. E a maior desventura, 

que me tortura;

a dispensa quase vazia e nenhum capital.

Assim, na pandemia, a escolha me consome:

Morrer de covid-19 ou morrer de fome!

Ilustração: Ipu Noticias. 

(Do livro inédito "Cem Poemas em Cem Dias", escrito durante a pandemia). 

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