Sunday, March 31, 2024

Mais uma poesia de Vicente Luiz Mora

 


EL RELOJ CIEGO  

Vicente Luiz Mora

Conforman mi cuerpo

37 billones

de células.

 

Cada una de ellas,

cada uno de los días,

hace lo que debe.

Ejecutan su programación

y cumplen sus funciones

sin dudar, como un reloj.

 

La suma de esas células,

es decir, yo,

no ha sabido qué hacer

ni qué pensar ni uno solo

de esos días.

 

Soy la incertidumbre

de mi propio sistema.

O RELÓGIO CEGO

Conformam o meu corpo

37 bilhões

de células.

 

Cada uma delas,

cada um dos dias,

faz o que deve.

Executam sua programação

e cumprem suas funções

sem hesitação, como um relógio.

 

A soma dessas células,

quer dizer eu,

não sabe o que fazer

nem o que pensar um único

desses dias.

 

Sou a incerteza

do meu próprio sistema.

Ilustração; HSM Manegement.

Saturday, March 30, 2024

Ode às Belas Gordas

 


A beleza de uma mulher gorda

Não é feita para qualquer paladar.

Só os bons apreciadores podem entender

O algo mais que as gordas tem para dar.


A beleza de uma mulher gorda

É como uma joia de finos adereços.

O prazer que uns quilos a mais dão

É uma sensação que não tem preço!

Ilustração: Pinturas de AUwe. 

(De "Jardim Dizpersivo", Editora Per Se, 2013).

E, mais uma vez, Consuelo Iturraspe



SANTA FE

Consuelo Iturraspe

Esta es la luna que te trajo, cachorro

y esta es una cerveza

pero podría ser un beso.

 

Para estar cerca de tu nombre,

voy a volver a esta ciudad

en un cuerpo cada vez más desarmado.

 

Nadie puede arrancarse de un lugar

donde se preguntó tantas veces

hasta cuándo.

SANTA FÉ

Esta é a lua que te trouxe, cachorrinho

e esta é uma cerveja

porém poderia ser um beijo.

 

Para estar perto do teu nome,

Eu vou voltar para esta cidade

num corpo cada vez mais desarmado.

 

Ninguém pode se afastar de um lugar

onde se perguntou tantas vezes

até quando.

Ilustração: GettyImagens.


 


SOMEHOW

Dorothy Chan

 For Norman

You visit me in a dream after passing,
            after I’ve been awaiting you for weeks,
because Chinese belief teaches us our
            loved ones will appear when we’re asleep.
It’s real when I enter the hotel restaurant
            in the middle of nowhere town I live in,
as the Midwest architecture transforms
            into Kowloon at evening time. We eat
bird’s nest soup, and I remember the time
            my father ordered me this four-hundred-
year-old delicacy at Hong Kong airport.
           
Out comes the Peking duck, and I ask you:
“Why did it take you so long?” You answer:
            “I arrived once you were strong and ready.” 

DE ALGUMA FORMA

Para Norman

Você me visita num sonho depois de passar,

             depois de estar te esperando há semanas,

porque a crença chinesa nos ensina que nossos

             entes queridos aparecerão quando estivermos dormindo.

É real quando entro no restaurante do hotel

             no meio do nada, na cidade onde moro,

à medida que a arquitetura do Centro-Oeste se transforma

             em Kowloon à noite. Nós comemos

sopa de ninho de pássaro, e lembro-me da época

            em que meu pai me encomendou estas quatrocentos

iguarias de um ano no aeroporto de Hong Kong.

             Sai o pato laqueado e eu te pergunto:

“Por que você demorou tanto?” Sua resposta:

             “Cheguei quando tu estavas forte e pronta.”

Ilustração: Travel3.

Sem Programa

 


Digito minha indiferença

para obter um resultado 

indiferente.

O programa da minha vida

não passa pelo presente

nem tem futuro.

Lá se foram milhares de dados.

Energia, memória, inteligência

artificial.

Tudo se gasta. 

Nada piora

nem melhora.

A vida é igual:

inútil busca pessoal. 

Ilustração: Convergência Digital.

(De "Imagens da Incerteza", Brasília, Editora Thesaurus, 1988). 


E, de volta, Antonio Rivero Tavarillo

 


 

ACUARELAS

Antonio Rivero Tavarillo

En su tabla periódica, las acuarelas

despliegan las pastillas de su química,

 

multicolor teclado en que las letras

diseminan la luz o te oscurecen.

 

Naipes que al barajarse dictaminan

decretos de un pasado que amenaza.

 

También lo blanco,

al agotarse luego los pigmentos.

 

Un crucigrama, en fin, que al rellenarse

va formulando sus definiciones.

AQUARELAS

Em sua tabela periódica, as aquarelas

desdobram as pastilhas de sua química,

 

teclado multicolorido em que as letras

disseminam a luz ou escurecem.

 

Naipes que ao se embaralharem determinam

decretos de um passado que ameaça.

 

Também o branco,

ao esgotar-se os pigmentos.

 

Um jogo de palavras cruzadas que, ao fim, ao se preencher

vai formulando suas definições.

Ilustração: Elo7.

Enigma

 


Eu, você, canção do tempo

na ilusão da vida.

Areia, aranha, pedra, pau.

Existência algo igual

nas diferenças.


Você, eu, corrida inglória

na direção incerta.

Música, máquina, flor e mar.

Modos não há de parar

no infinito fluir. 


Delicioso mistério: existir.

Ilustração: Medium.

(De "Imagens da Incerteza", Brasília, Editora Thesaurus, 1988). 

Wednesday, March 27, 2024

Outra vez Antonio Rivero Tavarillo

 


HORCAJADURA Y MARZO

Antonio Rivero Tavarillo

Leñoso, el tronco seco del invierno

ahora se bifurca y sigue recto

 

en tanto que otra rama continúa

poblándose de yemas y de pájaros.

 

El hombre más curtido se estremece

ante una flor que abre y lo interpela.

DESCRIÇÃO E MARÇO

Lenhoso, o tronco seco do inverno

agora bifurca-se e segue em frente

 

enquanto outro ramo continua

povoando-se de botões e pássaros.

 

O homem mais experiente estremece

diante de uma flor que se abre e o interpela.

 

XL


 XL 

O tempo é curto,

a vida é breve 

e há um leve 

cheiro de peixe no ar.

Penso em te amar. 

Como se atreve

a desejar um bote ou um barco 

que te leve pelo mar?

É triste sim, 

o nosso fim:

me agarro ao ninho

e tu, meu frágil passarinho, 

indiferente aos perigos do caminho

só quer voar.

Ilustração: Plano Feminino. 

(De "Cem Poemas em Cem Dias", Maringá, Editora Viseu, 2021). 

Sunday, March 24, 2024

Uma poesia de Antonio Rivero Tavarillo

 

 

A VECES

Antonio Rivero Tavarillo

A veces,
Encadenamos
una reja a una bicicleta
para que no puedan robarnos

la casa.

No hay cuidado:
nunca nos robarán la vida,
siempre encadenada a

la muerte.

ÀS VEZES

Às vezes,

Prendemos

uma corrente a uma bicicleta

para que não possam nos roubar

 

a casa.

 

Não há cuidado:

nunca nos roubarão a vida,

sempre acorrentada à

 

a morte.

Ilustração: Associação de Estudos Huna.

Friday, March 22, 2024

Uma poesia de Ellen Bass

YOU’RE THE TOP

Ellen Bass

Last night I get all the way to Ocean Street Extension, squinting through the windshield, wipers smearing the rain, lights of the oncoming cars half-blinding me. The baby’s in her seat in the back singing the first three words of You’re the Top. Not softly and sweetly the way she did when she woke in her crib, but belting it out like Ethel Merman. I don’t drive much at night anymore. And then the rain and the bad wipers. But I tell myself it’s too soon to give it up. Though the dark seems darker than I ever remember. And as I make the turn and head uphill, I can’t find the lines on the road. I start to panic. No! Yes-the lights! I flick them on and the world resolves. My god, I could have killed her. And I’ll think about that more later. But right now new galaxies are being birthed in my chest. There are no gods, but not everyone is cursed every moment. There are minutes, hours, sometimes even whole days when the earth is spinning 1.6 million miles around the sun and nothing tragic happens to you. I do not have to enter the land of everlasting sorrow. Every mistake I’ve made, every terrible decision-how I married the wrong man, hurt my child, didn’t go to Florence when she was dying-I take it all because the baby is commanding, “Sing, Nana.” And I sing, You’re the top. You’re the Coliseum, and the baby comes in right on cue.

VOCÊ É O MELHOR

Ontem à noite cheguei até a Ocean Street Extension, apertando os olhos através do para-brisa, os limpadores manchando a chuva, as luzes dos carros que se aproximavam me cegando parcialmente. O bebê está sentado no banco de trás cantando as três primeiras palavras de Você é o melhor. Não de maneira suave e doce, como fazia quando acordou no berço, mas cantando como Ethel Merman. Não dirijo mais muito à noite. E então a chuva e os limpadores ruins. Porém digo a mim mesmo que é muito cedo para desistir. Embora a escuridão pareça mais escura do que alguma vez me lembrei. E quando faço a curva e subo a colina, não consigo encontrar as linhas na estrada. Começo a entrar em pânico. Não! Sim, as luzes! Eu as ligo e o mundo se resolve. Meu Deus, eu poderia tê-la matado. E pensarei mais sobre isto mais tarde. Mas neste momento novas galáxias estão nascendo no meu peito. Não existem deuses, mas nem todos são amaldiçoados a todo momento. Há minutos, horas, às vezes até dias inteiros, em que a Terra gira 2,6 milhões de quilômetros ao redor do Sol e nada de trágico acontece com você. Não preciso entrar na terra da tristeza eterna. Cada erro que cometi, cada decisão terrível-como me casei com o homem errado, machuquei minha filha, não fui para Florença quando ela estava morrendo-, aceitei tudo porque o bebê está me ordenando: “Cante, Nana”. E eu canto, você é o melhor. Você é o Coliseu, e o bebê chega na hora certa.

Ilustração: Isto É.

 


Nascemos



Deitei-me. Deitou-se num sussurro 

Como uma ave que no ninho pousa

 E nossos corpos encontraram-se no escuro 

E se integraram como giz e lousa.


Travou-se uma luta, sem mortos e ferido, 

Memorável, marcante, melíflua

, Acompanhada pelo som de mil gemidos

, Rodeada pela prata de uma lua. 


Bem nítida ficaram suas palavras

Que, no silencio, pareciam escravas 

E tinha gosto de agora eu parto 


Vejo-as refletidas em seu semblante:

 -Meu amor fica! Fica mais um instante 

Que comecei a vida neste quarto.

Ilustração: BRmais. 

(De "Apocalypse", São Paulo, Editora Zanzalás, 1982) 

Uma poesia de Antonio Carvajal

 


 

MEMBRILLO

Antonio Carvajal

Ni débil, ni vencido, ni antes de tiempo muerto:

ascendido en la luz con plenitud de esencia.

Aquí estás, aquí pones tu olor de blanco huerto

y hay un mundo de gozo detrás de tu presencia.

 

La mano no te oprime, pero eres fruto cierto

con lluvias y veranos cuidando tu existencia,

oh, corazón de otoño tranquilamente abierto,

por donde fluye un río de aroma en transparencia.

 

Mirarte no es mirarte, que es ver la luz del cielo,

el agua de la acequia, la alegre membrillera,

el campo soleado donde el aire se tiende.

 

Estás para los labios, estás para el anhelo;

pero nadie te toque para calmar su espera,

pero todos te gusten cuando la sed se enciende.

MARMELO

Nem débil, nem vencido, nem antes do tempo morto:

ascendido à luz com plenitude de essência.

Aqui estas, aqui pões teu cheiro de branco horto

e há um mundo de alegria por trás da tua presença.

 

A mão não te oprime, porém és um fruto certo

com chuvas e verões cuidando da tua existência,

oh, coração de outono tranquilamente aberto,

onde um rio de aromas flui em transparência.

 

Olhar-te não é te olhar, é ver do céu, a luz

a água da vala de irrigação, o marmeleiro a brilhar,

o campo ensolarado onde o ar se estende.

 

Estás para os lábios, como o anseio que seduz;

mas ninguém te toca para sua espera acalmar,

porém todos te gostam quando a sede acende.

 

Ilustração: Beleza da Caatinga.

Wednesday, March 20, 2024

TROMSO NÃO, MEU AMOR

 


Eu sei lá onde é Tromso!
E você me propõe
ir para lá
caçar a Aurora Boreal?
Sinto muito. 
Na real
a minha curiosidade 
para ouvir canto de baleias
não existe.
Nem me agrada 
passear de trenó ou de esqui-
não fique triste-
nem enxarchado de muito uísque. 
Quero sim,
vou dizer de modo terno, 
que você me aqueça
neste inverno
num lugar com mais calor. 
Pois nem teu amor
ou ver a Catedral do Ártico,
me salva do inferno
se tiver que ir 
num lugar tão frio, 
que, agora vi, 
égua,
é na Noruega

Saturday, March 16, 2024

A Porta depois da porta

 


Vivo sempre procurando

a porta que não fecharam,

talvez por esquecimento 

ou a pressa do momento.

E quando encontro no beco,

no beco que não tem saída,

mesmo estando escancarada

é imprevista como a vida. 

Depois dela há outra porta, 

uma porta maciça, fechada

que precisa de uma chave

de um fechadura que não abre.

E nenhum chaveiro sabe 

abrir esta porta instransponível,

de forma que é terrível 

achar a porta aberta 

para saber que é impossível 

ir na direção correta 

do que não se conhece

e, infeliz, do que acerta.

Pois depois de uma porta aberta

há sempre uma fechada,

como se a felicidade 

sempre terminasse em nada.  

Ilustração: Fórum Outspacer. 



Friday, March 15, 2024

Amor e Espaço

 


Se respiro, respiro por teu nariz. 

Se beijo, beijo apenas por tua boca.

 Se falo, minha voz é quente, rouca, 

Pois, se vivo é para te ver feliz. 


Se calo, ouço o que tu dizes,

 Pois, tu és, deusa, o meu oráculo. 

Te olhar, por ser meu único espetáculo, 

É por rosas em meu caminho, lises. 


Se ando, meu destino são teus braços 

Que, igual ao teu corpo tem veneno,

 E se, prá nós o mundo é tão pequeno, 

O amor maravilhoso cria espaços!

Ilustração: Gabriel Gajdos. 

Uma poesia de Kim Addonizio que vai passar



THIS TOO SHALL PASS

Kim Addonizio

was no consolation to the woman

whose husband was strung out on opioids.

 

Gone to a better place: useless and suspect intel

for the couple at their daughter’s funeral

 

though there are better places to be

than a freezing church in February, standing

 

before a casket with a princess motif.

Some moments can’t be eased

 

and it’s no good offering clichés like stale

meat to a tiger with a taste for human suffering.

 

When I hear the word miracle I want to throw up

on a platter of deviled eggs. Everything happens

 

for a reason: more good tidings someone will try

to trepan your skull to insert. When fire

 

inhales your house, you don’t care what the haiku says

about seeing the rising moon. You want

 

an avalanche to bury you. You want to lie down

under a slab of snow, dumb as a jarred

 

sideshow embryo. What a circus.

The tents dismantled, the train moving on,

 

always moving, starting slow and gaining speed,

taking you where you never wanted to go.

ISTO TAMBÉM DEVE PASSAR

não há consolo para a mulher

a qual o marido usa drogas ou se vicia em opioides.

 

Foi para um lugar melhor: inúteis e suspeitas informações

para o casal no funeral da filha

 

embora existam lugares melhores para estar

do que uma igreja gelada, de pé em fevereiro

 

diante de um caixão com uma princesa de motivo.

Alguns momentos não podem ser facilitados

 

e não adianta oferecer clichês como obsoleta

carne para um tigre com gosto de sofrimento humano.

 

Quando ouço a palavra milagre tenho vontade de vomitar

numa travessa de ovos apimentados. Tudo acontece

 

por uma razão: mais boas notícias alguém irá tentar

para escalar seu crânio para inserir. Quando fogo

 

inalar sua casa, você não se importará com o que o haicai diz

sobre ver a lua nascente. Você quer

 

uma avalanche para enterrar você. Você quer deitar

debaixo de uma placa de neve, mudo como um abalado

 

embrião secundário. Que circo.

As tendas desmontadas, o trem seguindo em frente,


sempre em movimento, começando devagar e ganhando 

velocidade, levando você aonde você nunca quis ir.

Ilustração: O Tempo.

 


Outra poesia de Consuelo Iturraspe

 


CLONAZEPAM

Consuelo Iturraspe

Debería haberte dicho algo brillante,

el abandono no es un barco

que zarpa a la mañana, por ejemplo.

Ahora dormís y se te escapa

que yo también puedo

hacerte cosquillas en la nuca

leyendo en voz alta libros

escritos por mujeres.

Este año hubo pérdidas,

sopló el viento

sobre nuestros ojos inflamados,

pero el que viene, por favor cambiemos

pastilla por poema.

Si dormimos,

cómo vamos a escuchar el mar,

quién va a ofrecer la espera,

qué van a iluminar los veladores.

CLONAZEPAM

Deveria ter te dito algo brilhante,

o abandono não é um barco

que zarpa de manhã, por exemplo.

Agora dormes e te escapa

que eu também posso

fazer cócegas na nuca

lendo livros em voz alta

escrito por mulheres.

Este ano houve perdas,

soprou o vento

em nossos olhos inflamados,

porém o que vem, por favor, vamos mudar

pílula por poema.

Se dormirmos,

como vamos ouvir o mar,

quem vai oferecer a espera,

o que as velas vão iluminar?

Ilustração: UOL.