Tuesday, April 30, 2024

Uma poesia de David Mura

 


THE REASONS

 

David Mura

 

A father is fate
say the ancient oracles

or the modernist therapist
or the son despondent

harrowing against.
A mother 

is mystery or
memory, a makeshift

stay against the father.
And me? I see now

how easy it was to be
a son. How if the son dies

before the father 
there is no end to it

and so what eases
the father is the imminence 

of his death, which eases
too the son

if the son is not
a child. And a mother?

Her death is that hole.
In the earth or the universe.

In the heart or the hell
the family has wrought

where the father vanishes
and all is her absence.

No one solves these.
No one outlives these.

There are reasons poems live,
people die. There are reasons.

AS RAZÕES

Um pai é o destino

dizem os antigos oráculos

 

ou o terapeuta modernista

ou o filho desapontado

 

angustiante do contra.

Uma mãe

 

é mistério ou

memória, um improvisado

 

ficar contra o pai.

E eu? Eu vejo agora

 

como foi fácil ser

um filho. Como se o filho morresse

 

antes do pai

Não há fim para isto

 

e então o que facilita

o pai é a iminência

 

da sua morte, o que facilita

também o filho

 

se o filho não for

uma criança. E uma mãe?

 

A morte dela é este buraco.

Na terra ou no universo.

 

No coração ou no inferno

a família operante

 

onde o pai desaparece

e tudo é sua ausência.

 

Ninguém resolve isto.

Ninguém sobrevive a isto.

 

Há razões pelas quais os poemas vivem,

pessoas morrem. Existem razões.

Ilustração: Razão-Rafael Botelho.

Você Tem a Força!!!



 Se todas as coisas derem errado. 

Se os tempos todos ficarem ruins, 

lembre-se que você é abençoado.

Ainda que não possa pagar suas contas, 

que tenha falido, sido abandonado,

que tudo te deixa às tontas

e nada faz sentido.

Pense

que você foi o único espermatozoide de sucesso

entre milhões numa corrida

e que, por pior que seja sua vida, 

você possui um notável motivo 

para buscar a felicidade:

chegou até esta idade 

e continua vivo!

Ilustração: Critical Hits. 

Outra poesia de Ana Blandicia

 


ENTRE MUNDOS

Ana Blandicia

Transito de una vida a otra

Acariciando suavemente

La melena del león-sueño

Que está en la entrada;

Se ha acostumbrado a mí,

A mi incesante desaparición al alba,

A mis incesantes regresos

Crepusculares.

Vencida, a veces,

Ya no consigo alcanzarlo.

Entonces se levanta,

Toma mi cabeza entre sus dientes

Con ternura

Y me arrastra despacio.

Otras veces

No sé cómo volver del sueño.

Entonces me sigue

Por el laberinto,

Me indica

Rugiendo

Que me va a salvar,

Que lo espere inmóvil

En el recuerdo,

Para que me encuentre

Y me lleve

A su reino.

Oh, su maravilloso reino,

Tierra frágil,

Tierna frontera

De horas

Entre dos mundos que se devoran

Arrancándose uno a otro

Sin cesar.

ENTRE MUNDOS

Transito de uma vida para outra

Acariciando suavemente

O sonho da juba do leão

Que fica na entrada;

Ele se acostumou comigo,

Ao meu incessante desaparecimento de madrugada,

Aos meus retornos incessantes

crepusculares.

Vencida, às vezes,

não consigo mais alcançá-lo.

Então ele se levanta,

toma minha cabeça entre seus dentes

com ternura

E isso me arrasta lentamente.

Outras vezes

Não sei como voltar do sono.

Então me arrasta

pelo labirinto,

me indica

rugindo

que vai me salvar,

e o espero imóvel

na memória,

para me encontrar

e me levar

para o seu reino.

Oh, seu maravilhoso reino,

terra frágil,

fronteira tenra

de horas

entre dois mundos que se devoram

rasgando um ao outro

sem cessar.


Monday, April 29, 2024

ESCREVE-MI

 


Escrever

sempre escrevi.

Sou

somente um rabiscador de papéis

que ama a vida

habituando-se a ter os olhos

postos nas janelas,

que me dão motivo

para a poesia.

Sou

um amador

que se apaixona

pela ilusão de poder

ser poeta.

Ilustração: Redação no Café. 

Sunday, April 28, 2024

Uma poesia de Tamiko Beyer

 


 

TANKAS FOR WHAT COMES TOGETHER

Tamiko Beyer

At the seashore, wind

almost lifts our spindrift bodies,

sand scrapes our skin.

Let that sleek seal beat back the waves—

thunder amasses in cloud.

 

I do not believe in the failure of caring

for each other. How

can I when the cascading waves

gather us all in the rise?

TANKAS PARA O QUE VEM JUNTO

Na beira-mar, o vento

quase levanta nossos flutuantes corpos,

a areia raspa nossa pele.

Deixe aquela elegante foca repelir as ondas-

o trovão se acumula nas nuvens.

 

Eu não acredito no fracasso de cuidar

de cada um. Como

posso quando as ondas em cascata

reúnem todos nós em ascensão?

Ilustração: Clube de Leitores.

Uma poesia de Ana Blandiana

 


UN VASO CON MARGARITAS

Ana Blandiana

Un vaso con margaritas silvestres

Sobre la mesa blanca

En la que escribo

Más libre de lo que soy;

Alrededor,

Un seductor olor a heno

Que conduce al sueño

Del que quizás gotee

Una palabra;

Dulce cielo en el ocaso,

Tan dulce como los rebaños

Que regresaban antaño.

Amor por todo lo que fue,

Por todo lo que va a desaparecer,

Amor sin sentido,

Amor sin límites…

La sombra de los álamos,

Rejas cercando el campo,

Margaritas silvestres

En un vaso.

 

UM VASO COM MARGARIDAS

Um vaso com margaridas selvagens

Na mesa branca

em que escrevo

Mais livre do que sou;

Em redor,

Um odor sedutor de feno

O que leva ao sono

De onde talvez pingue

Uma palavra;

Doce céu ao pôr do sol,

Tão doce quanto os rebanhos

Que regressaram há muito tempo.

Amor por tudo o que foi,

Por tudo que vai desaparecer,

Amor sem sentido,

Amor sem limites…

À sombra dos choupos,

barras ao redor do campo,

margaridas selvagens

Em um vaso.

Ilustração: Replicarte.

Saturday, April 27, 2024

Sessão de Psicoanálise

 


É evidente que o real,

Hoje em dia,

Requer interpretações.

 

Sou do tempo do preto e branco.

Do tempo do amor para a vida toda.

Em que o amor era para valer.

 

Hoje me sinto no divã

E falo de um tempo em que o amor era doce,

Como se fosse uma jóia irrecuperável,

Um tempo que passou da hora.

A psiquiatra de tão amável

Me parece inodora.

 

A saudade é o passado que chora!

Ilustração: Época Negócios.

Uma poesia de Tina Chang

 


LION

Tina Chang

I chewed into the wreck of the world,

into the neckbone of the past that pursued me.

All the while, I moved toward extinction,

bearing the burden of damage, language of the protector.

 

A great apocalyptic wheeze adorned me with sand.

I foraged, first to find light dappling the leaves,

then breathed into an infinite power, feminine rust,

a coppery taste of salvage, leading me into a canopy

 

of the future. My mother was a mother of mothers,

modern before she was ancestral.

She was a woman who morphed into feline, back

to her human self before I woke each morning.

 

I lived not to sate my appetite but to crush it.

On my haunches, I craved what could not be seen.

I am desire. I am survival.

I sit under the tree waiting for hunger.

LEÃO

Eu mastiguei os destroços do mundo,

na espinha dorsal do passado que me perseguia.

Enquanto isto, eu me movi em direção à extinção,

suportando o peso do dano, a linguagem do protetor.

 

Um grande chiado apocalíptico me adornou com areia.

Procurei, primeiro encontrar a luz salpicando as folhas,

então soprou-me um poder infinito, ferrugem feminina,

um gosto acobreado de salvamento, levando-me a um dossel

 

do futuro. Minha mãe era mãe de mães,

moderna antes de ser ancestral.

Ela era a mulher que se transformou em felina, de volta

para seu eu humano antes de eu acordar todas as manhãs.

 

Eu vivia não para saciar meu apetite, mas para esmagá-lo.

De cócoras, ansiava pelo que não podia ser visto.

Eu sou desejo. Eu sou a sobrevivente.

Sento-me sob a árvore para esperar ter fome.

Ilustração: DOL.

Um Poema de Juanjo Barral

 


UM POEMA

Juanjo Barral

Ojalá fuese yo el mensajero

y no quien recibe la noticia

de tu abandono.

 

Ojalá fuera manillas del reloj

que da vueltas al tiempo

y no pasto del paso de los días.

 

Ojalá cuna de alguna

revolución pendiente

y no el crío que llora

bajo los bombardeos.

UM POEMA

Oxalá fosse eu o mensageiro

e não quem recebe a notícia

do teu abandono.

 

Oxalá fossem os ponteiros do relógio

que dá voltas ao tempo

e não o pasto para o passar dos dias.

 

Oxalá seja o berço de alguma

revolução pendente

e não a criança chorando

sob os bombardeios.

Ilustração: Sonhos.

DOM QUIXOTE FORÇADO



A vida inteira,

não sei se por destino ou vocação,

lutei sempre em vão, 

sempre contra a corrente

impulsionado a combater moinhos de ventos,

que me impediam, inesperadamente, 

de ser o que pensei que seria.

Por imperativo, 

por ausência de covardia, 

trilhei caminhos que não queria.

E, no fim, a realidade 

é que acabei sendo Dom Quixote, 

a combater miragens,

por falta de opção, 

e, sem mesmo um Sancho Pança à mão, 

por companhia. 

Ilustração: Cultura Genial.  

E, mais uma vez, Luis García Montero

 


DE LA TRISTE FIGURA

Luis García Montero

LOS molinos de viento me saludan

por la maldita primavera.

El coche va a lo suyo porque sabe el camino,

conoce las canciones, la montaña

 

que ha cruzado mil veces

entre Granada y Rota.

Se calla lo que puede echar de menos.

Como una lágrima domada,

la carretera piensa delante de mis ojos

en las curvas amables

y en adelantamientos sin peligro.

Pero vienen de frente

las puertas de la casa y las enredaderas

donde el vacío da su flor.

El patio y el jardín son la llanura,

el campo de batalla que me espera

hasta llegar al dormitorio.

Maldito mes de abril con sus espinas

Trato de combatir una vez más

con molinos de viento.

DA TRISTE FIGURA

OS moinhos de vento me saúdam

pela maldita primavera.

A carruagem vai pelo seu caminho porque conhece o caminho,

conhece as canções, a montanha

 

que já atravessou mil vezes

entre Granada e Rota.

Se cala sobre o que pode perder.

Como uma lágrima contida,

a estrada pensa diante dos meus olhos

nas curvas suaves

e nas ultrapassagens sem perigo.

Porém vêm em frente

as portas da casa e as trepadeiras

onde o vazio dá a sua flor.

O pátio e o jardim são a planície,

o campo de batalha que me espera

até chegar ao quarto.

Maldito mês de abril com seus espinhos

Trato de lutar mais uma vez

com moinhos de vento.

Ilustração: Katamigos.

Seja Rebelde

 


Que é tudo veloz
Que é tudo rápido
Atestam as luzes que se afastam,
As palavras que se dissolvem,
As imagens que desaparecem.

Sei que te ofereceram um controle remoto,
Que te deram um veículo sem limites
Que te disseram que podes ir e voltar à vontade
Que tens a mais completa liberdade.


 

Não creia! Não creia!
Escapa mentalmente
Faz de conta que acredita,
Porém, saibas
Que só serás livre
Enquanto não aceitar
O que aí está
E brincar como criança
Com as regras
Fazendo apenas tua vontade.

Se segues a lógica da velocidade
Serás mais um robô,
Um boi na manada.
O que fazes não significará nada
E tua alma,
Para sempre, estará perdida.

Sê rebelde!

Opte pela vida.

Ilustração: Progressistas.org.

A Lua de Borges



Sé que entre todas las palabras, una

Hay para recordarla o figurarla.

El secreto, a mi ver, está en usarla

Con humildad. Es la palabra luna.

 

Ya no me atrevo a macular su pura

Aparición con una imagen vana;

La veo indescifrable y cotidiana

Y más allá de mi literatura.

 

Sé que la luna o la palabra luna

Es una letra que fue creada para

La compleja escritura de esa rara

Cosa que somos, numerosa y una.

 

Es uno de los símbolos que al hombre

Da el hado o el azar para que un día

De exaltación gloriosa o de agonía

Pueda escribir su verdadero nombre

 

Sei que entre todas as palavras, uma

Há para recordá-la ou figuralá-la.

O segredo, a meu ver, está em usá-la

Com humildade. É a palavra lua.

 

Já não me atrevo a macular sua pura

Aparição com uma imagem inútil:

A vejo cotidiana e tão difícil

E mais além de minha literatura.

Sei que a lua ou a lua palavra

É uma letra que foi criada para

A completa escritura dessa rara

Coisa que somos, numerosa e uma.

 

É um dos símbolos que ao homem

dá o destino ou o acaso para um dia

de exaltação gloriosa ou de agonia

possa escrever seu verdadeiro nome.

Ilustração: Bing.