|
|
|
|
|
|
Se todas as coisas derem errado.
Se os tempos todos ficarem ruins,
lembre-se que você é abençoado.
Ainda que não possa pagar suas contas,
que tenha falido, sido abandonado,
que tudo te deixa às tontas
e nada faz sentido.
Pense
que você foi o único espermatozoide de sucesso
entre milhões numa corrida
e que, por pior que seja sua vida,
você possui um notável motivo
para buscar a felicidade:
chegou até esta idade
e continua vivo!
Ilustração: Critical Hits.
ENTRE MUNDOS
Ana Blandicia
Transito de una vida a otra
Acariciando suavemente
La melena del león-sueño
Que está en la entrada;
Se ha acostumbrado a mí,
A mi incesante desaparición al alba,
A mis incesantes regresos
Crepusculares.
Vencida, a veces,
Ya no consigo alcanzarlo.
Entonces se levanta,
Toma mi cabeza entre sus dientes
Con ternura
Y me arrastra despacio.
Otras veces
No sé cómo volver del sueño.
Entonces me sigue
Por el laberinto,
Me indica
Rugiendo
Que me va a salvar,
Que lo espere inmóvil
En el recuerdo,
Para que me encuentre
Y me lleve
A su reino.
Oh, su maravilloso reino,
Tierra frágil,
Tierna frontera
De horas
Entre dos mundos que se devoran
Arrancándose uno a otro
Sin cesar.
ENTRE MUNDOS
Transito de uma vida para outra
Acariciando suavemente
O sonho da juba do leão
Que fica na entrada;
Ele se acostumou comigo,
Ao meu incessante desaparecimento de madrugada,
Aos meus retornos incessantes
crepusculares.
Vencida, às vezes,
não consigo mais alcançá-lo.
Então ele se levanta,
toma minha cabeça entre seus dentes
com ternura
E isso me arrasta lentamente.
Outras vezes
Não sei como voltar do sono.
Então me arrasta
pelo labirinto,
me indica
rugindo
que vai me salvar,
e o espero imóvel
na memória,
para me encontrar
e me levar
para o seu reino.
Oh, seu maravilhoso reino,
terra frágil,
fronteira tenra
de horas
entre dois mundos que se devoram
rasgando um ao outro
sem cessar.
Escrever
sempre escrevi.
Sou
somente um rabiscador de papéis
que ama a vida
habituando-se a ter os olhos
postos nas janelas,
que me dão motivo
para a poesia.
Sou
um amador
que se apaixona
pela ilusão de poder
ser poeta.
Ilustração: Redação no Café.
TANKAS FOR WHAT COMES
TOGETHER
Tamiko Beyer
At the seashore, wind
almost lifts our spindrift bodies,
sand scrapes our skin.
Let that sleek seal beat back the waves—
thunder amasses in cloud.
I do not believe in the failure of caring
for each other. How
can I when the cascading waves
gather us all in the rise?
TANKAS PARA O QUE VEM
JUNTO
Na beira-mar, o vento
quase levanta nossos flutuantes
corpos,
a areia raspa nossa pele.
Deixe aquela elegante
foca repelir as ondas-
o trovão se acumula nas
nuvens.
Eu não acredito no
fracasso de cuidar
de cada um. Como
posso quando as ondas em
cascata
reúnem todos nós em
ascensão?
Ilustração: Clube de
Leitores.
UN VASO CON MARGARITAS
Ana Blandiana
Un vaso con margaritas silvestres
Sobre la mesa blanca
En la que escribo
Más libre de lo que soy;
Alrededor,
Un seductor olor a heno
Que conduce al sueño
Del que quizás gotee
Una palabra;
Dulce cielo en el ocaso,
Tan dulce como los rebaños
Que regresaban antaño.
Amor por todo lo que fue,
Por todo lo que va a desaparecer,
Amor sin sentido,
Amor sin límites…
La sombra de los álamos,
Rejas cercando el campo,
Margaritas silvestres
En un vaso.
UM VASO COM MARGARIDAS
Um vaso com margaridas selvagens
Na mesa branca
em que escrevo
Mais livre do que sou;
Em redor,
Um odor sedutor de feno
O que leva ao sono
De onde talvez pingue
Uma palavra;
Doce céu ao pôr do sol,
Tão doce quanto os rebanhos
Que regressaram há muito tempo.
Amor por tudo o que foi,
Por tudo que vai desaparecer,
Amor sem sentido,
Amor sem limites…
À sombra dos choupos,
barras ao redor do campo,
margaridas selvagens
Em um vaso.
Ilustração: Replicarte.
É evidente que o real,
Hoje em dia,
Requer interpretações.
Sou do tempo do preto e branco.
Do tempo do amor para a vida toda.
Em que o amor era para valer.
Hoje me sinto no divã
E falo de um tempo em que o amor era doce,
Como se fosse uma jóia irrecuperável,
Um tempo que passou da hora.
A psiquiatra de tão amável
Me parece inodora.
A saudade é o passado que chora!
Ilustração: Época Negócios.
LION
Tina Chang
I chewed into the wreck of the world,
into
the neckbone of the past that pursued me.
All
the while, I moved toward extinction,
bearing the burden of damage, language of the protector.
A
great apocalyptic wheeze adorned me with sand.
I foraged, first to find light dappling the leaves,
then breathed into an infinite power, feminine rust,
a
coppery taste of salvage, leading me into a canopy
of the future. My mother was a mother of mothers,
modern before she was ancestral.
She was a woman who morphed into feline, back
to her human self before I woke each morning.
I
lived not to sate my appetite but to crush it.
On my haunches, I craved what could not be seen.
I
am desire. I am survival.
I sit under the tree waiting for hunger.
LEÃO
Eu
mastiguei os destroços do mundo,
na
espinha dorsal do passado que me perseguia.
Enquanto
isto, eu me movi em direção à extinção,
suportando
o peso do dano, a linguagem do protetor.
Um
grande chiado apocalíptico me adornou com areia.
Procurei,
primeiro encontrar a luz salpicando as folhas,
então
soprou-me um poder infinito, ferrugem feminina,
um
gosto acobreado de salvamento, levando-me a um dossel
do
futuro. Minha mãe era mãe de mães,
moderna
antes de ser ancestral.
Ela
era a mulher que se transformou em felina, de volta
para
seu eu humano antes de eu acordar todas as manhãs.
Eu
vivia não para saciar meu apetite, mas para esmagá-lo.
De
cócoras, ansiava pelo que não podia ser visto.
Eu
sou desejo. Eu sou a sobrevivente.
Sento-me
sob a árvore para esperar ter fome.
Ilustração:
DOL.
UM POEMA
Juanjo Barral
Ojalá fuese yo el mensajero
y no quien recibe la noticia
de tu abandono.
Ojalá fuera manillas del reloj
que da vueltas al tiempo
y no pasto del paso de los días.
Ojalá cuna de alguna
revolución pendiente
y no el crío que llora
bajo los bombardeos.
UM POEMA
Oxalá fosse eu o mensageiro
e não quem recebe a notícia
do teu abandono.
Oxalá fossem os ponteiros do relógio
que dá voltas ao tempo
e não o pasto para o passar dos dias.
Oxalá seja o berço de alguma
revolução pendente
e não a criança chorando
sob os bombardeios.
Ilustração: Sonhos.
A vida inteira,
não sei se por destino ou vocação,
lutei sempre em vão,
sempre contra a corrente
impulsionado a combater moinhos de ventos,
que me impediam, inesperadamente,
de ser o que pensei que seria.
Por imperativo,
por ausência de covardia,
trilhei caminhos que não queria.
E, no fim, a realidade
é que acabei sendo Dom Quixote,
a combater miragens,
por falta de opção,
e, sem mesmo um Sancho Pança à mão,
por companhia.
Ilustração: Cultura Genial.
DE LA TRISTE FIGURA
Luis García Montero
LOS molinos de viento me
saludan
por la maldita primavera.
El coche va a lo suyo
porque sabe el camino,
conoce las canciones, la
montaña
que ha cruzado mil veces
entre Granada y Rota.
Se calla lo que puede
echar de menos.
Como una lágrima domada,
la carretera piensa
delante de mis ojos
en las curvas amables
y en adelantamientos sin
peligro.
Pero vienen de frente
las puertas de la casa y
las enredaderas
donde el vacío da su
flor.
El patio y el jardín son
la llanura,
el campo de batalla que
me espera
hasta llegar al
dormitorio.
Maldito mes de abril con
sus espinas
Trato de combatir una vez
más
con molinos de viento.
DA TRISTE FIGURA
OS moinhos de vento me saúdam
pela maldita primavera.
A carruagem vai pelo seu
caminho porque conhece o caminho,
conhece as canções, a
montanha
que já atravessou mil
vezes
entre Granada e Rota.
Se cala sobre o que pode
perder.
Como uma lágrima contida,
a estrada pensa diante
dos meus olhos
nas curvas suaves
e nas ultrapassagens sem
perigo.
Porém vêm em frente
as portas da casa e as trepadeiras
onde o vazio dá a sua
flor.
O pátio e o jardim são a
planície,
o campo de batalha que me
espera
até chegar ao quarto.
Maldito mês de abril com
seus espinhos
Trato de lutar mais uma
vez
com moinhos de vento.
Ilustração: Katamigos.
Que é tudo veloz
Que é tudo rápido
Atestam as luzes que se afastam,
As palavras que se dissolvem,
As imagens que desaparecem.
Sei que te ofereceram um controle remoto,
Que te deram um veículo sem limites
Que te disseram que podes ir e voltar à vontade
Que tens a mais completa liberdade.
Não creia! Não creia!
Escapa mentalmente
Faz de conta que acredita,
Porém, saibas
Que só serás livre
Enquanto não aceitar
O que aí está
E brincar como criança
Com as regras
Fazendo apenas tua vontade.
Se segues a lógica da velocidade
Serás mais um robô,
Um boi na manada.
O que fazes não significará nada
E tua alma,
Para sempre, estará perdida.
Sê rebelde!
Opte pela vida.
Ilustração: Progressistas.org.
Sé que entre todas las palabras, una
Hay para recordarla o figurarla.
El secreto, a mi ver, está en usarla
Con humildad. Es la palabra luna.
Ya no me atrevo a macular su pura
Aparición con una imagen vana;
La veo indescifrable y cotidiana
Y más allá de mi literatura.
Sé que la luna o la palabra luna
Es una letra que fue creada para
La compleja escritura de esa rara
Cosa que somos, numerosa y una.
Es uno de los símbolos que al hombre
Da el hado o el azar para que un día
De exaltación gloriosa o de agonía
Pueda escribir su verdadero nombre
Sei que entre todas as palavras, uma
Há para recordá-la ou figuralá-la.
O segredo, a meu ver, está em usá-la
Com humildade. É a palavra lua.
Já não me atrevo a macular sua pura
Aparição com uma imagem inútil:
A vejo cotidiana e tão difícil
E mais além de minha literatura.
Sei que a lua ou a lua palavra
É uma letra que foi criada para
A completa escritura dessa rara
Coisa que somos, numerosa e uma.
É um dos símbolos que ao homem
dá o destino ou o acaso para um dia
de exaltação gloriosa ou de agonia
possa escrever seu verdadeiro nome.
Ilustração: Bing.