Friday, March 31, 2023

HAI KAI DO CICLO AINDA ABERTO

 


Se foram as águas de março

E o verão não se fechou.

Vem, abril, me dá um abraço!   

Ilustração: O Gazeteiro. 

Amy Lowell, outra poesia

 


 

TWO LACQUER PRINTS

Amy Lowell

The Emperor's Garden

ONCE, in the sultry heat of midsummer,

An Emperor caused the miniature mountains in his garden

To be covered with white silk,

That so crowned,

They might cool his eyes

With the sparkle of snow.

Meditation

A wise man,

Watching the stars pass across the sky,

Remarked:

In the upper air the fireflies move more slowly.

DUAS PINTURAS EM LACA

O Jardim do Imperador

UMA VEZ, no abafado calor do solstício de verão,

Um imperador fez miniaturas de montanhas em seu jardim

Para serem cobertas com seda branca,

Que assim coroadas,

Poderiam refrescar seus olhos

Com o brilho da neve.

Meditação

Um homem sábio,

Vendo as estrelas passarem pelo céu,

Comentário:

No ar superior, os vaga-lumes se movem mais lentamente.

Ilustração: greenMe.

COMO CONFUNDIR PODE DAR CERTO



Se não os convencer, confunda a mente

Deixe-os sem saber o que dizer ou pensar

Faça-os questionar o que é evidente.

 

Confundir é uma boa tática para se deixar

Até em quem tem opinião formada

A semente da dúvida e a clareza empanar.

 

Mas cuidado ao usar, pois tudo tem dois lados

E pode ser perigosa esta jogada.

Não confunda só. Aponte os culpados!

Ilustração: Suporte Geográfico. 

Outra poesia de Li-Young Lee

 


NOCTURNE

Li-Young Lee

That scraping of iron on iron when the wind

rises, what is it? Something the wind won’t

quit with, but drags back and forth.

Sometimes faint, far, then suddenly, close, just

beyond the screened door, as if someone there

squats in the dark honing his wares against

my threshold. Half steel wire, half metal wing,

nothing and anything might make this noise

of saws and rasps, a creaking and groaning

of bone-growth, or body-death, marriages of rust,

or ore abraded. Tonight, something bows

that should not bend. Something stiffens that should

slide. Something, loose and not right,

rakes or forges itself all night.

NOTURNO

Este raspar do ferro contra o ferro quando o vento

sobe, o que é? Alguma coisa que o vento não vai

levar, mas que arrasta para frente e para trás.

Algumas vezes fraco, longe, então de repente, perto, só

além da porta telada, como se alguém ali

se agachasse no escuro melhorando seus produtos contra

meu limiar. Meio fio de aço, meio asa de metal,

nada e alguma coisa pode fazer este barulho

de serras e limas, um rangido e um gemido

de osso crescendo, ou a morte do corpo, casamentos de ferrugem,

ou minério abrasivo. Esta noite, alguma coisa se curva

que não deve se dobrar. Alguma coisa endurece que deveria

deslizar. Alguma coisa, solta e não certa,

rasteja ou se forja por toda a noite.

Ilustração: Submarino. 

Uma poesia de Santiago Galán

 


Santiago Galán

 

Quizás no seamos
descendientes de alabadas dinastías,
quizás no con el cuerpo
sino con la electricidad
húmeda
de las naves y los platillos volantes
pueda accederse allí,
indefinido allí
que define el choque entre dos crótalos.

 

Pueden afirmarse los adverbios
y su afirmación será duda siempre:
ante la lucidez del dromedario
sólo queda replegarse.

Quem sabe não sejamos

descendentes de dinastias aclamadas,

quem sabe não com o corpo

sim com a eletricidade

úmida

de navios e discos voadores

possa ser acessado lá

indefinido lá

onde se define o choque entre dois pratos.

 

Podem afirmar-se os advérbios

e sua afirmação será sempre duvidosa:

antes da lucidez do dromedário

só resta recuar.

 

Thursday, March 30, 2023

E abril chegando...

 


Eu te encontrarei seja onde for.

Um radar tem o amor

que encontra até a agulha num palheiro.

Sei que estamos em janeiro

e não vou mentir

que só vou te encontrar em fevereiro,

mesmo sem carnaval, sem fusca e violão, 

de modo que conto os dias

pensando em os acelerar em vão. 

Nesta agonia

de querer te amar

como se o mundo fosse se acabar!

Tuesday, March 28, 2023

LUZ, CÂMERA, CONFUSÃO

 


Não há direção perfeita

nem perfeita tomada,

nem ator, que por mais experiente

não esqueça as falas,

se até mesmo a câmera e o som

insistem em ter problemas.

São cenas que não tem solução,

cortes que nada tem de ação

e atores contracenam uma confusão

onde sinto que nada funciona

e tudo se parece demais 

com a minha vida.

Um filme que já é um imenso fiasco. 

Só falta você, querida, 

como estrela 

para a tragédia se consumar

com o final anticlímax, 

que seria de esperar, 

fugindo para qualquer lugar

antes mesmo do filme terminar. 

Ilustração: Youtube. 

O RECHEIO

 


Não te direi que a coisa não seja assim.

Nem te digo que assim não seja. 

Se algo digo é por faltar cerveja,

carne de porco, alcatra ou cupim,

que o vil metal permite o ensejo

e dependendo de como as coisas vejo,

pois sou homem de firme opinião.

Se o dinheiro não chega na minha mão

ou se ganhar algum consigo não

não me conformo com a situação, 

que não mourejo em troca de ilusão.

Cansado ando de promessas para  depois,

de sorrisos, elogios e outros empurrões

sem que me deem as cédulas merecidas. 

E nem me importa se a fogueira arde

se não há carne para encher as panelas. 

A piscina do Tio Patinhas como parte

é minha meta. Como vou usar a arte

de poder até limpar a cara nelas!!!

Ilustração: Ali Express.  

MEDITAÇÃO

 


Nas longas noites em que com Deus converso

e Ele me explica quem e como são os seus

não identifico nos que tanto o citam

nenhum traço sequer do que me diz

e isto é o tipo da coisa que me faz infeliz

na medida em que sinto que sozinho

sou o único ser no universo

que encontra Deus tomando vinho

e comendo pão com mais outros ateus,

enquanto os santos nem sequer me fitam 

tanto que o intelecto me complicam

ao ponto que, às vezes, penso que sou louco

ou que eles não são santos nenhum pouco!

Outra vez David López Sandoval

 


SE ME VAN LAS PALABRAS

David López Sandoval

Se van las palabras, no son mías,
se emancipan las siervas del idioma,
se rebelan sus alas de paloma
imponiendo sus mudas tiranías.
Se me van y me dejan las vacías
carcasas del lenguaje, la carcoma
de una lírica tosca y monocroma,
enferma de metáforas baldías.
Se me van las palabras, tan ligeras
como una bagatela de vilano,
como una vaga tela flameada.
Se me van las palabras cuando esperas,
y un no sé qué insinúas con la mano,
y topa con mis ojos tu mirada.

SE ME VÃO AS PALAVRAS

Se vão as palavras, não são minhas,

se emancipam as servas do idioma,

se rebelam suas asas de pomba

impondo suas mudas tiranias.

Se vão embora e me deixam vazias

carcaças de linguagem, o caruncho

de uma lírica áspera e monocromática,

cansado de metáforas baldias.

Se me vão as palavras, tão ligeiras

como uma bagatela de vilão,

como um vaga tela flamejante.

Se me vão palavras quando esperas

e um não sei o que insinuas com a mão,

e topa com meus olhos teu olhar.

Ilustração: Portal da Afasia

E, mais uma vez, Lara López

 

 

CONFESIÓN

(A Álvaro Hernando)

Lara López

Ya no me llevo bien

con casi nadie.

Y sé por Carver que esto

-los rosales, las peonías,

los jacintos, las alfombras

rotas en el tendedero-

suena a historia de una vida.

Pero ahora es otra la pregunta

para la misma respuesta.

CONFISSÃO  

(A Álvaro Hernando)

Já não me dou mais

com quase ninguém.

E sei por Carver que isto

- roseiras, peônias,

os jacintos, os tapetes

esfarrapados no varal -

soa como uma história de vida.

Porém agora é outra a pergunta

para a mesma resposta.

Ilustração: Paróquia de Canasvieira.

Friday, March 24, 2023

Não Vou Dizer

De fato quando se vive tanto

quanto eu

os nomes ficam todos iguais.

Os rostos não. 

As faces, que me deram

                       beijos e risos,

bem como as emoções,

que preciso para sobreviver

não posso esquecer.

Só não irei te dizer

que, por ver teu rosto

em todo lugar, 

é que canto e vivo 

para te amar. 

Ilustração: Youtube. 

Uma poesia de María Váldes Mendoza

 


LA ESPERANZA: I

María Váldes Mendoza  

¡Ven, ninfa celestial de la esperanza,

Ven, dulce amiga, que tu amor imploro!,

Y enséñame en hermosa lontananza

El bien que busco y anhelante adoro.

Muéstrame un sol de gloria y bienandanza

Con tus reflejos de esmeralda y oro;

Lanza torrentes de tu luz querida

En el triste horizonte de mi vida.

 

A ESPERANÇA: I

Vem, ninfa celestial da esperança,

Vem, doce amiga, que  teu amor imploro!

E ensina-me em formosa distância

O bem que busco e ansiante adoro.

Mostra-me um sol de glória e felicidade

Com teus reflexos de esmeralda e ouro;

Lança torrentes de tua luz querida

No triste horizonte da minha vida.

A poesia de Diane Di Prima



AN EXERCISE IN LOVE

Diane Di Prima

                                              for Jackson Allen

My friend wears my scarf at his waist

I give him moonstones

He gives me shell & seaweeds

He comes from a distant city & I meet him

We will plant eggplants & celery together

He weaves me cloth

 

Many have brought the gifts

I use for his pleasure

silk, & green hills

& heron the color of dawn

 

My friend walks soft as a weaving on the wind

He backlights my dreams

He has built altars beside my bed

I awake in the smell of his hair & cannot remember

his name, or my own.

UM EXERCÍCIO DE AMOR

                            para Jackson Allen

 

Meu amigo usa meu cachecol na cintura

Eu lhe dou as pedras da lua

Ele me dá conchas & algas

Ele vem de uma cidade distante & eu o encontro  

Vamos plantar berinjela & aipo juntos

Ele me tece pano

 

Muitos trouxeram os presentes

eu uso para o seu prazer

seda & colinas verdes

& garça da cor da aurora

 

Meu amigo caminha macio como uma tecelagem ao vento

Ele ilumina meus sonhos

Ele construiu altares ao lado da minha cama

Eu acordo com o cheiro de seu cabelo & não consigo lembrar

de seu nome, ou do meu.

Ilustração: Montik.

E, de volta, E.E. Cummings

 


AMORES  (VI)

E. E. Cummings

into the smiting

sky tense

with

blend

 

ing

the

tree        leaps

                           a stiffened exquisite

 

i

wait the sweet

annihilation of swift

flesh

 

i make me stern against

your charming strength

 

O haste

                annihilator

drawing into you my enchanting

leaves

AMORES  (VI)

para o céu castigante

tenso

com

mescla

 

a

árvore salta

um requintado rígido

 

eu

espero a doce

aniquilação da carne

rápida

 

me faço rígido contra

sua encantadora força

 

Ó pressa

aniquiladora

atrai em ti minhas encantadoras

folhas.

Ilustração: A Mente é Maravilhosa.

Wednesday, March 22, 2023

O ÚLTIMO HERÓI DA RESISTÊNCIA

 


Depois que fiquei velho

resolvi que tenho que viver 

como índio

ainda que usando cueca.

Vou me internar em Rondônia

na última floresta,

viver de peixe, açai, 

pupunha, tapioca e farinha

e, nas noites de lua, 

amar minha indiazinha

como se depois fosse morrer

e morrer mesmo 

como o último moicano brasileiro,

o Macunaíma ao revés, 

sem ninguém saber

de gozo e de prazer!

Ilustração: Jornal da USP. 

Uma poesia de Laura Riding Jackson

 


PRISMS

Laura Riding Jackson

What is beheld through glass seems glass.

 

The quality of what I am

Encases what I am not,

Smooths the strange world.

I perceive it slowly

In my time,

In my material,

As my pride,

As my possession:

The vision is love.

 

When life crashes like a cracked pane,

Still shall I love

Even the slight grass and the patient dust.

Death also sees, though darkly,

And I must trust then as now

Only another kind of prism

Through which I may not put my hands to touch.

PRISMAS

O que é visto através do vidro parece vidro.

 

A qualidade do que eu sou

Envolve o que eu não sou,

Suaviza o mundo estranho.

Eu percebo isto devagar

No meu tempo,

No meu material,

Como meu orgulho,

Como minha posse:

A visão é o amor.

 

Quando a vida cai como uma vidraça rachada,

Ainda devo amar

Até a grama leve e a poeira paciente.

A morte também vê, embora obscuramente,

E devo confiar então como agora

Somente em outro tipo de prisma

Através do qual eu não posso por minhas mãos para tocar.

Ilustração: Freepik.

Outra vez Lara López

 


 DOMO

Lara López

Átomos. Un cosmos. La eternidad del roce.

Decía verano y yo entendía verano.

Como cualquier pareja en cualquier siglo,

tejido conjuntivo.  Decía poema

y yo leía poema. El mar en la ventana, el ligero

ronquido tras el sexo, la arena y el cuidado.

Huracanes enredándose en los versos

de un mundo que era prisión del alma.

Me quiso. No recuerdo su nombre. Dijo miedo

y construí un hogar. Vimos las estaciones

arrugarse, encanecer al minotauro.

Pulimos las esferas. Diseñamos un idioma.

Nos quisimos. Con pavor,  como se quieren

siempre los amantes. Agitaron la bola.

Cayó la nieve. Y lloramos el resto

de la noche a la que no supimos regresar.

CÚPULA

Átomos. Um cosmos. A eternidade do atrito.

Dizia verão e eu entendia verão.

Como qualquer casal em qualquer século,

tecido conjuntivo. Dizia poema

e eu lia poema. O mar na janela, a breve

ronco depois do sexo, areia e o cuidado.

Furacões enredando-se nos versos

de um mundo que era uma prisão da alma.

Me quis. Não recordo seu nome. Disse medo

e construiu um lugar. Assistimos as estações

enrugarem-se, encanecer o minotauro.

Polimos as esferas. Desenhamos um idioma.

Nos quisemos com pavor, como se querem

Sempre os amantes. Agitaram a bola.

A neve caiu. E choramos o resto

da noite para a qual não sabíamos como voltar.

Ilustração: Pousadas Top Brasil.

Friday, March 17, 2023

Cancãozinha para você

 


Se você disser que me ama

(o que sempre faz sem palavras)

colocarei para tocar nossa canção

e, suavemente, pegarei na tua mão

para dançar...

Sei que irás rir

e me dizer que não tenho ritmo.

Mas, te direi que não importa. 

Só o amor nos torna mais ridículos

é da felicidade a porta.

E te beijarei com a sensação 

de que o melhor da vida

é a ilusão de ser feliz!

Ajo de volta

 


Ajo

***

Bastante tiene una

con lo que no tiene.

 

***

Compromiso:

primera persona del singular

del presente de indicativo

del verbo comprar miso.

***

Eres agua para mis fiestas

vino para mis antibióticos

y anís del Mono

para lo que tú y yo sabemos

***

Te hiciste feliz de repente

como si no tuvieras otra cosa

que hacer en la vida.

***

Lo comprendí sólo

hasta cierto punto,

concretamente

hasta el punto g.

***

Bastante tem um

com o que não tens.

***

Compromisso:

primeira pessoa do singular

do presente do indicativo

do verbo comprar missô.

***

És água para minhas festas

vinho para meus antibióticos

e anis de Macaco

para o que tu e eu sabemos

***

Te fizestes feliz de repente

como se não tivesses outra coisa

para fazer na vida.

***

O compreendi só

até certo ponto,

concretamente

até o ponto  g.

Ilustração: Dreamstime. 

 

Outra vez Georges Schehadé

 


Si tu rencontres un ramier...

Georges Schehadé

Si tu rencontres un ramier

dans un bois si jeune par la vie de sa neige

Quand les yeux veulent dire nœuds du soir

Fais un repos de tout ce qui est à lui

L'âge de la forêt mon amour est un songe

SE TU ENCONTRAS UM POMBO-TORCAZ

Se tu encontras um pombo-torcaz

numa floresta muito jovem pela vida de sua neve

Quando os olhos querem expressar os nós da tarde

Descanse de tudo o que é dele

A idade da floresta meu amor é um sonho

Ilustração: Youtube.

Monday, March 13, 2023

Uma poesia de Lara López

 


PUENTES

Lara López

Sostener la mirada

sesenta segundos

para tomar aliento.

No sé si nos dijimos

palabras relevantes.

Creo que fueron

libro, abrazo, esperanza,

eclipse, iris, mármol,

mentiras, experiencia,

espejo, grieta. Abismo.

Amor sonó una vez, también,

ya no estoy tan segura

de nada. Gritos y lágrimas.

Y huir, huir, huir,

mirar hacia delante.

PONTES

segurar o olhar

sessenta segundos

para recuperar o fôlego

Não sei se nos dissemos

palavras relevantes.

Creio que foram

livro, abraço, esperança,

eclipse, íris, mármore,

mentiras, experiência,

espelho, greta. Abismo.

O amor soou uma vez, também,

já não estou tão segura

de nada. Gritos e lágrimas.

E fugir, fugir, fugir,

olhar sempre adiante.

Ilustração: A Mente é Maravilhosa.