Se foram as águas de março
E o verão não se fechou.
Vem, abril, me dá um abraço!
Ilustração: O Gazeteiro.
Se foram as águas de março
E o verão não se fechou.
Vem, abril, me dá um abraço!
Ilustração: O Gazeteiro.
TWO LACQUER PRINTS
Amy Lowell
The Emperor's Garden
ONCE, in the sultry heat
of midsummer,
An Emperor caused the
miniature mountains in his garden
To be covered with white
silk,
That so crowned,
They might cool his eyes
With the sparkle of snow.
Meditation
A wise man,
Watching the stars pass
across the sky,
Remarked:
In the upper air the
fireflies move more slowly.
DUAS PINTURAS EM LACA
O Jardim do Imperador
UMA VEZ, no abafado calor
do solstício de verão,
Um imperador fez
miniaturas de montanhas em seu jardim
Para serem cobertas com
seda branca,
Que assim coroadas,
Poderiam refrescar seus
olhos
Com o brilho da neve.
Meditação
Um homem sábio,
Vendo as estrelas
passarem pelo céu,
Comentário:
No ar superior, os
vaga-lumes se movem mais lentamente.
Ilustração: greenMe.
Se não os convencer, confunda a mente
Deixe-os sem saber o que dizer ou pensar
Faça-os questionar o que é evidente.
Confundir é uma boa tática para se deixar
Até em quem tem opinião formada
A semente da dúvida e a clareza empanar.
Mas cuidado ao usar, pois tudo tem dois lados
E pode ser perigosa esta jogada.
Não confunda só. Aponte os culpados!
NOCTURNE
Li-Young Lee
That scraping of iron on
iron when the wind
rises, what is it?
Something the wind won’t
quit with, but drags back
and forth.
Sometimes faint, far,
then suddenly, close, just
beyond the screened door,
as if someone there
squats in the dark honing
his wares against
my threshold. Half steel
wire, half metal wing,
nothing and anything
might make this noise
of saws and rasps, a
creaking and groaning
of bone-growth, or
body-death, marriages of rust,
or ore abraded. Tonight,
something bows
that should not bend.
Something stiffens that should
slide. Something, loose
and not right,
rakes or forges itself
all night.
NOTURNO
Este raspar do ferro contra
o ferro quando o vento
sobe, o que é? Alguma
coisa que o vento não vai
levar, mas que arrasta
para frente e para trás.
Algumas vezes fraco,
longe, então de repente, perto, só
além da porta telada,
como se alguém ali
se agachasse no escuro melhorando
seus produtos contra
meu limiar. Meio fio de
aço, meio asa de metal,
nada e alguma coisa pode
fazer este barulho
de serras e limas, um
rangido e um gemido
de osso crescendo, ou a morte
do corpo, casamentos de ferrugem,
ou minério abrasivo. Esta
noite, alguma coisa se curva
que não deve se dobrar.
Alguma coisa endurece que deveria
deslizar. Alguma coisa,
solta e não certa,
rasteja ou se forja por
toda a noite.
Ilustração: Submarino.
Santiago Galán
Quizás
no seamos
descendientes de alabadas dinastías,
quizás no con el cuerpo
sino con la electricidad
húmeda
de las naves y los platillos volantes
pueda accederse allí,
indefinido allí
que define el choque entre dos crótalos.
Pueden afirmarse los adverbios
y su afirmación será duda siempre:
ante la lucidez del dromedario
sólo queda replegarse.
Quem sabe não sejamos
descendentes de dinastias aclamadas,
quem sabe não com o corpo
sim com a eletricidade
úmida
de navios e discos voadores
possa ser acessado lá
indefinido lá
onde se define o choque entre dois
pratos.
Podem afirmar-se os advérbios
e sua afirmação será sempre duvidosa:
antes da lucidez do dromedário
só resta recuar.
Eu te encontrarei seja onde for.
Um radar tem o amor
que encontra até a agulha num palheiro.
Sei que estamos em janeiro
e não vou mentir
que só vou te encontrar em fevereiro,
mesmo sem carnaval, sem fusca e violão,
de modo que conto os dias
pensando em os acelerar em vão.
Nesta agonia
de querer te amar
como se o mundo fosse se acabar!
Não há direção perfeita
nem perfeita tomada,
nem ator, que por mais experiente
não esqueça as falas,
se até mesmo a câmera e o som
insistem em ter problemas.
São cenas que não tem solução,
cortes que nada tem de ação
e atores contracenam uma confusão
onde sinto que nada funciona
e tudo se parece demais
com a minha vida.
Um filme que já é um imenso fiasco.
Só falta você, querida,
como estrela
para a tragédia se consumar
com o final anticlímax,
que seria de esperar,
fugindo para qualquer lugar
antes mesmo do filme terminar.
Ilustração: Youtube.
Não te direi que a coisa não seja assim.
Nem te digo que assim não seja.
Se algo digo é por faltar cerveja,
carne de porco, alcatra ou cupim,
que o vil metal permite o ensejo
e dependendo de como as coisas vejo,
pois sou homem de firme opinião.
Se o dinheiro não chega na minha mão
ou se ganhar algum consigo não
não me conformo com a situação,
que não mourejo em troca de ilusão.
Cansado ando de promessas para depois,
de sorrisos, elogios e outros empurrões
sem que me deem as cédulas merecidas.
E nem me importa se a fogueira arde
se não há carne para encher as panelas.
A piscina do Tio Patinhas como parte
é minha meta. Como vou usar a arte
de poder até limpar a cara nelas!!!
Ilustração: Ali Express.
Nas longas noites em que com Deus converso
e Ele me explica quem e como são os seus
não identifico nos que tanto o citam
nenhum traço sequer do que me diz
e isto é o tipo da coisa que me faz infeliz
na medida em que sinto que sozinho
sou o único ser no universo
que encontra Deus tomando vinho
e comendo pão com mais outros ateus,
enquanto os santos nem sequer me fitam
tanto que o intelecto me complicam
ao ponto que, às vezes, penso que sou louco
ou que eles não são santos nenhum pouco!
SE ME VAN LAS PALABRAS
David López Sandoval
Se van las palabras, no son mías,
se emancipan las siervas del idioma,
se rebelan sus alas de paloma
imponiendo sus mudas tiranías.
Se me van y me dejan las vacías
carcasas del lenguaje, la carcoma
de una lírica tosca y monocroma,
enferma de metáforas baldías.
Se me van las palabras, tan ligeras
como una bagatela de vilano,
como una vaga tela flameada.
Se me van las palabras cuando esperas,
y un no sé qué insinúas con la mano,
y topa con mis ojos tu mirada.
SE ME VÃO AS PALAVRAS
Se vão as palavras, não são minhas,
se emancipam as servas do idioma,
se rebelam suas asas de pomba
impondo suas mudas tiranias.
Se vão embora e me deixam vazias
carcaças de linguagem, o caruncho
de uma lírica áspera e monocromática,
cansado de metáforas baldias.
Se me vão as palavras, tão ligeiras
como uma bagatela de vilão,
como um vaga tela flamejante.
Se me vão palavras quando esperas
e um não sei o que insinuas com a mão,
e topa com meus olhos teu olhar.
CONFESIÓN
(A Álvaro Hernando)
Lara López
Ya no me llevo bien
con casi nadie.
Y sé por Carver que esto
-los rosales, las peonías,
los jacintos, las alfombras
rotas en el tendedero-
suena a historia de una vida.
Pero ahora es otra la pregunta
para la misma respuesta.
CONFISSÃO
(A Álvaro Hernando)
Já não me dou mais
com quase ninguém.
E sei por Carver que isto
- roseiras, peônias,
os jacintos, os tapetes
esfarrapados no varal -
soa como uma história de vida.
Porém agora é outra a pergunta
para a mesma resposta.
Ilustração: Paróquia de Canasvieira.
De fato quando se vive tanto
quanto eu
os nomes ficam todos iguais.
Os rostos não.
As faces, que me deram
beijos e risos,
bem como as emoções,
que preciso para sobreviver
não posso esquecer.
Só não irei te dizer
que, por ver teu rosto
em todo lugar,
é que canto e vivo
para te amar.
Ilustração: Youtube.
LA ESPERANZA: I
María Váldes Mendoza
¡Ven, ninfa celestial de la esperanza,
Ven, dulce amiga, que tu amor imploro!,
Y enséñame en hermosa lontananza
El bien que busco y anhelante adoro.
Muéstrame un sol de gloria y bienandanza
Con tus reflejos de esmeralda y oro;
Lanza torrentes de tu luz querida
En el triste horizonte de mi vida.
A ESPERANÇA: I
Vem, ninfa celestial da esperança,
Vem, doce amiga, que teu amor imploro!
E ensina-me em formosa distância
O bem que busco e ansiante adoro.
Mostra-me um sol de glória e felicidade
Com teus reflexos de esmeralda e ouro;
Lança torrentes de tua luz querida
No triste horizonte da minha vida.
Diane Di Prima
for
Jackson
Allen
My friend wears my scarf at his waist
I give him moonstones
He gives me shell & seaweeds
He comes from a distant city & I meet him
We will plant eggplants & celery together
He weaves me cloth
Many have brought the gifts
I use for his pleasure
silk, & green hills
& heron the color of dawn
My friend walks soft as a weaving on the wind
He backlights my dreams
He has built altars beside my bed
I awake in the smell of his hair & cannot remember
his name, or my own.
UM EXERCÍCIO DE AMOR
para Jackson
Allen
Meu amigo usa meu
cachecol na cintura
Eu lhe dou as pedras da
lua
Ele me dá conchas &
algas
Ele vem de uma cidade
distante & eu o encontro
Vamos plantar berinjela &
aipo juntos
Ele me tece pano
Muitos trouxeram os
presentes
eu uso para o seu prazer
seda & colinas verdes
& garça da cor da
aurora
Meu amigo caminha macio
como uma tecelagem ao vento
Ele ilumina meus sonhos
Ele construiu altares ao
lado da minha cama
Eu acordo com o cheiro de
seu cabelo & não consigo lembrar
de seu nome, ou do meu.
Ilustração: Montik.
AMORES
(VI)
E. E. Cummings
into the smiting
sky tense
with
blend
ing
the
tree
leaps
a stiffened
exquisite
i
wait the sweet
annihilation of swift
flesh
i make me stern against
your charming strength
O haste
annihilator
drawing into you my enchanting
leaves
AMORES
(VI)
para o céu castigante
tenso
com
mescla
a
árvore salta
um requintado rígido
eu
espero a doce
aniquilação da carne
rápida
me faço rígido contra
sua encantadora força
Ó pressa
aniquiladora
atrai em ti minhas encantadoras
folhas.
Ilustração: A Mente é Maravilhosa.
Depois que fiquei velho
resolvi que tenho que viver
como índio
ainda que usando cueca.
Vou me internar em Rondônia
na última floresta,
viver de peixe, açai,
pupunha, tapioca e farinha
e, nas noites de lua,
amar minha indiazinha
como se depois fosse morrer
e morrer mesmo
como o último moicano brasileiro,
o Macunaíma ao revés,
sem ninguém saber
de gozo e de prazer!
Ilustração: Jornal da USP.
PRISMS
Laura Riding Jackson
What is beheld through glass seems glass.
The quality of what I am
Encases what I am not,
Smooths the strange world.
I perceive it slowly
In my time,
In my material,
As my pride,
As my possession:
The vision is love.
When life crashes like a cracked pane,
Still shall I love
Even the slight grass and the patient dust.
Death also sees, though darkly,
And I must trust then as now
Only another kind of prism
Through which I may not put my hands to touch.
PRISMAS
O que é visto através do vidro parece vidro.
A qualidade do que eu sou
Envolve o que eu não sou,
Suaviza o mundo estranho.
Eu percebo isto devagar
No meu tempo,
No meu material,
Como meu orgulho,
Como minha posse:
A visão é o amor.
Quando a vida cai como uma vidraça rachada,
Ainda devo amar
Até a grama leve e a poeira paciente.
A morte também vê, embora obscuramente,
E devo confiar então como agora
Somente em outro tipo de prisma
Através do qual eu não posso por minhas mãos para tocar.
Ilustração: Freepik.
Lara López
Átomos. Un cosmos. La eternidad del roce.
Decía verano y yo entendía verano.
Como cualquier pareja en cualquier siglo,
tejido conjuntivo.
Decía poema
y yo leía poema. El mar en la ventana, el ligero
ronquido tras el sexo, la arena y el cuidado.
Huracanes enredándose en los versos
de un mundo que era prisión del alma.
Me quiso. No recuerdo su nombre. Dijo miedo
y construí un hogar. Vimos las estaciones
arrugarse, encanecer al minotauro.
Pulimos las esferas. Diseñamos un idioma.
Nos quisimos. Con pavor, como se quieren
siempre los amantes. Agitaron la bola.
Cayó la nieve. Y lloramos el resto
de la noche a la que no supimos regresar.
CÚPULA
Átomos. Um cosmos. A eternidade do atrito.
Dizia verão e eu entendia verão.
Como qualquer casal em qualquer século,
tecido conjuntivo. Dizia poema
e eu lia poema. O mar na janela, a breve
ronco depois do sexo, areia e o cuidado.
Furacões enredando-se nos versos
de um mundo que era uma prisão da alma.
Me quis. Não recordo seu nome. Disse medo
e construiu um lugar. Assistimos as estações
enrugarem-se, encanecer o minotauro.
Polimos as esferas. Desenhamos um idioma.
Nos quisemos com pavor, como se querem
Sempre os amantes. Agitaram a bola.
A neve caiu. E choramos o resto
da noite para a qual não sabíamos como voltar.
Ilustração: Pousadas Top Brasil.
Se você disser que me ama
(o que sempre faz sem palavras)
colocarei para tocar nossa canção
e, suavemente, pegarei na tua mão
para dançar...
Sei que irás rir
e me dizer que não tenho ritmo.
Mas, te direi que não importa.
Só o amor nos torna mais ridículos
é da felicidade a porta.
E te beijarei com a sensação
de que o melhor da vida
é a ilusão de ser feliz!
Ajo
***
Bastante tiene una
con lo que no tiene.
***
Compromiso:
primera persona del singular
del presente de indicativo
del verbo comprar miso.
***
Eres agua para mis fiestas
vino para mis antibióticos
y anís del Mono
para lo que tú y yo sabemos
***
Te hiciste feliz de repente
como si no tuvieras otra cosa
que hacer en la vida.
***
Lo comprendí sólo
hasta cierto punto,
concretamente
hasta el punto g.
***
Bastante tem um
com o que não tens.
***
Compromisso:
primeira pessoa do singular
do presente do indicativo
do verbo comprar missô.
***
És água para minhas festas
vinho para meus antibióticos
e anis de Macaco
para o que tu e eu sabemos
***
Te fizestes feliz de repente
como se não tivesses outra coisa
para fazer na vida.
***
O compreendi só
até certo ponto,
concretamente
até o ponto g.
Ilustração: Dreamstime.
Si tu rencontres un ramier...
Georges Schehadé
Si tu rencontres un ramier
dans un bois si jeune par la vie de sa neige
Quand les yeux veulent dire nœuds du soir
Fais un repos de tout ce qui est à lui
L'âge de la forêt mon amour est un songe
SE TU ENCONTRAS UM POMBO-TORCAZ
Se tu encontras um pombo-torcaz
numa floresta muito jovem pela vida de sua neve
Quando os olhos querem expressar os nós da tarde
Descanse de tudo o que é dele
A idade da floresta meu amor é um sonho
Ilustração: Youtube.
PUENTES
Lara López
Sostener la mirada
sesenta segundos
para tomar aliento.
No sé si nos dijimos
palabras relevantes.
Creo que fueron
libro, abrazo, esperanza,
eclipse, iris, mármol,
mentiras, experiencia,
espejo, grieta. Abismo.
Amor sonó una vez, también,
ya no estoy tan segura
de nada. Gritos y lágrimas.
Y huir, huir, huir,
mirar hacia delante.
PONTES
segurar o olhar
sessenta segundos
para recuperar o fôlego
Não sei se nos dissemos
palavras relevantes.
Creio que foram
livro, abraço, esperança,
eclipse, íris, mármore,
mentiras, experiência,
espelho, greta. Abismo.
O amor soou uma vez, também,
já não estou tão segura
de nada. Gritos e lágrimas.
E fugir, fugir, fugir,
olhar sempre adiante.
Ilustração: A Mente é Maravilhosa.