Thursday, August 31, 2023

AÉON



O que sempre é

sempre foi.

Não da forma como pensamos

que devia ser

(nosso pensamento é temporal, minúsculo).

O que há de mais notável

no imensurável

é impercebível para o nosso perceber

que distingue entre o velho e o novo Eón,

quando são os mesmos,

quando o indeterminado não tem limites.

É impossível ao besouro

quantificar o tempo da tartaruga.

Sei que isto não ajuda,

mas nada irá ajudar

o que não se pode explicar.

O tempo é,

foi, 

será

para sempre

quanto mais tempo passe 

daqui para frente.

Sendo o mesmo 

sem nunca voltar. 

Ilustração; Conceitos.com.


Uma poesia de Julie Ezelle-Patton

 


[AEONS QUEST EYE ON]

Julie Ezelle-Patton

Aeons quest eye on 

                     prob limp race 

      Eeeee burrow @ a tomb 

well arm’d glossy head Head limp

hearT                   Never met a muscle couldn’t raptivate

        H                            inside    y/our dark neat holdshout

        R                  O                  if ever words would

        B                   Free me

                                        From your open book

                   Writing in Soil 

                                          Heartheartheartearthearth glad to bee

    a live wing

[EÓNS A BUSCA DO OLHAR SOBRE]

A busca de Eóns do olhar

                      problema de  cabeça mole

       Eeeee toca @ uma tumba

bem armada brilhante cabeça Cabeça mole

coraçãoT    Nunca encontrei um músculo que não pudesse arrebatar

         H              dentro  eu/seu grito escuro e limpo

         R     O       se alguma vez as palavras fossem

         B              Liberte-me

                                         Do seu livro aberto

                    Escrevendo no solo

                                         Coraçãocoraçãocoração  feliz por ser uma abelha

     uma asa viva

Ilustração: http://www.sobreestoyaquello.com/.

Outra poesia de Rosana Acquaroni

 


Rosana Acquaroni

ERAS UNA MUJER DEJADA A PLAZO FIJO

un cuerpo sin pespuntes

que se entierra en satén

bajo la lluvia.

Soledad amortizándose

en un piso de lujo

muebles

fiestas

vajillas

(y aquellos

indigentes

con dinero).

ERAS UMA MULHER DEIXADA A PRAZO FIXO

um corpo sem costura

que se enterra em cetim

debaixo de chuva

solidariedade amortizando-se

em um apartamento de luxo

móveis

festas

louças

(e aqueles

indigentes

com dinheiro).

Ilustração: Intangível e Imutável.

 

Wednesday, August 30, 2023

Canção do Dessassosego

 


É preciso destruir para poder criar,

Por isto a dor ao homem não pode faltar.

Assim como o desejo que o motiva

A crer, ou dar um sentido ao mistério

Da vida, dos brinquedos que o cativa,

Criança eterna que brinca de ser sério,

Fugindo de expressar os seus receios

Mesmo se sabe ser a lógica o único meio

Da mente controlar o inapreensível

E pensar que o absurdo é compreensível

Ainda que a compreensão nada melhore

E a dor ou o prazer nem sequer traga

Um lenitivo à guerra da existência

Que segue sendo o preço de existir.

Só os conscientes desanimam cedo,

De vez que conseguem superar o medo,

E estancam o pensar e o fluir num golpe.

Estes sabem que só há um caminho: a morte.

Ilustração: Psicológos.com.

Uma poesia de Maxwell Bodenheim

 


   OLD AGE

    Maxwell Bodenheim

In me is a little painted square
Bordered by old shops, with gaudy awnings.
And before the shops sit smoking, open-bloused old men,
Drinking sunlight.
The old men are my thoughts:
And I come to them each evening, in a creaking cart,
And quietly unload supplies.
We fill slim pipes and chat,
And inhale scents from pale flowers in the center of the square . . .
Strong men, tinkling women, and dripping, squealing children
Stroll past us, or into the shops.
They greet the shopkeepers, and touch their hats or foreheads to me . . .
Some evening I shall not return to my people.

VELHICE

Em mim há um pequeno quadrado pintado

Rodeado por lojas antigas, com toldos berrantes.

E antes que as lojas fiquem fumacentas, velhos de blusa aberta,

Bebem luz solar.

Os velhos são meus pensamentos:

E eu venho até eles todas as noites, em uma carroça que range,

E descarregar suprimentos silenciosamente.

Enchemos cachimbos finos e conversamos,

E inalo os aromas das flores claras no centro da praça. . .

Homens fortes, mulheres tilintantes e crianças pingando e gritando

Passam por nós ou entre nas lojas.

Eles cumprimentam os lojistas e tocam seus chapéus ou testas para mim. . .

Alguma noite não voltarei para o meu povo.

 

Uma poesia de Rosana Acquaroni

 


 

Rosana Acquaroni

UNA MUJER QUE SIENTE QUE ESTÁ SOLA

tiene muchas maneras de morir

a manos de ella misma.

Basta con extraer de su mirada

aquel brillo incendiario de la niña que fue.

 

 

Una mujer que siente que está sola

tiene muchas maneras de caer.

Basta con tatuar en su centro:

estás hecha de nadie

y no sirves de nada sin un hombre.

 

 

Una mujer que siente que está sola

tiene muchas maneras de inmolarse por dentro

sin que nadie lo note.

Basta con amarrarse

un corazón de hielo alrededor del cuerpo

y esperar.

 

UMA MULHER QUE SENTE QUE ESTÁ SÓ

tem muitas maneiras de morrer

pelas próprias mãos.

Basta extrair do seu olhar

aquele brilho incendiário da menina que ela foi.

 

 

Uma mulher que sente que está só

tem muitas maneiras de cair.

Basta tatuar no seu centro:

és feita de ninguém

e não serves de nada sem um homem.

 

 

Uma mulher que sente que está só

Tem muitas maneiras de imolar-se por dentro

sem que ninguém o note.

Bast amarrar-se

a um coração de gelo em redor do corpo

e esperar.

Ilustração: Spirit Fanfics e Histórias.

Tuesday, August 29, 2023

SOMOS TODOS CHINESES

 


Não, meus amigos, nenhuma pobreza

é fonte de direitos ou digna de afetos.

Tudo bem que se ofereça uma sopa,

para acabar com a fome física,

ou um livro para por fim à fome mental.

Mas, a pobreza em si somente é digna de pena

e só fica bem, num quadro, numa cena.

Não pode ser, como muitos pensam,

pobremente é verdade,

motivo para mover a humanidade

ou que justifique a revolta ou a uniformidade.

A igualdade é uma mera forma de retórica

que num bom pensamento não fica

e só os sofistas podem levar a sério.

No mundo, o mais doce mistério,

É que, apesar de sermos todos chineses,

Somos muito diferentes!

Ilustração: Almrsal.com.

E ainda Manuel Ruiz Amezcua

 


EL JUDÍO ERRANTE
(Uriel da Costa, hereje)

Manuel Ruiz Amezcua

Yo, Uriel da Costa, judío,
un extraño para todos,
desde el púlpito de la sinagoga,
leí la confesión de mis errores
y sufrí treinta y nueve latigazos,
y fui pisoteado por los míos,
atado al frío de la piedra.

Por todo lo que sigue
fui condenado.

Viví de niño donde
todos sospechaban de todos.
Porque los hombres, desde siempre,
organizan su reino
a través de la astucia y la mentira.
Y por eso declaro lo que sigue:
que todo lo que escribo
me traerá la muerte.

Dios no hizo ningún alma
separada del cuerpo.
El alma es engendrada
por nuestros mismos padres.
Igual que le sucede
al alma de los demás animales.
El alma nunca sobrevive
a la muerte del cuerpo.
Nada escapa
a la condición mortal.

Las leyes orales son invenciones
de hombres ambiciosos,
que nada tienen que ver con Dios.

No tenemos necesidad ninguna
de la parafernalia de los ritos.

Los hombres, desde siempre,
organizan su reino
a través de la astucia y la mentira.

Y no saben el yugo
que van a colocar sobre sus nucas
los que abrazan la religión.

Todo lo tienen montado
sobre la injusticia.

Y nos engañan todos cada día.

O JUDEU ERRANTE

Eu, Uriel da Costa, Judeu,

um estranho para todos,

do púlpito da sinagoga,

leio a confissão dos meus erros

e sofri trinta e nove chibatadas,

e fui pisoteado pelos meus amigos,

atado ao frio da pedra.

 

Por tudo o que se segue

fui condenado.

 

Vivi de menino de onde

todos suspeitam de todos.

Porque os homens, desde sempre,

organizam seu reino

através da astúcia e da mentira.

E, por isto, declaro o que se segue:

que tudo o que escrevo

me trará a morte.

 

Deus não fez nenhuma alma

separada do corpo.

A alma é engendrada

por nossos mesmos pais.

Igual ao que sucede

a alma dos outros animais.

A alma nunca sobrevive

a morte do corpo.

Nada escapa

à condição mortal.

 

As leis orais são invenções

de homens ambiciosos,

que nada tem a ver com Deus.

 

Não temos nenhuma necessidade

da parafernália dos ritos.

 

Os homens, desde sempre,

organizam seu reino

através da astúcia e da mentira.

 

E não sabem o jugo

que vão colocar sobre seu pescoço

aqueles que abraçam a religião.

 

Todos o mantêm montado

sobre a injustiça.

E nos enganam todos os dias.

Ilustração: Museum of the Jewish People. 

 

Saturday, August 26, 2023

Sem muito para dizer

 


Aqui, enfim descanso, impregnado do cheiro da vida lá de fora.
As roupas, os cabelos, o suor, as mãos
Dizem o que não sei como falar, mas do meu ar escapam
Alargando o abismo que já é imenso
E permaneces incrédula e exausta, tão na margem de mim,
Como sempre estivestes.

Tento fugir do cerco inevitável das palavras.
Mas, sei que, intimamente, sorris da tentativa inútil
De esconder o que tão claro aparece.
Nem me perguntas onde estive
Ou de onde vim.
Não perguntas por que já tens resposta.
O silêncio, a culpa escancarada
Que confesso por não dizer nada, pesa,
Entre nós, feito um fardo insuportável.
Como uma criança arrependida
Procuro te agradar em vão
Tu
sabes, e eu sei,
Que não há ilusão e só as lembranças,
Entre nossos exercícios de silêncio,
Servem como último elo
Para nos encontrarmos,
Mas, mesmo assim,
Não dizem nada.

Ilustração: Estado da Arte. 

Uma poesia de Adalber Salas Hernández

 


XXI

Adalber Salas Hernández

(Relazioni in torno al primo viaggio di circumnavigazione. Notizia del Mondo Novo con le figure dei paesi scoperti, Antonio Pigafetta)

 

El miércoles 28 de noviembre

abandonamos el estrecho para entrar

en la grande mar

 

a la que dimos de inmediato

el nombre de mar Pacífico

 

en la que navegamos por el curso

de tres meses

veinte días

dieciocho horas

 

sin gustar de ningún

alimento fresco.

 

El bizcocho que comíamos

ya no era pan

sino cosa ciega

 

polvo

pólvora agria

mezclado con gusanos

que habían deglutido

toda su substancia

 

pan que ya nunca

podría ser carne

de mi carne

 

y que además era de un hedor

 

impregnado como estaba

con orina de ratones.

 

XXI

(Relações em torno da primeira viagem de circunavegação. Notícias do Novo Mundo com os números dos países descobertos, Antonio Pigafetta)

 

Quarta-feira, 28 de novembro

saímos do estreito para entrar

no grande mar

 

ao qual demos imediatamente

o nome do mar Pacífico

 

em que navegamos no curso

três meses

vinte dias

dezoito horas

 

sem gostar de nenhum

alimento fresco.

 

O bolo que comemos

já não era pão

mas coisa cega

 

pólvora azeda

misturado com vermes

que havíamos engolido

toda a sua substância

 

pão que nunca

poderia ser carne

da minha carne

 

e que também era um fedor

 

impregnado como estava

com urina de rato.

 

Quarta-feira, 28 de novembro

saímos do estreito para entrar

no grande mar

 

ao qual demos imediatamente

o nome do mar Pacífico

 

em que navegamos no curso

três meses

vinte dias

dezoito horas

 

sem gostar de ninguém

comida fresca.

 

O bolo que comemos

já não era pão

mas coisa cega

 

pólvora azeda

misturado com vermes

que eles tenham engolido

toda a sua substância

 

pão que nunca

poderia ser carne

da minha carne

 

e que ademais era  de um fedor

 

impregnado como estava

com urina de ratos.

Ilustração: Mar sem fim.