Tuesday, November 28, 2023

O eterno retorno deste homem: Nietzsche

 


ECCE HOMO

Friedrich Nietzsche

Ja! Ich weiß, woher ich stamme!

Ungesättigt gleich der Flamme

glühe und verzehr’ ich mich.

Licht wird alles, was ich fasse,

Kohle alles, was ich lasse:

Flamme bin ich sicherlich!

ECCE HOMO

Sim. Eu sei de onde provenho.

Insaciável como uma chama

Brilho e consumo a mim mesmo.

A luz se torna tudo que eu entendo,

Carvão tudo o que deixo:

Chama sou eu certamente!

Ilustração: A Chama Sagrada- Questão de Coaching.


Uma poesia de Maged Zaher

 


UNTITLED

Maged Zaher

I’m few deja-vus from repeating my whole life

I need to study the shapes of things before death

Before declaring myself a better failure:

  waiting mostly for files to get uploaded or downloaded.

My movements are by the book.

I will remember history, all of it, before uttering the next sentence

And in its silence, I will navigate my headache

“something is not what it is”

And we are lost several worlds over

Exploring the art of other civilizations

After we subjugate them

And leave the trees behind

To carry on the sensitive task

Of clearing the air

Stop and think of the pointlessness of desire

We keep going, wasting days between orgasms

And thousands of poems

To keep the pleasantness of clothes

We are all implicated

In the father’s death,

The mother’s death etc.

SEM TÍTULO

Eu vejo poucos déjà-vus se repetindo em

 toda a minha vida

Eu necessito estudar as formas das coisas antes da morte

antes de me declarar um fracasso melhor:

   esperando principalmente que os arquivos sejam carregados ou baixados.

Meus movimentos seguem as regras.

Vou me lembrar da história, de toda ela, antes de pronunciar a próxima frase.

E no seu silêncio navegarei pela minha dor de cabeça

“alguma coisa não é o que é”.

E estamos perdidos em diversos mundos

explorando a arte de outras civilizações

depois de subjugá-los

e deixar as árvores para trás

para continuar a tarefa sensível

de limpar o ar.

Pare e pense na inutilidade do desejo.

Nós nos mantemos jogando os dias fora entre orgasmos

e milhares de poemas

Para manter o encanto das roupas

Nós estamos todos implicados

na morte do pai,

na morte da mãe etc.

Ilustração: Brainly.

Outra poesia de Vicente Luis Mora

 


LA IDENTIDAD OCCIDENTAL

Vicente Luis Mora

Los objetos nuevos

parecen diferentes,

únicos y exclusivos;

pero en el basurero

languidecen idénticos,

indistinguibles:

perfectamente

intercambiables.

IDENTIDADE OCIDENTAL

Os objetos novos

parecem diferentes,

únicos e exclusivos;

porém na lata de lixo

definham idênticos,

indistinguíveis:

perfeitamente

intercambiáveis.

Ilustração: Freepik.

Sunday, November 26, 2023

NADA RESTOU

 

Todos os tempos passam.

Tudo sempre passa 

e se torna passado.


O passado, como os tempos,

é parte do que se foi. 

São tijolos do esquecimento.


E esqueci neste instante

até das coisas que ficam

ou só dão impressão de ficar. 


No fim até o futuro é passado

e todo passar esquecimento

como a vida, a história, o momento. 

Ilustração: Apple Music. 

Uma poesia de Tobias Wray

 


THE LAST ORGASM

Tobias Wray

Stars and people and daffodils won’t last forever.

Hands down, forever will succumb to a single sensation,

one last heaven, one last shudder    

lost voice carried over the winds of the body, the canyons

of the hands in a shower, snow or warm? Last ashes

of satisfaction dance above an open mouth, teeth like light

in an emptied room, the wet music of the tongue.

Somebody will find the edge to all of humanity’s joy, a flood,

a punctuation will flood her with its certainty,

or them, or us, all at once, and that lonely breach

will ripple through, on and out, with indefatigable atoms.

Those asking hands never to slow their speeding ship    

one last starry daffodil excess will blow its soft dunes,

that lost voice, back, over everything that ever came

before. Until emptied out. And if you slow, if you slowly reach

across your own body until you feel it, too, even now?

You can come to an end, even now. It lasts, wanting to.

O ÚLTIMO ORGASMO

Estrelas e pessoas e narcisos não durarão para sempre.

Mãos abaixo, para sempre, irão sucumbir a uma única sensação,

um último céu, um último arrepio

uma voz perdida carregada pelos ventos do corpo, pelos desfiladeiros

das mãos no chuveiro, na neve ou no calor? Últimas cinzas

de satisfação dançam acima de uma boca aberta, dentes como luzes

numa sala vazia, a molhada música da língua.

Alguém irá encontrar o limite para toda a alegria da humanidade, uma inundação,

uma pontuação a inundará com sua certeza,

ou eles, ou nós, de uma só vez, e aquela brecha solitária

irá ondular, dentro e fora, com infatigáveis átomos.

Aqueles que pedem às mãos para nunca desacelerarem seu navio em alta velocidade

um último excesso de narciso estrelado irá explodir nas suas dunas macias,

aquela voz perdida, de volta, sobre todas as coisas que já vieram

antes. Até esvaziar. E se você desacelerar, se você alcançar lentamente

através do seu próprio corpo até você sentir isto também, mesmo agora?

Você pode chegar ao fim, mesmo agora. Isto dura, querendo.

Ilustração: A Gazeta.

Saturday, November 25, 2023

Poema da Última Loucura

 


É preciso que haja

alguma coisa

que nos mova. 

Seja uma esperança,

um sonho, 

um desejo,

a lembrança de uma noite

ou de um beijo. 

Talvez apenas a intenção,

sem noção, 

de dançar na Grécia

e quebrar pratos. 

O que não se pode permitir

é a inércia,

o não querer, fazer ou ir, 

a falta da ambição

de busca da emoção, 

de, pelo menos, 

antes de se matar, ou morrer,

não cometer 

a última loucura,

criatura. 

Para ter grandeza, 

é preciso colocar a beleza

da criação,

com gentileza ou não, 

ao menos, no último ato. 


Outra não diz Robert Desnos

 


JAMAIS D’AUTRE QUE TOI

Robert Desnos

Jamais d'autre que toi en dépit des étoiles et des solitudes

En dépit des mutilations d'arbre à la tombée de la nuit

Jamais d'autre que toi ne poursuivra son chemin qui est le mien

Plus tu t'éloignes et plus ton ombre s'agrandit

Jamais d'autre que toi ne saluera la mer à l'aube quand fatigué d'errer moi sorti

des forêts ténébreuses et des buissons d'orties je marcherai vers l'écume

Jamais d'autre que toi ne posera sa main sur mon front et mes yeux

Jamais d'autre que toi et je nie le mensonge et l'infidélité

Ce navire à l'ancre tu peux couper sa corde

Jamais d'autre que toi

L'aigle prisonnier dans une cage ronge lentement les barreaux de cuivre vert- de-grisés

Quelle évasion!

C'est le dimanche marqué par le chant des rossignols dans les bois d'un vert tendre l'ennui des petites filles en présence d'une cage où s'agite un serin tandis que dans la rue solitaire le soleil lentement déplace sa ligne mince sur le trottoir chaud

Nous passerons d'autres lignes

Jamais jamais d'autre que toi

Et moi seul seul seul comme le lierre fané des jardins de banlieue seul comme le verre

Et toi jamais d'autre que toi.

 

JAMAIS OUTRA QUE TU

Jamais outra diferente de ti, apesar das estrelas e da solidão

Apesar das mutilações das árvores ao cair da noite

Jamais outra que tu que vai perseverar no seu caminho, que é o meu

Quanto mais você avança é maior sua sombra

Jamais outra que não tu vais saudar o mar ao amanhecer quando fatigado me deixar vagar

pelas florestas escuras e nos arbustos de urtiga, caminharei em direção à espuma

Jamais outra que tu há de pousar a mão na minha testa e nos meus olhos

Jamais outra, exceto tu e eu, negamos a mentira e a infidelidade

Deste navio fundeado tu podes cortar sua corda

Jamais outra que tu

A águia prisioneira de uma gaiola lentamente devora as barras de cobre verde-cinza

Que fuga!

É domingo marcado pelo canto dos rouxinóis na mata verdejante o tédio das meninas na presença de uma gaiola onde se agita um canário enquanto na rua solitária o sol se move lentamente na linha tênue na calçada quente

Nós passaremos outras linhas

Jamais, jamais outra diferente de ti

E eu sozinho sozinho sozinho como a hera murcha dos jardins suburbanos sozinho como vidro

E jamais outra diferente de ti.

Ilustração: Papo de Cinema.

Outra poesia de Jorge García Prieto

 


Jorge García Prieto

Hoy mi hijo ha dicho: estoy enamorado
de estas piedrecillas blancas.
Abre las sombras de su mano y las muestra,
resplandecen como un puñado de diamantes en una bolsa oscura.
Estoy enfermo de amor, pero la carne de mi amor termina
y enloquezco.
Dios no tiene que afinar los pianos,
Dios es la música. Solo escucho a Dios
cuando sostengo estos cristales.
Luego desciendo y enloquezco
porque sin ellos, la vida es una lasca de porcelana
y en mi tiempo no hay isla para otra cicatriz.

Hoje meu filho disse: estou apaixonado

por estas pedrinhas brancas.

Abre as sombras de sua mão e as mostra,

resplandecem como um punhado de diamantes em uma bolsa escura.

Estou enfermo de amor, porém a carne do meu amor termina

e enlouqueço.

Deus não tem que afinar os pianos,

Deus é música. Só escuto Deus

quando sustenho esses cristais.

Logo os desço e enlouqueço

porque sem eles a vida é uma lasca de porcelana

e no meu tempo não há ilha para outra cicatriz.

Ilustração: Alice Varajão. 

 

Monday, November 20, 2023

Poema de Vicente Luis Mora

 

FRACTAL DE TIEMPO

Vicente Luis Mora

Somos la parte de la realidad

que deja de ser ella

para ser

nosotros.

 

La naturaleza

expulsa lejos de sí

microscópicas excrecencias

autoconscientes,

como un perro

sacudiéndose las pulgas.

TEMPO FRACTAL

Somos a parte da realidade

que deixa de ser ela

para sermos

nós.

 

A natureza

expulsa para longe de si

microscópicas excrescências

autoconscientes

como um cachorro

sacudindo suas pulgas.

Ilustração: Patas da Casa.

Sunday, November 19, 2023

Uma poesia de Jorge García Prieto

 


Jorge García Prieto

Mi hijo se droga

como yo me drogué

y mi padre y mi abuelo se drogaron.

Siempre que llega le reviso los ojos

quiero que al despertarse me bese

y al acostarse me bese

que en su mundo florezcan las vicarias

y a lo largo de todo su camino

enormes algarrobos

le proporcionen sombra.

Hijito:

te censuro tanto…

terminaré convirtiéndote en mi antónimo.

 

Meu filho usa drogas

como eu me droguei

e meu pai e meu avô se drogavam.

Sempre que ele chega lhe reviso os olhos

quero que ao despertar me beije

e ao ir para a cama me beijar

que em seu mundo floresçam lilases

e ao largo de todo seu caminho

enormes algarobas

lhe proporcionem sombra.

Filhinho:

te censuro tanto...

terminarei convertendo-te em meu antônimo.

Ilustração: Comunidade Anuncia-te.

 

Uma poesia de Arna Bontemps

 


HOMING 

Arna Bontemps

Sweet timber land

Where soft winds blow

The high green tree

And fan away the fog!

Ah fragrant stream

Where thirsty creatures go

And strong black men

Hew the heavy log!

Oh broken house

Crumbling there alone,

Wanting me!

Oh silent tree

Must I always be

A wild bird

Riding the wind

And screaming bitterly?

REGRESSANDO À CASA

Doce terra de madeira 

Onde suaves ventos sopram 

A árvore verde alta

E afasta a neblina!

Ah! Fragrante fluxo 

Para onde sedentas criaturas vão

E negros homens fortes

Cortam o tronco pesado!

Oh! Casa destruída

Desmoronando ali sozinha,

Me querendo!

Oh! Silenciosa árvore

Devo eu ser sempre

Um pássaro selvagem

Montando o vento

E gritando amargamente?


Saturday, November 18, 2023

POEMA MUDO

 


Que jamais conseguirei dizer tudo

o que penso

me convenço

quando procuro algumas palavras,

e tenso,

encontro outras

que não sei manipular.

Me falta ar.

Calado, no entanto, não fico, nem ficarei.

Embora, talvez, em outra língua

me expressarei

(que, mesmo o português

pode ser vários)

para que não entendam

minhas palavras,

que bem sei,

não agradarão

aos servos, aos néscios,

aos patrocinadores

destes tempos sombrios

e de pessoas invertebradas.

Nem me esforço

para dizer o que não merecem ouvir.

Já nem me importo

em usar a ironia,

que os tolos não conhecem.

Direi apenas

para os que estão mortos

de medo, de falta de coragem,

imersos no poço mais profundo

que sempre há voltas

nas coisas deste mundo

e que há horas

em que só em ficar mudo

se diz tudo.

Se o presente é deles.

O futuro é nosso.

Ilustração: Repórter Sombra.

E de volta ainda Robert Desnos

 


J'AI TANT RÊVÉ DE TOI 

Robert Desnos

J'ai tant rêvé de toi

J'ai tant rêvé de toi que tu perds ta réalité.

Est-il encore temps d'atteindre ce corps vivant et de baiser

sur cette bouche la naissance de la voix qui m'est chère?

 

J'ai tant rêvé de toi

que mes bras habitués en étreignant ton ombre

à se croiser sur ma poitrine

ne se plieraient pas au contour de ton corps, peut-être.

Et que, devant l'apparence réelle de ce qui me hante et me gouverne

depuis des jours et des années,

je deviendrais une ombre sans doute.

O balances sentimentales.

 

J'ai tant rêvé de toi

qu'il n'est plus temps sans doute que je m'éveille.

Je dors debout, le corps exposé à toutes les apparences de la vie et de l'amour et toi,

la seule qui compte aujourd'hui pour moi, je pourrais moins toucher ton front et tes

lèvres que les premières lèvres et le premier front venu.

 

J'ai tant rêvé de toi,

tant marché, parlé, couché avec ton fantôme

qu'il ne me reste plus peut-être,

et pourtant, qu'à être fantôme parmi les fantômes et plus ombre cent fois que l'ombre qui se promène et se promènera allégrement sur le cadran solaire de ta vie.

EU SONHEI TANTO CONTIGO

Eu sonhei tanto contigo

Sonhei tanto que tu perdeste a realidade.

Ainda dá tempo de chegar neste corpo vivo e beijar

nesta boca o nascimento da voz que me é amada?

 

Eu sonhei tanto com contigo

que meus braços tão acostumados a abraçar tua sombra

cruzar no meu peito

não se adaptariam ao contorno do teu corpo, talvez.

E diante da aparência real daquilo que me obcecou e me governou

por dias e anos,

sem dúvida me converteria numa sombra.

 

Ó balanços sentimentais.

Eu sonhei tanto contigo

que provavelmente já não é tempo de despertar.

Durmo em pé, meu corpo exposto a todas as aparências da vida e do amor e tua,

a única que hoje conta para mim, hás de saber que seria mais difícil tocar tua testa e teus

lábios do que os primeiros lábios e a primeira testa que surgir.

 

Eu sonhei tanto contigo,

tanto caminhei, conversei, dormi com teu fantasma

que talvez eu não tenha mais saída, senão,

e ainda assim, ser um fantasma entre os fantasmas e cem vezes mais sombra do que a sombra que caminha e caminhará alegremente no relógio de sol da tua vida.

Ilustração: Facebook.

E, ainda uma vez mais, Miguel Hernández

 


ROPAS CON SU OLOR

Miguel Hernández

Ropas con su olor
Paños con su aroma.
Se alejó en su cuerpo,
Me dejó en sus ropas.
Lecho sin calor,
Sábana de sombra.
Se ausentó en su cuerpo.
Se quedó en sus ropas.

ROUPAS COM SEU PERFUME

Roupas com seu perfume

panos com seu aroma.

Foi embora em seu corpo,

Me deixou com suas roupas.

Leito sem calor,

Folha de sombra.

Se ausentou em seu corpo.

Se alojou nas suas roupas.

Ilustração: Passaporte Fashionista.