Wednesday, February 15, 2006

AOS MALDITOS


O ouro, o dólar, o franco, a libra, a lira
-São entidades fantásticas em curvas
Estatísticas em que minha razão delira
Entre potes, arco-íris, trovões, chuvas.
Como tudo me confunde! Altas margens,
Equilíbrios delicados, spreads, taxas de juros
Às vezes me soam como ridículas miragens
Que, no entanto, resistem aos esconjuros.

Negócios, negócios são apenas negócios -
Repetem-se por luas, por quadrantes
Almas inteligentes, enfáticos beócios,
Movem empresas, lucros gigantes,
E tudo se vende, compra, embala
Por escritórios, lojas, supermercados
Onde vale e falam a velha fala
Do dinheiro que afasta os delicados.

Limitado e vasto mundo do poder!
O cultivo silencioso do segredo
Do movimento, do sopro do querer
Que com uma ordem cria dor e medo
Sem que tenha ciência ou leve nojo,
De vez que o lar, a ordem são assépticos
E os novos guerreiros cuidam do despojo
E do contentamento de seus gostos estéticos.

Meu poema, minhas palavras sem valor
Não encontram procura no mercado
Tão inúteis quanto de graça, dado, o amor,
Que só interessa se tem preço marcado.
Assusto-me de que se calem, acostumadas,
As pessoas com a dor e a insensibilidade
E as revoltas comprimidas, mudas, caladas
Se esgotem no sexo, no álcool ou na maldade.

Mudar, porém... só de negócios se pensa.
Qualquer mudança, no fundo, encoberta
Ostenta para algum grupo recompensa
Ou serve para escapar da dívida que aperta.
A vida é lucro - diz o grande empresário.
A vida é o salário - diz o pobre trabalha/dor
Envolvidos no embrutecimento diário
Nenhum seque vive o melhor: o amor.

De forma que a vida segue silenciosa
Igual na ausência de seiva e conteúdo.
Diferente a embalagem, em celofane, da rosa
Visando alcançar um preço mais graúdo.
Enfim numa civilização assim apenas resta
A possibilidade dos que quebram ritos
Dos que marginais fazem do dia a festa
Do diverso. Felizes e ditosos os malditos!
(Do livro Imagens da Incerteza).

2 comments:

Lia Noronha said...

Silvio : débito e crédito...débito e crédito...nesta grande roldana da ambiçao...perdemos tanto amor!

Bom fim de semana amigo e volta logo!
saudades...beijinhos bem carinhosos
diretamente do meu Cotidiano.

Saramar said...

Silvio,
A vida foi tão desvirtuada, tão atravessada por essas questões da posse, do ter e ficamos assim, faltando um pedaço.

beijos