Monday, February 28, 2022

O CARNAVAL ACABOU

 


O carnaval acabou, meu amor.

Já esqueci quando a última escola desfilou

e o som dos tamborins e das cuícas

só na minha memória fica.

Agora todo mundo anda mascarado

todo tempo

e as quadras não tem mais animação.

Nem se fala mais em fazer samba enredo

e fantasia só na imaginação.

Parece que os ricos

não querem deixar o pobre ser feliz

nem se pode mais ter futebol e carnaval.

Do jeito que andam

massacrando o nosso povo,

logo, logo aparece um decreto novo

cobrando imposto

para respirar pelo nariz.

O carnaval acabou, meu amor,

mas vou te beijar de qualquer jeito.

Pelo menos, por enquanto,

ao amor temos direito.

E é melhor aproveitar,

pois, do jeito que as coisas andam

vamos ter de andar de quatro

por ordem dos que mandam!

COMO SE....

 


Não creio em nada mais, ó criatura,

Se não vejo o escuro nem sequer a luz.

Até se falo mais de uma língua

Nenhum significado minha boca produz.

 

É que em minha vida tudo se desfigura

Como pétalas de uma rosa fenecida,

E se, para um deus, ainda faço juras,

Não creio nesta quanto mais em outra vida.

 

Desalentos, tédios e cansaços

São o que me sobram de toda brincadeira

E quedo mole, pernas e braços lassos.

 

E, para recuperar-me de todas as canseiras

Invento poesias, desenhos, traços 

Como se as coisas fossem verdadeiras.

Ilustração: http://blogdoalanribeiro.com.br/. 

XIV

 


De repente me vi no supermercado dos sonhos,

com prateleiras repletas de tudo que se pode imaginar,

e, estava tudo ali, era só pegar.

Examinei com cuidado cada mercadoria

na ilusão de que poderia,

entre os doces, as compotas, o mel e até o açúcar

encontrar alguma coisa com a tua doçura

e, nas bebidas, qualquer coisa

que pudesse me embriagar tanto.

Nem em sonho encontrei nada.

É por isto que te canto,

minha amada!

(De "Cem Poemas em Cem Dias", Editora Viseu, 2021).

Ilustração: https://harpersbazaar.uol.com.br/.


E, de volta, Raul Quinto

 


Raul Quinto

de dónde viene lo que no puede venir

desde qué cuándo

qué es este aquí que sucede
este ahora por qué

esta corola de flor de vértigo
ardiendo al otro lado
de dónde viene si no puede venir

de onde vem o que pode vir

desde que quando

 

o que é isto que aqui sucede

este agora porque

 

esta coroa de flor de vertigem

ardendo do outro lado

de onde vem se não pode vir

Ilustração: IDEC.

 

Elizabeth Alexander

 


APOLLO

Elizabeth Alexander

 

We pull off

to a road shack

in Massachusetts

to watch men walk

 

on the moon. We did   

the same thing

for three two one

blast off, and now

 

we watch the same men   

bounce in and out

of craters. I want

a Coke and a hamburger.

 

Because the men

are walking on the moon   

which is now irrefutably   

not green, not cheese,

 

not a shiny dime floating   

in a cold blue,

the way I'd thought,

the road shack people don't

 

notice we are a black   

family not from there,   

the way it mostly goes.   

This talking through

 

static, bounces in space-

boots, tethered   

to cords is much   

stranger, stranger

 

even than we are.

APOLO

Nós fomos

para um barraco de estrada

em Massachusetts

observar os homens andarem

 

sobre a Lua. Nós fizemos

a mesma coisa

para três dois uma vez

decolar, e agora

 

nós assistimos os mesmos homens

saltarem para dentro e para fora

de crateras. Eu preciso

de uma Coca-Cola e um hambúrguer.

 

Porque os homens

estão andando na lua

que agora é irrefutavelmente

não é verde, nem de queijo,

 

não é um centavo brilhante flutuando

no frio azul

da forma que eu pensava,

as pessoas do barraco de estrada não

 

reparam que somos uma família

negra que não é de lá,

de forma que, na maioria, das vezes,

ficam falando através

 

de estática, de saltar no espaço-

botas, amarradas

aos cabos é muito

estranho, estranho

mesmo mais do que nós.

Ilustração: Hipercultura.

 

 

Thursday, February 24, 2022

Talvez não compreendas dá uma saudade de Dom Maurilio Galvão

 


Alejandro Céspedes

E, sem embargo, todas as indigências nos levam ao amor.

Talvez não compreendas

que tudo o que está à margem nos situa

no meio de seu sumidouro escuro.

Talvez não compreendas, amar é a intenção,

porém o amor é sombreado por perguntas,

as cem mil faces da mesma ruína.

Compartilhamos suas ruínas sem insistir nelas,

sem levantar ficções nem causas refratárias, sem ressentimentos

porque pintamos as balizas de preto

que teriam nos salvado de encalhar na perda,

sem todas as suas metástases, sem ardor nem ridículo,

sem encher nossa inocência com napalm…

No melhor renasceríamos. Talvez não compreendas

Que no melhor renasceríamos

sem avaliar a água que despejamos,

sem dar à balança o pão que não comemos,

sem levantar as forcas do receio,

sem expiar nelas os pecados que nos inocularam

esses ganchos do antigo abandono que nos tornam parentes

de qualquer solidão insuportável.

Talvez não compreendas...

O sangue não nos mancha.

A chuva não nos molha.

A luz só serve

para beijar a boca da ferida.

Ilustração: Portal Raízes.

Wednesday, February 23, 2022

Outra poesia de Alejandro Jodorwsky

 


También de amor debe hablar el poeta (8)

       Alejandro Jodorowsky        

Mientras tu carne envejece te has quedado fija

padeciendo el goce de una eterna Anunciación

Tú haces que en el cielo formen los pájaros

la primera letra de una nueva Biblia

y tejes con la sangre del Hijo otro universo

donde cualquier mujer por humilde que sea

puede andar cada día sobre la superficie del agua

Verdadero arte es aquel que por fin nos permite

disolvernos en Tu sueño para olvidar el nuestro.

O poeta também deve falar de amor (8)

     Alejandro Jodorowsky           

Enquanto sua carne envelhece hás ficado fixo

padecendo o gozo de uma eterna Anunciação

Tu fazes nos céus formem os pássaros

a primeira letra de uma nova Bíblia

e teces com o sangue do Filho outro universo

onde qualquer mulher, por humilde que seja

possa andar a cada dia na superfície da água

A verdadeira arte é aquela que por fim nos permite

dissolvermos em Teu sonho para esquecer o nosso.

Ilustração: Ventos da Paz. 


E voltamos com Eloy Sánchez Rosillo

 


All passion spent

     Eloy Sánchez Rosillo          

Cuánto trabajo cuesta, cuando la dicha acaba,

admitir que acabó y aceptar dignamente

esa nada terrible que sigue a la hermosura.

Ha cesado el encanto y ya no somos dueños

de aquella llamarada: tanta luz, maravilla

de lo que siendo efímero semeja eternidad.

Ahora vuelven los días a ser hábito triste,

tiempo destartalado en el que va cumpliéndose

nuestro destino de hombres. "No puede ser-decimos-

verdad esta indigencia en que nos ha dejado,

de repente, la vida; un mal sueño nos tiene."

Y removemos, tercos, la escoria de la luz.

Pero nada encontramos. Y respiramos muerte.


        Toda paixão passada

 Quanto trabalho custa, quando a felicidade acaba,

admitir que acabou e aceitar com dignidade

aquele nada terrível que se segue à beleza.

O encanto cessou e nós não somos mais donos

daquele clarão: tanta luz, maravilha

do que sendo efêmero se assemelha à eternidade.

Agora os dias voltam a ser triste hábito,

tempo desorganizado em que vai se cumprindo

nosso destino dos homens. "Não pode ser - dizemos

verdade esta indigência em que nos há deixado,

de repente, a vida; um sonho ruim nos tem ".

E nós removemos, teimosamente, a escória da luz.

porém nada encontramos . E nós respiramos a morte.

Ilustração: Mulher de Valor.

Tuesday, February 22, 2022

O amor, a moeda falsa

 


O amor é uma moeda inflacionária,

cambiante, volátil.

Uma moeda, sem dúvida, de risco, sem lastro,

emitida ao acaso por um país imaginário.

O amor é a moeda dos amantes,

uma criptomoeda amparada no desejo

que sobe num toque, num beijo,

se valoriza sem tamanho na posse

e, de repente, parece

que o que dividimos se perdeu,

no espaço ou no tempo, quem sabe,

e sem preço, observamos,

que a moeda não vale mais nada

e o pior, na sua busca investimos tanto

que até parece que não há mais saída.

Engano nosso:

o amor, por ser irreal e imponderável,

ressurge como moeda,

de outra forma,

e o inexplicável:

continua sendo amor

e, na sua falsidade, extremamente verdadeiro.

Ilustração: Dreamstime.

E, de volta, Juan Carlos Abril

 


MUNDO ORTIGA

 Juan Carlos Abril

                                                                             Diana nemorensis

 

Unos harapos débiles de luz

cubren la estatua, o falsa luna

- antigua caracola ya sin ánimo-                   

 

en la ausencia obsesiva de deseo.

¿Por qué las cosas se persiguen

con más placer que se disfrutan?

 

Sólo quedan imágenes: El velo

en el espino desgarrado;

la soledad de la naturaleza;

                                                  

tus ojos cráteres vacíos.

 

MUNDO URTIGA

Uns fiapos débeis de luz    

Cobrem a estátua ou a falsa lua

-antiga concha já sem animo-

 

na ausência obsessiva do desejo.

Por que as coisas se perseguem

com mais prazer que se desfrutam?

 

Só restam imagens: o véu

no espinho desgarrado;

a solidão da natureza;

 

teus olhos crateras vazias.

Ilustração: https://www.noticiasdejardim.com/.

Outra poesia de Alejandro Céspedes

 


Alejandro Céspedes

Dios del relativismo que todo lo devastas.

Con tus hordas de insectos nos roes las cortezas

de los sueños cumplidos y tiras a la duerna de los cerdos

aquellos que podrían realizarse.

Se nos llena la boca de la palabra humano

y solo somos prédicas brevemente enunciadas,

síntesis de la estética y la estática de todos los que esperan

que Godot comparezca por fin en el proscenio.

Solo somos los cinco personajes en esa reconquista

ritual que se repite cada vez que se encienden

las luces de la escena.         

 

Pero Godot es una verdad inagotable,

realidad que no acepta renunciar a ninguno

de los cuerpos posibles, y sin embargo…

 ***

Deus do relativismo que tudo devastas.

Com suas hordas de insetos nos rói as cascas

dos sonhos concretizados e atiras no cocho dos porcos

aqueles que poderiam se realizar.      

Nossas bocas estão cheias da palavra humana

e somos apenas sermões brevemente enunciados,

sínteses de estética e estática de todos os que esperam

que Godot compareça por fim no proscênio.

Somos só os cinco personagens nessa reconquista

ritual que se repete cada vez que são ligadas

as luzes da cena.

Foto: Bob Sousa.

 

Porém Godot é uma verdade inesgotável,

realidade que não aceita renunciar a nenhum

dos corpos possíveis, e sem embargo...