Saturday, March 16, 2024

A Porta depois da porta

 


Vivo sempre procurando

a porta que não fecharam,

talvez por esquecimento 

ou a pressa do momento.

E quando encontro no beco,

no beco que não tem saída,

mesmo estando escancarada

é imprevista como a vida. 

Depois dela há outra porta, 

uma porta maciça, fechada

que precisa de uma chave

de um fechadura que não abre.

E nenhum chaveiro sabe 

abrir esta porta instransponível,

de forma que é terrível 

achar a porta aberta 

para saber que é impossível 

ir na direção correta 

do que não se conhece

e, infeliz, do que acerta.

Pois depois de uma porta aberta

há sempre uma fechada,

como se a felicidade 

sempre terminasse em nada.  

Ilustração: Fórum Outspacer. 



Friday, March 15, 2024

Amor e Espaço

 


Se respiro, respiro por teu nariz. 

Se beijo, beijo apenas por tua boca.

 Se falo, minha voz é quente, rouca, 

Pois, se vivo é para te ver feliz. 


Se calo, ouço o que tu dizes,

 Pois, tu és, deusa, o meu oráculo. 

Te olhar, por ser meu único espetáculo, 

É por rosas em meu caminho, lises. 


Se ando, meu destino são teus braços 

Que, igual ao teu corpo tem veneno,

 E se, prá nós o mundo é tão pequeno, 

O amor maravilhoso cria espaços!

Ilustração: Gabriel Gajdos. 

Uma poesia de Kim Addonizio que vai passar



THIS TOO SHALL PASS

Kim Addonizio

was no consolation to the woman

whose husband was strung out on opioids.

 

Gone to a better place: useless and suspect intel

for the couple at their daughter’s funeral

 

though there are better places to be

than a freezing church in February, standing

 

before a casket with a princess motif.

Some moments can’t be eased

 

and it’s no good offering clichés like stale

meat to a tiger with a taste for human suffering.

 

When I hear the word miracle I want to throw up

on a platter of deviled eggs. Everything happens

 

for a reason: more good tidings someone will try

to trepan your skull to insert. When fire

 

inhales your house, you don’t care what the haiku says

about seeing the rising moon. You want

 

an avalanche to bury you. You want to lie down

under a slab of snow, dumb as a jarred

 

sideshow embryo. What a circus.

The tents dismantled, the train moving on,

 

always moving, starting slow and gaining speed,

taking you where you never wanted to go.

ISTO TAMBÉM DEVE PASSAR

não há consolo para a mulher

a qual o marido usa drogas ou se vicia em opioides.

 

Foi para um lugar melhor: inúteis e suspeitas informações

para o casal no funeral da filha

 

embora existam lugares melhores para estar

do que uma igreja gelada, de pé em fevereiro

 

diante de um caixão com uma princesa de motivo.

Alguns momentos não podem ser facilitados

 

e não adianta oferecer clichês como obsoleta

carne para um tigre com gosto de sofrimento humano.

 

Quando ouço a palavra milagre tenho vontade de vomitar

numa travessa de ovos apimentados. Tudo acontece

 

por uma razão: mais boas notícias alguém irá tentar

para escalar seu crânio para inserir. Quando fogo

 

inalar sua casa, você não se importará com o que o haicai diz

sobre ver a lua nascente. Você quer

 

uma avalanche para enterrar você. Você quer deitar

debaixo de uma placa de neve, mudo como um abalado

 

embrião secundário. Que circo.

As tendas desmontadas, o trem seguindo em frente,


sempre em movimento, começando devagar e ganhando 

velocidade, levando você aonde você nunca quis ir.

Ilustração: O Tempo.

 


Outra poesia de Consuelo Iturraspe

 


CLONAZEPAM

Consuelo Iturraspe

Debería haberte dicho algo brillante,

el abandono no es un barco

que zarpa a la mañana, por ejemplo.

Ahora dormís y se te escapa

que yo también puedo

hacerte cosquillas en la nuca

leyendo en voz alta libros

escritos por mujeres.

Este año hubo pérdidas,

sopló el viento

sobre nuestros ojos inflamados,

pero el que viene, por favor cambiemos

pastilla por poema.

Si dormimos,

cómo vamos a escuchar el mar,

quién va a ofrecer la espera,

qué van a iluminar los veladores.

CLONAZEPAM

Deveria ter te dito algo brilhante,

o abandono não é um barco

que zarpa de manhã, por exemplo.

Agora dormes e te escapa

que eu também posso

fazer cócegas na nuca

lendo livros em voz alta

escrito por mulheres.

Este ano houve perdas,

soprou o vento

em nossos olhos inflamados,

porém o que vem, por favor, vamos mudar

pílula por poema.

Se dormirmos,

como vamos ouvir o mar,

quem vai oferecer a espera,

o que as velas vão iluminar?

Ilustração: UOL.

Wednesday, March 13, 2024

POEMINHA DA INDIFERENÇA APARENTE



Eu te peço perdão por te pedir 

para ser razoável

quando sei 

que todo amor notável

se exprime por não ter medida 

nem reconhecer na vida

que haja uma senha

ou um guia de bons modos 

para o amor se comportar.

É terrível-isto nunca te digo-

não saber como você está

nem perguntar 

se está bem

quando os dias vão e vem

e fingir, mesmo sabendo,

que deveria te ligar,

que não ligo. 

Como se o maior perigo

não fosse saber 

que meu maior castigo

seria te perder.

Ilustração: Wattpad.

(De "Poemas Malcomportados", Rio de Janeiro, Courier Brasil, 2021). 

Uma poesia de Consuelo Iturraspe



NO TE ESCRIBO 

Consuelo Iturraspe

Acaricio perros
en la calle,
les saco fotos
a palomas arrolladas
por un Uber.
Todo lo que me gusta
es pequeño,
está muerto
o tiene un libro en la mano.

NÃO TE ESCREVO

Eu acaricio cachorros

na rua,

eu tiro fotos deles

para pombos rolados

para um Uber.

tudo que eu gosto

é pequeno,

está morto

ou tem um livro na mão.

Ilustração: Vilto Reis.com. 


Uma poesia de Brad Walrond

 


CALCULUS I, II, III

Brad Walrond

man hooded masquerade

a museum erected out of paper-mâché stone,

blue cotton candied walls hung thick and long

with rooms full of master’s Egos

 

copied Cats

cut and paste

plantation’s hegemony

onto trace paper canvas

 

young guns born too brown for they britches

pen-in to kindergarten’s cage

where boys are convinced, this calculus

 

—how one body

relates to another—

 

that disturbs all the peace

 

is the same as learning

their one two threes

 

evidence contrary to belief

our boys learn fast

science must be, I guess?

 

a hyper masculine story

washed brains don’t rinse so simple

in and out of class

the curriculum writes itself

 

soft boys die hard

hot head & class clown grow contagious;

broad shoulders & differential equations

caliber inches into glocks

 

every where we look

Our highest dimensions

Learn their limits

Without degrees

CÁLCULOS I, II, III

O homem mascarado com capuz

um museu erguido em pedra de papel machê,

paredes de algodão doce azul penduradas grossas e compridas

com salas cheias de egos de mestres

 

gatos copiados

copiar e colar

hegemonia da plantação

em tela de papel vegetal

 

jovens armas nasceram demasiado castanhos para calças.

canetas internas para a gaiola do jardim de infância

onde os meninos estão convencidos, esse cálculo

 

-como um corpo

se relaciona com outro -

 

que perturba toda a paz

 

é o mesmo que aprender

seus um dois três

 

evidência contrária à crença

nossos meninos aprendem rápido

a ciência deve ser, eu adivinho?

 

uma história hiper masculina

cérebros lavados não são enxaguados tão simples

dentro e fora da aula

o currículo se escreve sozinho

 

garotos suaves são difíceis de morrer

cabeça quente & palhaço de classe são contagiosos;

ombros largos e equações diferenciais

calibre polegadas em armas

 

para onde quer que olhemos

Nossas dimensões mais altas

Aprender seus limites

Sem diplomas

Ilustração: Vida Simples.

MEMÓRIAS DE NAPOLEÃO

 


“É melhor não ter nascido do que viver sem glória”  (Napoleão Bonaparte)

Ah, nascer numa ilha da Córsega,

Apesar do meu pequeno tamanho,

Talhado para a grandeza,

Não é para qualquer um.

Para conquistar a Europa e criar a realeza

Com uma liderança tão forte e delicada,

Que misturava o amor e a espada,

Me tornou um ser dominador:

O homem de todas as mulheres

E a mulher de todos os homens!

Claro que a inveja sempre tece

Intrigas e o poder traz desamor e ódio,

Tanto que falavam do meu nariz de palha

E coisas mais absurdas como, por exemplo,

Que minha mulher foi a maior prostituta da França,

Quando somente tinha uma forte volúpia.

Por mais generosa que fosse

(E ela era, mesmo sendo uma mulher doce)

Não poderia dar aos doze, em pares,

E usavam até análise combinatória para denegrir

(o que até me fazia desdenhar e sorrir)

Que, na sua carne, teriam se hospedado mais homens

Que todos os meus batalhões!

Queriam derrubar minha glória

Com coisas tão irrisórias em vão.

Só em Waterloo explodiram minha história.

Mas soldados e cavalos por mim tombaram

E, mesmo assim, não ofuscaram Austerlitz.

Não seria um Champollion chinfrim

Que apenas decifrou hieróglifos

Em festins devassos, que sufocaria meus feitos.

Nem na Ilha de Elba o legado foi desfeito.

Meu poder imperial somente sucumbiu

No exílio letal de Santa Helena.

Porém jamais poderão afirmar

Que minha herança foi pequena!

MEMORIES OF NAPOLEON

"It is better not to have been born than to live without glory" (Napoleon Bonaparte)

Ah, to be born on an island in Corsica,

Despite my small size,

Cut out for greatness,

It's not for anyone.

To conquer Europe and create royalty

With such strong and delicate leadership,

That mixed love and the sword,

It made me a domineering being:

Every woman's man

And the woman of all men!

Of course envy always weaves

Intrigues and power bring lovelessness and hatred,

So much so that they talked about my straw nose

And more absurd things like, for example,

That my wife was the biggest prostitute in France,

When she only had strong voluptuousness.

No matter how generous she was

(And she was, even though she was a sweet woman)

I could not give to the twelve, in pairs,

And they even used combinatorial analysis to denigrate

(which even made me sneer and smile)

That, in her flesh, more men would have lodged

May all my battalions!

They wanted to tear down my glory

With such ridiculous things in vain.

Only in Waterloo did my story explode.

But soldiers and horses fell for me

And even so, they did not overshadow Austerlitz.

It wouldn't be a cheesy Champollion

Who only deciphered hieroglyphics

In wanton feasts, which would suffocate my achievements.

Not even on Elba Island was the legacy undone.

My imperial power only succumbed

In lethal exile from Saint Helena.

But they can never say

That my inheritance was small!

Ilustração: iGenea.

(De “Poemas Malcomportados”, Rio de Janeiro, Editora Litteris, 2022).

Tuesday, March 12, 2024

Outra poesia de María González



María González

Recuerdo tu imagen difusa,

el olor a grapas, el calostro retenido.

 

La nube de mis ojos;

conocer tus gritos tras la niebla.

 

Tú creciendo en mi regazo

y yo

ausente.

Recordo-me da sua imagem difusa,

o cheiro dos alimentos, o colostro retido.


A nuvem dos meus olhos;

conhecer seus gritos por trás da nevoa.


Você crescendo no meu colo

e eu

ausente.

A Poesia Existe



A poesia existe.

Alegre ou triste,

bela, bisonha, bizarra.

A poesia é de quem esbarra

na beleza

seja das palavras,

dos fatos, da natureza.

A poesia há.

Está em toda parte,

no chão, no pão, no ar,

como imprescindível arte.

E não pertence ao poeta,

nem pertence ao leitor,

não pertence à ninguém.

A poesia é de quem,

incauto, 

sente a surpresa

de compreender

que se precisa de poesia

para viver.

Ilustração: Psicologia.


Uma poesia de María González


María González 



A pesar del desastre

tengo esperanza porque tú existes.

Apesar do desastre

tenho esperança porque tu existes. 

Ilustração: Grande Adega. 

MINIMALISMO

 


Só preciso do essencial

o supérfluo é banal

como o teu olhar espantado

com o meu toque de mão

nada casual.

Você nem pensava

que eu precisava

do que preciso.

Vamos me dê um beijo,

me dê teu sorriso,

agora que você já sabe

qual é o mínimo

do que preciso.

Ilustração: Spirit Fantics &Histórias.

Uma poesia de Allison Joseph

 


 

Incognito Grief: A Blues

Allison Joseph

Who knows the secrets in my gaze?

What holds me back when I might choke?

Who sees beyond my taut hellos

To see the grief etched on my face?

Nobody knows what lurks within;

Nobody brings me back again.

Who needs to disappear for a while?

Who sings my name beyond the veil?

Who has my memories, my tales?

Who’s lurking in my carpet’s dust?

Nobody feels this weight beneath my skin.

Who knows I’m grieving as I walk?

Who has the list of gravity’s costs?

Nobody but the man I’ve lost.

LUTO INCÓGNITO: UM BLUES

Quem conhece os segredos do meu olhar?

O que me impede quando posso engasgar?

Quem vê além dos meus tensos olás

Para ver a dor gravada no meu rosto?

Ninguém sabe o que se esconde dentro;

Ninguém me traz de volta de novo.

Quem necessita desaparecer por um tempo?

Quem canta meu nome além do véu?

Quem tem minhas memórias, meus contos?

Quem está escondido na poeira do meu tapete?

Ninguém sente este peso sob minha pele.

Quem sabe estou enlutado enquanto caminho?

Quem tem a lista dos custos da gravidade?

Ninguém além da mulher que perdi.

Ilustração: Nomoblidis.