Friday, December 31, 2021

Salmo de Ano Novo

 


Longe soam, as notas do clarim, sons poderosos 

Arautos de um novo tempo 

Que fazem fortes e felizes nossas vidas passageiras.

Nós requentamos, com o óleo do otimismo, as nossas 

esperanças 

E esquecemos a espada trocando-as pelas danças 

E nos tornamos, inesperadamente, ótimos dançarinos. 

Que toquem os sinos

Que o nosso amor seja a argamassa 

Dos dias felizes 

Dos caminhos não percorridos por nós e pelos ventos. 

Que os deuses nos tragam de volta nossos sonhos de outrora 

E possamos, satisfeitos de amor, saudar a aurora 

Felizes com o novo amanhecer 

Preparados para cantar, sorrir, viver 

Um Novo Ano.

(De "Poemas Malcomportados", Editora Literris, 2021). 



XCIX

  


   Uma hora,

quando isso tudo passar

e as ruas, de novo, fervilharem,

poderemos beber um café,

brindar num bar

a sorte de sermos sobreviventes.

Iremos relembrar

e chorar por alguns amigos

que ficaram no caminho

e nos sentiremos abençoados

por estarmos vivos.

 

Talvez, algumas lágrimas

que nos escorram, esconderemos,

por tanto tempo perdido,

por tantos dias isolados,

porém, há de nos consolar

o fato de que outros sofreram

muito mais

e, mais uma vez, brindaremos

o nosso feliz destino.

 

Com a superação dos tempos sombrios,

recuperar a alegria

será o nosso desafio.

Embora, ainda iremos olhar

para o lado

com um ar desconfiado,

ao relembrar o passado

reconhecendo

o quanto somos frágeis.

 

Pode esperar um forte abraço,

uma emoção desatada

e uma gargalhada

que, se for um pouco nervosa,

não estranhe

nem tudo ainda será cor de rosa

e a sombra da névoa recente

ainda pesará, um pouco,

sobre os dias em nossa frente.

 

Uma hora,

quando tudo isso passar,

a beleza da vida voltará a brilhar

e seremos felizes novamente.

 

E tudo isto será uma triste lembrança, felizmente!

Ilustração: Legião dos Heróis


 

C

Thursday, December 30, 2021

LVI


 Canto porque cantar é minha vocação.

Canto canções que sei

ou desconheço.

Canto em grego, latim

e francês.

Canto por qualquer coisa,

por qualquer preço.

Fazer outra coisa não farei.

 

Canto

pelas coisas que passam,

pelas coisas que ficam,

por não saber porque canto.

 

Canto

pelo momento,

pelo encanto de cantar.

Canto

porque quando canto

lembro que nasci para te amar.

Ilustração: Somos Música. 


SUSTINHO

 



Mamãe, Tenho um breve comunicado: 

Fiz algo muito errado. 

Tomei seu namorado. 


Sei. É um homem muito mais velho do que eu, 

Mas quem, numa noite, já não se perdeu? 

E, convenhamos, pagando tantas despesas,

Deve ter uma boa conta bancária. 

Posso ser jovem, porém não otária.

Aprendi a lição de tanto repetir. 

Não seria qualquer um 

Que iria me seduzir. 


Mamãe, Repito o que me disse: 

Seja uma mulher de classe! 

Se errei ? tudo bem ?, 

valorizei meu passe.

 O resto é tolice e se ajeita. 

Só abusei de sua receita. 


Não fique triste à toa. 

Depois da notícia ruim 

Tenho uma boa:

 Parabéns, coroa! 

Ou será melhor dizer vovó! 

Ilustração: https://www.lbbottons.com.br/. 

(De "Poemas Malcomportados" , Editora Litteris, 2021).

Tuesday, December 28, 2021

Cancãozinha para você


 

Se você disser que me ama

(o que já faz tanto sem palavras)

colocarei para tocar nossa canção

e, suavemente, pegarei na tua mão

                                            para dançar...

Sei que irás rir

me dizendo que não tenho ritmo,

mas, te direi:-que importa?

Só o amor nos torna menos ridículos

e te beijarei com a sensação

de que o melhor de nossas vidas

é esta doce ilusão,

quando juntos,

somos felizes!

Monday, December 27, 2021

Homem Objeto

 


Tua delicadeza é feita de unhas afiadas 

que me arranham, cortam 

e me desenham o corpo 

com linhas e riscos obscuro

s no teu abraço de virgem e de serpente. 


Nem tens cuidado com a pele delicada 

ou pensas que as forças me acabam; 

me sugas com a soberba dos deuses

 e a voracidade das piores feras. 


Já eras – me dizes –, enquanto as mãos

 febris querem extrair mais de onde não há 

e a língua e os dentes se põem a passear 

com um sorriso de quem há de tirar a última gota.


E só tenho como última lembrança antes do sono 

o calor do teu desejo apaixonado e raivoso s

e satisfazendo como pode sobre meu ser inerte 

que adormece feliz de ser teu objeto.

Ilustração: Amiga da Leitora. 

(De "Poemas Malcomportados", Editora Litteris, 2021). 




Um poema de Hernan Bravo Varela

 


Hernan Bravo Varela

NADIE escucha nuestro llamado. Gorriones,
primaveras, mirlos y abubillas son el ruido blanco
de nuestra charla para cuando la época termine.
Una banca sobrenatural; dos caretas de plástico, sucias
como un coche atravesando el espejismo de un desierto,
mientras el conductor y el copiloto alcanzan a ver,
detrás del parabrisas, una tormenta perfecta.

 

NINGUÉM escuta nosso chamado. Pardais,

primaveras, melros e cascos são o ruído branco

da nossa conversa para quando o tempo terminar.

Um banco sobrenatural; duas máscaras de plástico sujas

como um carro passando pela miragem de um deserto,

enquanto o motorista e o co-piloto conseguem ver,

atrás do pára-brisa, uma tempestade perfeita.

Ilustração: Mitch Dobrowner.

XXVI

 


Ah! Dona mosquinha,

sua mosca tosca,

vem, logo agora,

em plena pandemia

abusar assim

de minha companhia?

Vem, com seu zumbido,

nesta infausta hora

me importunar

como se soubesse

que sem inseticida

não posso te pegar.

Tento te matar,

mas da raquete zomba,

do pano, da toalha,

da mão que em vão tomba

sem meios de alcançar

essa criaturinha

que, tão rapidinha,

consegue escapar.

Mosca brincalhona

que faz a maior zona

sem em nada alterar

seu voo regular.

Como suportar

essa praga urbana

que, por zombaria,

talvez ironia,

cai devagarinho

e se afoga de mansinho,

sem a menor graça,

na última taça

de meu melhor vinho?

De "Cem Poemas em Cem Dias". 




 

Sunday, December 26, 2021

POEMA DA DESILUSÃO DO CEGUINHO


Você querer me orientar 

É como um cego recriminar um caolho 

por só ter um olho. 

Devo esclarecer que, 

em termos de visão, 

a sua é mais que perfeita:

não há dúvida que vives da ilusão de ver 

na mais completa escuridão.

Ilustração: https://olugardalinguaportuguesa.blogs.sapo.pt/

BALBÚRDIA

 


Bem mais novo e vaidoso

tive o desejo de ser 

o destruidor das certezas, 

o farol das verdades ocultas, 

o paladino da beleza

e a régua da verdade. 

Hoje, vejo na realidade,

quando as coisas andam tão tortas, 

que o previsivelzinho se tornou improvável

e que o certo, o desejável 

é ficar quieto, ter sombra e coco verde

para não brigar com as línguas podres

e as mentes deturpadas.

Assim me tornei covarde

até por não adiantar nada

desejar colocar ordem no caos.

Aprendi, com muito estudo, 

que o amor não vence tudo, 

mas, dá um prazer danado 

e a capacidade inigualável 

de rir de uma balbúrdia inimaginável. 

Ilustração: Alessandra Fratus. 

 

Friday, December 24, 2021

XCVI

 


Caíram argueiros

nos meus olhos.

Vem me valer,

Santa Luzia,

perna de banco,

nariz de cupim,

com seus cavalinhos

comendo capim.

Ofereço pão.

Não quer não.

Ofereço vinho.

Quer sim.

Ofereço aguardente.

Ri de mim.

Santa Luzia

passa por aqui

traz seu lencinho

pra tirar um cisco

do meu olhinho

e ver o mundo

mais bonitinho.

Se nada enxergo,

a vida é ruim.

Não vejo os belos olhos

do meu amor

olhando pra mim

afirmando, sim,

que nunca

deixou de me amar

sem uma palavra falar

e com aquele jeitinho

que me faz sonhar.

Ilustração: Rosana Nogueira.

 

Mais uma poesia de Manuel Machado

 


OASIS

Manuel Machado

 

Sueña el león.

Junto a las tres palmeras

Se amansa el sol. Existe

El agua. Y Dios deja un momento

Que los pobres camellos se arrodillen...

 

Junto a las tres palmeras,

El árabe, tendido, al fin, sonríe

Y suspira... Damasco

Lejos aún le aguarda. Los confines

Del horizonte brillan encendidos.

Un silencio terrible

Llena el aire... En la arena

Tiembla la sombra elástica de un tigre.

 

OÁSIS

Sonha o leão.

Junto das três palmeiras

se amansa o sol. Existe

a água. E Deus deixa um momento

que os camelos se ajoelhem....

 

Junto das três palmeiras

o árabe, estendido, ao fim, sorri

e suspita...Damasco

longe ainda o aguarda. Os confins

do horizonte brilham incendiados.

Um silêncio terrível

Encho o ar...na areia

Treme a sombra elástica de um tigre.

Ilustração: Revista Planeta.

Wednesday, December 22, 2021

Ainda uns haikaizinhos de Dezembro

 


Os bouganvilles dançam nas telhas

ao compasso musical da brisa.

Só uma coisa me agita: meu bem, me alisa!


Eu, tão solitário e tonto com a cerveja

sinto estar a teu lado tão somente

Você me diz:-mente! Eu te digo:-me beija!


Todas as coisas no tempo sempre mudam.

Apesar de desejar eternizar o teu olhar

sei que nem o talento nem a vontade ajudam.


Se eu soubesse te dizer tudo que sinto

nem você, meu bem, acreditaria

na verdade que expresso quando minto!

Ilustração: http://floradaserra.blogspot.com/. 


Ainda César Dávila Andrade

 


EN QUÉ LUGAR

César Dávila Andrade

Quiero que me digas; de cualquier
modo debes decirme,
indicarme. Seguiré tu dedo, o
la piedra que lances
haciendo llamear, en ángulo, tu codo.

Allá, detrás de los hornos de quemar cal,
o más allá aún,
tras las zanjas en donde
se acumulan las coronas alquímicas de Urano
y el aire chilla, como jengibre,
debe de estar Aquello.

Tienes que indicarme el lugar
antes de que este día se coagule.

Aquello debe tener el eco
envuelto en sí mismo,
como una piedra dentro de un durazno.

Tienes que indicarme, tú,
que reposas más allá de la Fe
y de la Matemática.

¿Podré seguirlo en el ruido que pasa
y se detiene
súbitamente
en la oreja de papel?

¿Está, acaso, en ese sitio de tinieblas,
bajo las camas,
en donde se reúnen
todos los zapatos de este mundo?

 

EM QUE LUGAR

Quero que me digas; de qualquer

modo deves dizer-me,

indicar-me. Seguirei teu dedo, ou

a pedra que lances

me chamando, em ângulo, teu cotovelo.

 

Lá, além dos fornos de queimar cal,

ou mais além ainda,

atrás das valas onde

se acumulam as coroas alquímicas de Urano

e o ar guincha, como gengibre

deve estar aquilo.

 

Tens que me indicar o lugar

antes que este dia se coagule.

 

Aquilo deve ter o eco

envolto em si mesmo

como uma pedra dentro de um pêssego.

 

Tens que indicar-me, tu,

que repousas mais além da fé

e da matemática.

 

Serei capaz de segui-lo no barulho que passa

e se detém

subitamente

na orelha de papel?

 

Está, talvez, nesse local de escuridão,

debaixo das camas,

onde se reúnem

todos os sapatos deste mundo?

 

Ilustração: Editora Seguinte.


Monday, December 20, 2021

Haikazinhos do momento

 


Hoje que não posso estar a teu lado-

a distância, infelizmente, não permite-

me sinto muito, muito desconsolado.

 

A vida, muitas vezes, é irreal.

Deveria estar a teu lado

e me vejo enterrando o pé no areal.

 

Só palavras posso te oferecer.

E palavras não servem em todo momento,

mas, estás nos meus versos e pensamento.  

Ilustração: Pixabay. 

Três Haikus de Jack Kerouac

 


HAIKUS

Jack Kerouac

Birds singing

in the dark

-Rainy dawn.

 

The low yellow

moon above the

Quiet lamplit house

 

The taste

of rain

-Why kneel?

 

Os pássaros cantando

na escuridão

-Chove amanhecendo.

 

O amarelo sutil

do luar acima

da suave lamparina da casa.

 

O gosto

da chuva.

Por que se ajoelhar?

Ilustração: http://stomachnotes.com.br/.


MAIS UM POEMA DE "POEMAS MALCOMPORTADOS"

 


CORPO DESANIMADO 

Que eu não sou mais eu/me esclarece o espelho/onde um olhar vermelho/parece não cessar/ de muito reclamar/ de pretender chorar./Bem sei, não vai passar,/pois, nem me reconheço/nas palavras que teço/ sem versos, melodias, rimas/despidas de beleza,/flores despetaladas,/ páginas tão manchadas/ das tintas dos escritos/ que são como se gritos/ de socorro somente,/mas, que são só as sementes/de dores e tristezas./Não sou mais nem poeta/ exilado dos sonhos/ me sinto separado/dos prazeres risonhos/ do teu olhar e beijos/castrado de desejos./ Me sinto um prisioneiro/ julgado e condenado/ que tem por derradeiro/ castigo aplicado/amar e sendo amado/viver sem seu amor/eternamente preso as cadeias da dor.

Ilustração: Rita Santos. 

Uma poesia de Ernesto Guajardo Oyarzo

 


VEINTINUEVE

Ernesto Guajardo Oyarzo 

todo será siempre nostalgia
rosa de los vientos
oráculos
antiguos textos dispersados

el territorio es una extensión del propio organismo
el territorio es un organismo,
solo la falta la cartografía de lo que se anhela.

 

VINTE E NOVE

 

Tudo será sempre nostalgia

rosa dos ventos        

oráculos

antigos textos dispersados

 

o território é uma extensão do próprio organismo

o território é um organismo,

somente a falta da cartografia do que se sonha.

Ilustração: https://www.labconteudo.com.br/.

 

Tuesday, December 14, 2021

Hai-Kais ainda

 


Enquanto sempre duvido de tudo,

Você, meu caro, é cheio de certezas.

Sua verdade, para mim, é objeto de estudo.

 

Que nós dependemos muito de nossa história

É tão claro quanto dois mais dois são quatro,

Mas, o egoísmo pede a insignificância da glória.


Se existe, na psique, uma camada impessoal

Não sei dizer se é errado ou certo,

Mas, há coisas bem além do pessoal.

 

De incomum nada tenho. Talvez a intuição.

Pensar muito e o sentimento correto

De que a realidade está além da minha visão.

XX

 


Uma baratinha passou por mim.

Talvez, por humanidade, piedade,

quem sabe mesmo por preguiça,

como não havia ninguém para dar um gritinho,

não peguei o chinelo

nem usei o inseticida

para acabar com a sua vida.

Passou por mim e seguiu seu caminho,

indiferente,

até encontrar um esconderijo –

não sei onde –

em que ficou quietinha

para viver o resto de sua vidinha,

nem sei mesmo se contente,

de barata!

Ilustração: sonisantos.blogspot.com. 



 

Monday, December 13, 2021

Outra poesia de Maurice Scève

 


DILECTION

Maurice Scève

J'adore l'indécis, les sons, les couleurs frêles,

Tout ce qui tremble, ondule, et frissonne, et chatoie

Les cheveux et les yeux, l'eau, les feuilles, la soie,

Et la spiritualité des formes grêles ;

 

Les rimes se frôlant comme des tourterelles,

La fumée où le songe en spirales tournoie,

La chambre au crépuscule, où Son profil se noie,

Et la caresse de Ses mains surnaturelles ;

 

L'heure de ciel au long des lèvres câlinée,

L'âme comme d'un poids de délice inclinée,

L'âme qui meurt ainsi qu'une rose fanée,

 

Et tel cœur d'ombre chaste, embaumé de mystère,

Où veille, comme le rubis d'un lampadaire,

Nuit et jour, un amour mystique et solitaire.

DILEÇÃO

Eu adoro o indeciso, os sons, as cores frágeis,

Tudo o que treme, ondula e arrepia e estremece

Os cabelos e olhos, água, as folhas, sedas,

E a espiritualidade das formas esguias;


A fumaça que ao sonho empresta suas espirais,

As rimas roçando umas nas outras como rolas,

O quarto ao anoitecer, onde seu perfil imolas,

E a carícia de suas mãos sobrenaturais;

 

E as horas celestes nos lábios de lentas carícias,

E a alma que se agonia com sua própria delícia,

Como rosa que murcha vertendo seu nectário

 

Coração de sombra casta, de mistério embalsamado,

Onde, como o rubi de uma luz votiva inflamado,

Um amor arde insone, místico e solitário.

Ilustração: Por dentro da Língua Portuguesa.