Monday, April 29, 2024

ESCREVE-MI

 


Escrever

sempre escrevi.

Sou

somente um rabiscador de papéis

que ama a vida

habituando-se a ter os olhos

postos nas janelas,

que me dão motivo

para a poesia.

Sou

um amador

que se apaixona

pela ilusão de poder

ser poeta.

Ilustração: Redação no Café. 

Sunday, April 28, 2024

Uma poesia de Tamiko Beyer

 


 

TANKAS FOR WHAT COMES TOGETHER

Tamiko Beyer

At the seashore, wind

almost lifts our spindrift bodies,

sand scrapes our skin.

Let that sleek seal beat back the waves—

thunder amasses in cloud.

 

I do not believe in the failure of caring

for each other. How

can I when the cascading waves

gather us all in the rise?

TANKAS PARA O QUE VEM JUNTO

Na beira-mar, o vento

quase levanta nossos flutuantes corpos,

a areia raspa nossa pele.

Deixe aquela elegante foca repelir as ondas-

o trovão se acumula nas nuvens.

 

Eu não acredito no fracasso de cuidar

de cada um. Como

posso quando as ondas em cascata

reúnem todos nós em ascensão?

Ilustração: Clube de Leitores.

Uma poesia de Ana Blandiana

 


UN VASO CON MARGARITAS

Ana Blandiana

Un vaso con margaritas silvestres

Sobre la mesa blanca

En la que escribo

Más libre de lo que soy;

Alrededor,

Un seductor olor a heno

Que conduce al sueño

Del que quizás gotee

Una palabra;

Dulce cielo en el ocaso,

Tan dulce como los rebaños

Que regresaban antaño.

Amor por todo lo que fue,

Por todo lo que va a desaparecer,

Amor sin sentido,

Amor sin límites…

La sombra de los álamos,

Rejas cercando el campo,

Margaritas silvestres

En un vaso.

 

UM VASO COM MARGARIDAS

Um vaso com margaridas selvagens

Na mesa branca

em que escrevo

Mais livre do que sou;

Em redor,

Um odor sedutor de feno

O que leva ao sono

De onde talvez pingue

Uma palavra;

Doce céu ao pôr do sol,

Tão doce quanto os rebanhos

Que regressaram há muito tempo.

Amor por tudo o que foi,

Por tudo que vai desaparecer,

Amor sem sentido,

Amor sem limites…

À sombra dos choupos,

barras ao redor do campo,

margaridas selvagens

Em um vaso.

Ilustração: Replicarte.

Saturday, April 27, 2024

Sessão de Psicoanálise

 


É evidente que o real,

Hoje em dia,

Requer interpretações.

 

Sou do tempo do preto e branco.

Do tempo do amor para a vida toda.

Em que o amor era para valer.

 

Hoje me sinto no divã

E falo de um tempo em que o amor era doce,

Como se fosse uma jóia irrecuperável,

Um tempo que passou da hora.

A psiquiatra de tão amável

Me parece inodora.

 

A saudade é o passado que chora!

Ilustração: Época Negócios.

Uma poesia de Tina Chang

 


LION

Tina Chang

I chewed into the wreck of the world,

into the neckbone of the past that pursued me.

All the while, I moved toward extinction,

bearing the burden of damage, language of the protector.

 

A great apocalyptic wheeze adorned me with sand.

I foraged, first to find light dappling the leaves,

then breathed into an infinite power, feminine rust,

a coppery taste of salvage, leading me into a canopy

 

of the future. My mother was a mother of mothers,

modern before she was ancestral.

She was a woman who morphed into feline, back

to her human self before I woke each morning.

 

I lived not to sate my appetite but to crush it.

On my haunches, I craved what could not be seen.

I am desire. I am survival.

I sit under the tree waiting for hunger.

LEÃO

Eu mastiguei os destroços do mundo,

na espinha dorsal do passado que me perseguia.

Enquanto isto, eu me movi em direção à extinção,

suportando o peso do dano, a linguagem do protetor.

 

Um grande chiado apocalíptico me adornou com areia.

Procurei, primeiro encontrar a luz salpicando as folhas,

então soprou-me um poder infinito, ferrugem feminina,

um gosto acobreado de salvamento, levando-me a um dossel

 

do futuro. Minha mãe era mãe de mães,

moderna antes de ser ancestral.

Ela era a mulher que se transformou em felina, de volta

para seu eu humano antes de eu acordar todas as manhãs.

 

Eu vivia não para saciar meu apetite, mas para esmagá-lo.

De cócoras, ansiava pelo que não podia ser visto.

Eu sou desejo. Eu sou a sobrevivente.

Sento-me sob a árvore para esperar ter fome.

Ilustração: DOL.

Um Poema de Juanjo Barral

 


UM POEMA

Juanjo Barral

Ojalá fuese yo el mensajero

y no quien recibe la noticia

de tu abandono.

 

Ojalá fuera manillas del reloj

que da vueltas al tiempo

y no pasto del paso de los días.

 

Ojalá cuna de alguna

revolución pendiente

y no el crío que llora

bajo los bombardeos.

UM POEMA

Oxalá fosse eu o mensageiro

e não quem recebe a notícia

do teu abandono.

 

Oxalá fossem os ponteiros do relógio

que dá voltas ao tempo

e não o pasto para o passar dos dias.

 

Oxalá seja o berço de alguma

revolução pendente

e não a criança chorando

sob os bombardeios.

Ilustração: Sonhos.

DOM QUIXOTE FORÇADO



A vida inteira,

não sei se por destino ou vocação,

lutei sempre em vão, 

sempre contra a corrente

impulsionado a combater moinhos de ventos,

que me impediam, inesperadamente, 

de ser o que pensei que seria.

Por imperativo, 

por ausência de covardia, 

trilhei caminhos que não queria.

E, no fim, a realidade 

é que acabei sendo Dom Quixote, 

a combater miragens,

por falta de opção, 

e, sem mesmo um Sancho Pança à mão, 

por companhia. 

Ilustração: Cultura Genial.  

E, mais uma vez, Luis García Montero

 


DE LA TRISTE FIGURA

Luis García Montero

LOS molinos de viento me saludan

por la maldita primavera.

El coche va a lo suyo porque sabe el camino,

conoce las canciones, la montaña

 

que ha cruzado mil veces

entre Granada y Rota.

Se calla lo que puede echar de menos.

Como una lágrima domada,

la carretera piensa delante de mis ojos

en las curvas amables

y en adelantamientos sin peligro.

Pero vienen de frente

las puertas de la casa y las enredaderas

donde el vacío da su flor.

El patio y el jardín son la llanura,

el campo de batalla que me espera

hasta llegar al dormitorio.

Maldito mes de abril con sus espinas

Trato de combatir una vez más

con molinos de viento.

DA TRISTE FIGURA

OS moinhos de vento me saúdam

pela maldita primavera.

A carruagem vai pelo seu caminho porque conhece o caminho,

conhece as canções, a montanha

 

que já atravessou mil vezes

entre Granada e Rota.

Se cala sobre o que pode perder.

Como uma lágrima contida,

a estrada pensa diante dos meus olhos

nas curvas suaves

e nas ultrapassagens sem perigo.

Porém vêm em frente

as portas da casa e as trepadeiras

onde o vazio dá a sua flor.

O pátio e o jardim são a planície,

o campo de batalha que me espera

até chegar ao quarto.

Maldito mês de abril com seus espinhos

Trato de lutar mais uma vez

com moinhos de vento.

Ilustração: Katamigos.

Seja Rebelde

 


Que é tudo veloz
Que é tudo rápido
Atestam as luzes que se afastam,
As palavras que se dissolvem,
As imagens que desaparecem.

Sei que te ofereceram um controle remoto,
Que te deram um veículo sem limites
Que te disseram que podes ir e voltar à vontade
Que tens a mais completa liberdade.


 

Não creia! Não creia!
Escapa mentalmente
Faz de conta que acredita,
Porém, saibas
Que só serás livre
Enquanto não aceitar
O que aí está
E brincar como criança
Com as regras
Fazendo apenas tua vontade.

Se segues a lógica da velocidade
Serás mais um robô,
Um boi na manada.
O que fazes não significará nada
E tua alma,
Para sempre, estará perdida.

Sê rebelde!

Opte pela vida.

Ilustração: Progressistas.org.

A Lua de Borges



Sé que entre todas las palabras, una

Hay para recordarla o figurarla.

El secreto, a mi ver, está en usarla

Con humildad. Es la palabra luna.

 

Ya no me atrevo a macular su pura

Aparición con una imagen vana;

La veo indescifrable y cotidiana

Y más allá de mi literatura.

 

Sé que la luna o la palabra luna

Es una letra que fue creada para

La compleja escritura de esa rara

Cosa que somos, numerosa y una.

 

Es uno de los símbolos que al hombre

Da el hado o el azar para que un día

De exaltación gloriosa o de agonía

Pueda escribir su verdadero nombre

 

Sei que entre todas as palavras, uma

Há para recordá-la ou figuralá-la.

O segredo, a meu ver, está em usá-la

Com humildade. É a palavra lua.

 

Já não me atrevo a macular sua pura

Aparição com uma imagem inútil:

A vejo cotidiana e tão difícil

E mais além de minha literatura.

Sei que a lua ou a lua palavra

É uma letra que foi criada para

A completa escritura dessa rara

Coisa que somos, numerosa e uma.

 

É um dos símbolos que ao homem

dá o destino ou o acaso para um dia

de exaltação gloriosa ou de agonia

possa escrever seu verdadeiro nome.

Ilustração: Bing.

 


Friday, April 26, 2024

E, mais uma vez, Sara Búho

 


EL INTENTO

Sara Búho 

Recuérdame por qué estamos haciendo esto,

abrázame fuerte.

Tu piel actúa como un faro cuando cierro los ojos,

los latidos vuelven a su música habitual.

Abrázame fuerte,

como si pudiera desvanecerme

en cualquier momento.

Como si ya nunca pudieras volver a recordarme

y estos años no hubieran sucedido.

Como si todas las veces que nos dimos paz

pudieran borrarse.

Abrázame, por favor,

que algo se ilumina dentro de mí, se ordena;

como el aire cuando se hace viento

y de pronto sabe hacia dónde va.

A TENTATIVA

Lembra-me por que estamos fazendo isto,

Abraça-me forte.

Tua pele funciona como um farol quando fecho os olhos,

as batidas voltam à sua música habitual.

Abraça-me forte,

como se eu pudesse desaparecer

a qualquer momento.

Como se você nunca mais pudesse se lembrar de mim

e esses anos não teriam acontecido.

Como se todas as vezes que nos demos paz

pudessem ser apagados.

Abraça-me, por favor,

que algo se ilumine dentro de mim, se ordene;

como o ar quando se faz vento

e, de repente, sabe para onde está indo.

Ilustração: Sem Travas no Coração.

INCOERÊNCIA VITAL

 


O gato mia.

No telhado o gato mia.

O vento, o vento assobia.

Sinto que não posso te dizer como sinto falta de você.

Sei também que é incompreensível que assim seja,

pois, a separação pode ser tão doída quanto a morte

desde que nada nos conforte

e de tanto sentir não me proteja,

mas, assim é.

A vida,  a vida não é servida de bandeja

até porque não se tem garçom

ou porta aberta para nada- se é que o nada há.

No momento sou puro sofrimento

e só consigo me afogar

nas lágrimas que teimo em não derramar.

Ai de mim! Só posso te dizer que sou assim

com esta necessidade supérflua de você.

Uma poesia de Pierre Joris

 


ALTARS OF LIGHT

Pierre Joris

If the light is the soul

then soul is what's

all around me.

 

It is you,

it is around you too,

it is you.

 

The darkness is inside me,

the opaqueness of organs folded

upon organs-

 

to make light in the house of

the body-

     thus to bring the

outside in,

     the impossible job.

 

   And the only place to become

the skin

   the border, the inbetween, where

dark meets light, where I meets

   you.

 

   In the house of world the

many darknesses are surrounded

by light.

 

   To see the one, we need

the other / it cuts both ways

 

   light on light is blind

   dark on dark is blind

 

   light through dark is not

 

   dark through light is movement

   dark through light becomes,

is becoming,

     to move through

light is becoming,

 

   is all

     we can know.

ALTARES DA LUZ

Se a luz é a alma

então a alma é o que é

tudo ao meu redor.

 

É você,

o que está ao redor de você também,

é você.

 

A escuridão está dentro de mim,

a opacidade dos órgãos enrolada

sobre os órgãos -

 

para iluminar a casa de

o corpo-

    e  assim trazer o

de fora para dentro,

      o trabalho impossível.

 

    E o único lugar para vir à ser

a pele

    a fronteira, a entrada, onde

a escuridão encontra a luz, onde eu encontro

    você.

 

    Na casa do mundo o

muitas trevas são cercadas

pela luz.

 

    Para ver aquele, precisamos

do outro / corta nos dois sentidos

 

    luz na luz é cega

    escuro no escuro é cego

 

    luz através da escuridão não é

 

    escuro através da luz é movimento

    a escuridão através da luz se torna,

está se tornando,

      se move através

a luz está se tornando,

 

    é tudo

      que podemos saber.

Ilustração: Fantasy.