Monday, July 31, 2023

A GLÓRIA É UM MINUTO A MAIS

 

Seja forte!

A vida é o desenrolar da morte.

Viver é morrer cada segundo,

sem sentir,

se iludindo com o prazer do mundo,

enquanto a existência se esvai

em cada batida do relógio.

Melhor esquecer esta parte

E buscar na arte,

em comer bem, beber melhor, amar

e viver o presente,

consciente ou não,

a ilusão

de que cada minuto que se conquista

representa uma vitória.

Viver, enquanto se pode,

é a verdadeira glória!

Sunday, July 30, 2023

Livros



Livros não se sabem como surgem,

nem tão pouco como escolhem

                           seus leitores.

Livros são resultados, ao acaso, de amores

                      de sábios ou de estúpidos,

porém, sempre-e aí está o cerne da questão-são

um mundo de fantasia 

para quem os tem na mão

ou uma ponte para o conhecimento. 

Livros são aleatórios acontecimentos, 

flores de palavras e memória, 

que brotam, de ideias tecidas na história

para encantar e embelezar a vida. 

Os Leitores de Borges

 


LECTORES

Jorge Luis Borges

De aquel hidalgo de cetrina y seca

tez y de heroico afán se conjetura

que, en víspera perpetua de aventura,

no salió nunca de su biblioteca.

 

La crónica puntual que sus empeños

narra y sus tragicómicos desplantes

fue soñada por él, no por Cervantes,

y no es más que una crónica de sueños.

 

Tal es también mi suerte. Sé que hay algo

inmortal y esencial que he sepultado

en esa biblioteca del pasado

en que leí la historia del hidalgo.

Las lentas hojas vuelve un niño y grave

sueña con vagas cosas que no sabe.

LEITORES

Daquele fidalgo pálido e seca

tez e heróico afã se conjectura

que, na perpétua véspera da aventura,

não saiu nunca de sua biblioteca.

 

A crônica pontual de que seus empenhos

narra e seus tragicômicos desplantes

foi sonhado por ele, não por Cervantes,

e não é mais que uma crônica de sonhos.

 

Tal é também minha sorte. Sei que há algo

imortal e essencial que hei sepultado

nessa biblioteca do passado

em que li a história do fidalgo.

As lentas folhas voltam um menino e grave

sonha com vagas coisas que não sabe.

Ilustração: Peregrina Cultural-WordPress.com.

Voltamos a Borges

 


COMPOSICIÓN ESCRITA EN UN EJEMPLAR DE LA GESTA DE BEOWULF

Jorge Luis Borges

A veces me pregunto qué razones

Me mueven a estudiar sin esperanza

De precisión, mientras mi noche avanza

La lengua de los ásperos sajones.

 

Gastada por los años la memoria

Deja caer la en vano repetida

Palabra y es así como mi vida

Teje y desteje su cansada historia.

 

Será (me digo entonces) que de un modo

Secreto y suficiente el alma sabe

Que es inmortal y que su vasto y grave

 

Círculo abarca todo y puede todo.

Más allá de este afán y de este verso

Me aguarda inagotable el universo.

COMPOSIÇÃO ESCRITA EM SEU EXEMPLAR DA GESTA DE BEOWULF

Ás vezes me pergunto que razões

Me movem a estudar sem esperança

De precisão, enquanto minha noite avança

A língua dos ásperos saxões.

Desgastada pelos anos a memória

Deixa cair em vão repetida

A palavra e assim como a minha vida

Tece e destece sua cansada história.

 

Será (me digo então) que de um modo

Secreto e suficiente a alma sabe

Que é imortal e que seu vasto e grave

 

Circulo abarca tudo e pode tudo.

Mais além deste afã e deste verso

Me aguarda inesgotável o universo.

Ilustração: Outro Ángulo.

 

 

Friday, July 28, 2023

Uma poesia de Mary Jo Bang


AN AUTOPSY OF AN ERA

Mary Jo Bang

That's how it was then, a knife

through cartilage, a body broken. Animal

and animal as mineral ash. A window smashed.

The collective howl as a general alarm

followed by quiet.

 

                                 Boot-black night,

halogen hum. Tape snaking through

a stealth machine. Later, shattered glass

and a checkpoint charm—the clasp

of a tourist-trap bracelet. An arm. A trinket.

 

Snap goes the clamshell. The film

in the braincase preserving the sense

of the drench, the angle of the leash,

the connecting collar. A tracking long-shot.

The descent of small-town darkness.

A AUTÓPSIA DE UMA ERA

Então foi assim, uma faca

através da cartilagem, um corpo fraturado. Animal

e animal como cinzas minerais. Uma janela quebrada.

O uivo coletivo como um alarme geral

seguido de silêncio.

 

                                  Noite negra como uma bota,

zumbido de halogênio. Fita serpenteando através

de uma máquina furtiva. Mais tarde, vidro quebrado

e um amuleto de checagem- o fecho

de uma pulseira de armadilha para turistas. Um braço. Uma bugiganga.

 

A foto faz o broche. O filme

na caixa craniana preservando o sentido

de afogamento, o ângulo da correia,

o colar que os conecta. Uma vista panorâmica

da descida da escuridão sobre uma cidade pequena.

 

O Meu Amor

 

É melhor deixar
Que o tempo explique tudo.

De nada adiantam as palavras
Sem teus braços, sem teu corpo, sem tua língua
Que é, inexplicavelmente, doce.

A flor do bem e do mal
Pode ter o mesmo nome
E só a explosão do prazer
Justificaria o palavrão
Com que pretendo te agraciar.

Ainda que ferir seja a maior forma de amar.

Ilustração: Mensagens incríveis.

RIOS DA MINHA VIDA

 


Ah! Madeira imenso
tão diferente quando, agora, penso
que és o Pajeú de minha infância
que, cada vez mais, fica pequeninho
na lembrança.

Só penso no teu lado musical
quando o sol te lambe
sensual
nos fins de tarde
e desperta em mim
a saudade que arde
da mulher amada.

Não é de espantar:

pensando bem
sempre vivi nos rios
com saudades do mar.

Ilustração: Tripadvisor.

 



Tuesday, July 25, 2023

Pinceladas

 


Pincelada

Na maior dor o mundo é belo.

O sol, inigualável pintor,

Enfeita o rio Madeira de amarelo.

Só distante

Vivo para te encontrar um instante

E do teu lado me distancio tanto

Que só me encontro bem distante!

SINA 

Se minha poesia é a única verdade.
Na verdade, a vida é uma mentira.
Só cumpro meu destino de poeta:
Mentindo na vida
Como única forma de ser verdadeiro.

Ilustração: Fotos do Madeira. 

De volta Stephen Crane

 


 

I LOOKED HERE

Stephen Crane

I looked here;
I looked there;
Nowhere could I see my love.
And - this time -
She was in my heart.
Truly, then, I have no complaint,
For though she be fair and fairer,
She is none so fair as she
In my heart.

EU OLHEI AQUI

Eu olhei aqui;

Eu olhei lá;

Em nenhum lugar eu poderia ver meu amor.

E – neste tempo -

Ela estava no meu coração.

Verdadeiramente, então, eu não tenho nenhuma reclamação,

Pois embora ela seja justa e mais que justa,

Ela não é tão justa quanto ela

No meu coração.

Ilustração: Mulheres Preciosas.

E, de novo, Adolfo García Ortega

 


DESFILE

Adolfo García Ortega

me abalanzo a la puerta a ver el desfile
desfila mi sangre, desfilan mis padres,
la noche se abre en mitad del desfile
los sueños desfilan entre las tinieblas
son sueños extraños que me son hermosos
pasan animales con voces que entiendo
los que sollozan, los que ríen pasan
pasan los torpes, los genios, los bellos
marionetas, soldados, niñas, pedigüeños
desfilan las manos, desfilan las sombras
colores, ritos, pausas, hasta los errores veo
un desfile de lo que fuimos y lo que seremos
por mi puerta pasa y yo me entretengo.

DESFILE

Corro para a porta para ver o desfile

desfila o meu sangue, desfilam meus pais,

a noite se abre na metade do desfile

os sonhos desfilam pela escuridão

são sonhos estranhos que, para mim, são formosos

passam animais com vozes que entendo

os que soluçam, os quem riem passam

passam os torpes, os gênios, os belos

marionetes, soldados, meninas, pedintes

desfilam as mãos, o desfilam as sombras

cores, ritos, pausas, até os erros vejo

um desfile do que fomos e do que seremos

pela minha porta passa e eu me entretenho.

Ilustração: Jornale.com.br.

Sunday, July 23, 2023

Uma poesia de Torquato Tasso

 


ECCO MORMORAR L’ONDE

Torquato Tasso

Ecco mormorar l'onde,

E tremolar le fronde

A l'aura mattutina, e gli arboscelli,

E sovra i verdi rami i vaghi augelli

Cantar soavemente,

E rider l'Oriente;

Ecco già l'alba appare,

E si specchia nel mare,

E rasserena il cielo,

E le campagne imperla il dolce gelo,

E gli alti monti indora:

O bella e vaga Aurora,

L'aura è tua messaggera, e tu de l'aura

Ch'ogni arso cor ristaura.

AQUI O MURMÚRIO DAS ONDAS

Aqui o murmúrio das ondas,

E o tremular das folhas

Na brisa da manhã, e os arbustos,

E acima dos galhos verdes os lindos pássaros

Cantam suavemente,

E riu o Oriente;

Aqui já aparece a aurora,

E se reflete no mar,

E limpa o céu,

E o campo frisado com doce geada,

E as altas montanhas douradas:

Ó bela e vaga Aurora,

A brisa é tua mensageira, e tu que com a brisa

Todo coração queimado restaura.

OS ESPECIALISTAS

 


Eu sei, meu bem, 

mesmo não sabendo nada, 

que nossas mentes complicadas

criaram uma catástrofe danada

no nosso relacionamento.

De um mar de rosas

com fagulhas de felicidade,

depois de um tsunami inesperado, 

mergulhamos na distância, na saudade

e no caminho do esquecimento.

Hoje, só por um momento, 

refletindo, 

não parece, mas ainda penso, 

entendi que depois de tanta confusão

somos os grandes especialistas do caos,

um completo desastre, 

igual a toda a nação. 

Ilustração: Carta Campinas. 

E Paul Eluard num sorriso apena

 


UN SEUL SOURIRE

Paul Eluard

Un seul sourire disputait

Chaque étoile à la nuit montante

Un seul sourirepour nous deux.

 

Et l'azur en tes yeux ravis

Contre la masse de la nuit

Trouvant sa flamme dans mes yeux.

 

J'ai vu par besoin de savoir

La haute nuit créer le jour

Sans que nous changions d'apparence.

APENAS UM SORRISO

Apenas um único sorriso disputava

Cada estrela na noite crescente

Um sorriso único para nós dois.

 

E o azul em teus olhos deslumbrados

Contra a massa da noite

Encontrava sua chama nos meus olhos.

 

Eu vi por ânsia de saber

A alta noite criar o dia

Sem que nós dois mudássemos.
Ilustração: Odonto Company. 

Uns Hai-Kaizinhos no Don Peppe

 


Há belezas que são incompreensíveis:

o teu sorriso, uma canção inesquecível

interpretada por dois músicos notáveis!


Não há nada tão saboroso como a feijoada

com cerveja, música e caipirinha.

No sábado, no Don Peppe, a vida é minha!


Uma voz, um violão, um bandolim.

Na mesa, a doce mulher  e a amarga cerveja. 

Ora veja: isto  é a felicidade para mim!






Friday, July 21, 2023

Uma poesia de Luis Cordero Crespo

 


IV

Luis Cordero Crespo

Don Quijote es el noble visionario,

Por altos ideales aturdido;

Sancho es aquel plebeyo buen sentido,

Que prefiere a la gloria el numerario.

 

Si embiste el Caballero temerario,

El mozo queda oculto o encogido,

Y ni palabra chista, si, vencido,

No abandona el palenque el adversario.

 

Blande el Hidalgo la pujante lanza

Sólo por la justicia y por su hermosa,

Que así de caballeros es usanza.

 

El zafio una piltrafa apetitosa

Les pide a las alforjas, como Panza;

Don Quijote es poema: Sancho es prosa.

IV

Dom Quixote é o nobre visionário,

Pelos altos ideais aturdido;

Sancho é aquele plebeu de bom sentido,

Quem prefere à glória, o numerário.

 

Se o investe o Cavaleiro temerário,

O moço queda oculto ou encolhido,

E nem graceja, se, vencido,

Não abandona o palanque o adversário.

 

Brande o fidalgo a poderosa lança

Apenas por justiça e por sua beleza,

É assim que dos cavalheiros a herança.

 

A grosseria é uma queda apetitosa

Ele pergunta aos alforjes, como Panza;

Dom Quixote é um poema: Sancho é uma prosa.

Ilustração: Todoprosa.

Pois, Paul Eluard



Je suis le spectateur et l’acteur...

Paul Eluard

Je suis le spectateur et l’acteur,

Je suis la femme et son mari et leur enfant,

Et le premier amour et le dernier amour,

Et le passant furtif et l’amour confondu

 

Et de nouveau la femme, et son lit et sa robe

et ses bras partagés, Et le travail de l’homme

et son plaisir en flèche et la houle femelle,

(...)

SOU O ESPECTADOR E O ATOR

Sou o espectador e o ator,

Sou a mulher, o marido e o filho.

E o primeiro e último amor,

E o que passa furtivo e o amor confundido.

 

E outra vez a mulher, o leito e o vestido

E seus braços compartidos e o trabalho do homem

E a flecha do prazer e suas ondas femininas.

Ilustração; Aldeia de Cablocos.

 


Thursday, July 20, 2023

AMIGOS, AMIGOS!

 


A verdade é que não sei porque amo meus amigos.

Alguns, poucos, talvez, seja por serem loucos ou tristes.

Outros porque tocam bandolim, violão, pandeiro

(não sei explicar, mas, poucos são movidos por dinheiro)

e, quase todos, bebem muito cerveja, vinho, uísque e cachaça.

Muitos por cantarem bem, ou terem algum talento inato,

e, uns poucos poetas, poetas, em geral, são muito chatos.

Há os que sempre me encantam pela delicadeza ou trato

e os que, simplesmente, são amigos por apenas amigos serem.

Não sei também explicar como se fizeram amigos.

Há uns que chegaram de repente, outros bem devagar.

Há os que se perdem na estrada e nunca mais vão voltar.

Sempre fazemos amigos em qualquer lugar,

mas, os maiores, os verdadeiros, dos quais nem preciso falar,

são os menos lembrados, deles nem vivo a falar

porque estão sempre à mão,

pois, não importa o tempo, nem a distância,

que eles vivem no meu coração.

 

 

Um poema de Wendy Trevino

 

 

 


     POEM

  Wendy Trevino

Always in relation
Is what any one is
& change happens
Only in relations
Limited by what
Structures
Life
What naturalizes
Time & makes it
So important
Money
What racializes
Through institutions
Policing
Borders
The work you do
Without regard
For what’s legal
What regulates
The state
That isn’t above
Criminalizing
The work you do
For the sake
Of a jobs program

POEMA

Sempre em relação

é o que qualquer um é

& a mudança acontece

Somente nas relações

Limitado pelas

Estruturas

Vida

o que naturaliza

O tempo e faz isto

Tão importante

Dinheiro

o que racializa

Através de instituições

O policiamento das

Fronteiras

O trabalho que você faz

Sem consideração

Pelo que é legal

o que regula

O Estado

Isto não está acima

Criminalizando

O trabalho que você faz

pelo bem

De um programa de empregos.

Ilustração: Davi Pinheiro.

O sempre mágico Amado Nervo

 


ME BESAVA MUCHO  

Amado Nervo

Me besaba mucho; como si temiera

Irse muy temprano... Su cariño era

Inquieto, nervioso.

 

Yo no comprendía

Tan febril premura. Mi intención grosera

Nunca vio muy lejos...

¡Ella presentía!

 

Ella presentía que era corto el plazo,

Que la vela herida por el latigazo

Del viento, aguardaba ya... y en su ansiedad

Quería dejarme su alma en cada abrazo,

Poner en sus besos una eternidad.

ME BEIJAVA MUITO

Me beijava muito; como se temesse

partir muito cedo... Seu carinho era

inquieto, nervoso

 

Eu não compreendia

Tão febril pressa. Minha intenção rude

nunca viu muito longe...

Ela pressentia!

 

Ela pressentia que o prazo era curto,

Que a vela ferida pelo chicote

do vento já aguardava... e na sua ansiedade

queria deixar-me sua alma em cada abraço,

colocar em seus beijos uma eternidade.

Ilustração: Tia Cocas.

Sunday, July 16, 2023

RECADINHO


Eu fiz este chorinho

assim pequeninho, 

assim tão de mansinho,

suave e ligeirinho, 

alegre e verdadeiro

como o meu amor.

Eu fiz este chorinho

miúdo, miudinho

para você, minha flor.

E toco ele assim

tão breve, tão brejeiro

como um recadinho

rapidinho 

dizendo que você 

é o meu amor! 

Ilustração: SABRA.