Sunday, October 29, 2023

Noite negra


Nesta noite, negra noite

de chuva forte, tempestade,

assusta o silêncio, o trovão

antes do relâmpago,

o clarão todo o céu iluminar,

lembro feliz de teu olhar.

Eu só sei tremer de frio,

de medo, de solidão

nesta noite, negra noite,

me dá logo a tua mão!

Ilustração: Creative Fabrica.

E.E. Cummings e sua canção

 


CHANSONS INNOCENTES II

E. E. Cummings

hist     whist

little ghostthings

tip-toe

twinkle-toe

 

little twitchy

witches and tingling

goblins

hob-a-nob     hob-a-nob

 

little hoppy happy

toad in tweeds

tweeds

little itchy mousies

 

with scuttling

eyes     rustle and run     and

hidehidehide

whisk

 

whisk     look out for the old woman

with the wart on her nose

what she’ll do to yer

nobody knows

 

for she knows the devil     ooch

the devil     ouch

the devil

ach     the great

 

green

dancing

devil

devil

 

devil

devil

     wheeEEE

CANÇÕES INOCENTES II

História uíste

pequenas coisas fantasmagóricas

ponta dos pés

dedo brilhante

 

um pouco nervoso

bruxas e formigamento

duendes

cachola-um-duende cachola-um-duende

 

pequeno saltitante feliz

sapo em casacos

casaco

pequenos ratos que coçam

 

com fuga

olhos farfalham e correm e

esconder

sacudida

 

sacudida, cuidado com a velha

com a verruga no nariz

o que ela fará com você

ninguém sabe

 

pois ela conhece o diabo ooch

o diabo ai

o diabo

ah, o grande

 

verde

dançando

diabo

diabo

 

diabo

diabo

      uauuUUU

Nadia del Pozo

 


No quiero yo llenarme de agua

y la volcaba en la fregadera

ponía la mesa sin vasos

a veces solo platos, es lo que había visto.

 

Bebe yaya, mea, bebe, a ver si sale más claro

el cuerpo ¿por qué nunca tenemos

sed yaya? ¿No notas la navajica ahí abajo?

Primero se nos cerrarán los bronquios

 

ni la voz tiene sed de sonido

 

notaremos la punzada en el costado izquierdo

y con voluntad caeremos en el suelo frío

empujaremos con el pie la alfombra

alumbraremos un riñón menudo

(ocupado por cicatrices)

en el centro de este salón donde está ahora

la cama    el retrete portátil de plástico blanco

de paso a la cocina calmaremos

el hambre

pero antes mea, yaya,

bebe y mea.

 

Eu não quero me encher de água

e a jogava na pia

arrumava a mesa sem copos

às vezes só pratos, foi o que havia visto.

 

Beba jájá, mije, beba, vamos ver se sai mais claro

o corpo.  Por que nunca temos

sede jájá? Não notas a faca ali embaixo?

Primeiro se fecharão nossos brônquios

 

nem a voz tem sede de som

 

notaremos a pontada do lado esquerdo

e com vontade cairemos no solo frio

empurraremos com o pé o tapete

iluminaremos um pequeno rim

(ocupado por cicatrizes)

no centro desta sala onde está agora

a cama o banheiro portátil de plástico branco

de passagem para a cozinha acalmaremos

a fome

mas primeiro mije, sim,

bebe e mija.

Friday, October 20, 2023

SER POETA


Ser poeta, senhor, 

deve ser um destino,

por suposto, 

proposto 

por um deus das causas perdidas.

É ser um ser que, pela vida

será visto como um estranho, 

um solitário, um sonhador.

E somente será lembrado,

não por sua pena,

mas por alguém com pena, 

que dirá, no Dia do Poeta, 

existe um lá na minha rua

que conheci numa ocasião

por causa da eclipse da lua.

Dele não li nada não. 

Talvez também tenha feito uma canção, 

uma poesia sobre Porto Velho. 

É um bom sujeito, 

lá do seu jeito,

porém, com certeza, meio aéreo!



 

Outra poesia de Fernando Merlo

 


Fernando Merlo

Acostarse es muy fácil, facilísimo

arrojar la esperanza a la basura

cuando, al fin, no se siente ni se suda

amor, y el hombre se congela vivo.

Pero yo, os lo juro, no estoy muerto;

y no les coloquéis a mis poemas:

«Aquí yace F. Merlo, fue poeta.»

(Poeta, sí, poeta con dos cuernos

enormes, como dos armas en vilo

dispuestas a morder, con agravantes

de chulo, de vulgar, y de asesino

de congéneres cursis, de elegantes

poetisos de salón). Ahí queda el tiro,

y a quien le haya jodido que se aguante.

 

Deitar-se é muito fácil, facílimo

jogar a esperança na sarjeta

quando, ao fim, não se sente nem se sua

amor, e o homem se congela vivo.

Porém eu, juro-lhes, que não estou morto;

e não coloqueis nos meus poemas:

«Aqui jaz F. Merlo, foi um poeta.»

(Poeta, sim, poeta com dois chifres

enorme, como duas armas em suspense

dispostas a morder, com agravantes

de chulo, de vulgar e de assassino

de idênticos cafonas, de elegantes

poetas de salão). Aí sobra o tiro,

e quem o haja ferrado que se aguente.

Ilustração: Correio Braziliense.

Sunday, October 15, 2023

Maria Sem-Vergonha

 


Maria sem-vergonha

Maria sem-vergonha

Não sabe o que quer

Um dia pega um homem

No outro uma mulher

 

Maria sem-vergonha

Maria sem-vergonha

Agarra o que der

Aceita o que vier

E muda todo dia

De homem e de mulher

 

Maria sem-vergonha

É o que você é!

 

 

Outra poesia de Jos Charles

 


A NOTE ON FORM

Jos Charles

Never having lived
among things, but beside
forms of things, I no longer
look where the city lifts a little
further, past houses, oceans,
light from a crane, breathing,
no longer looking the child
hurried beside a mother moving
too, too fast at what escapes
the grasp of leaves & awnings
of leaves, past what is lifted
up, whatever word lifted from
whatever throat it’s lodged-
there being only one throat
between us-past perception,
(anything but arrangement)
& nevertheless perceiving,
as we must, what moves between
us, quickening, no longer a roof,
but atmosphere, precursor
& remnant of speech, remaining,
as it must, perhaps, the least
effective of our music

UMA NOTA SOBRE A FORMA

Nunca tendo vivido

entre as coisas, mas ao lado

das formas das coisas, eu não mais

olho onde a cidade levanta um pouco

além, casas passadas, oceanos,

luz de um guindaste, respirando,

não olhando mais para a criança

apressado ao lado de uma mãe em movimento

muito, muito rápido para escapas

do alcance das folhas & dos toldos

de folhas, além do que é levantado

para cima, qualquer palavra levantada de

seja qual for a garganta em que esteja alojado-

havendo apenas uma garganta

entre nós - a percepção passada,

(qualquer coisa menos arranjada)

& mesmo assim nunca menos percebida,

como devemos, o que se move entre

nós, acelerando, não mais um teto,

mas atmosfera, precursora

& remanescente da fala, restante,

como deve, talvez, menos

eficaz da nossa música.

Ilustração: Elo 7.

Saturday, October 14, 2023

SEM PERDÃO

 


Sim, bem poderia,

em nome do amor passado,

de tantos bons momentos vividos,

em nome da boa convivência,

dizer que te perdoo.

O problema maior

é que não te perdoarei

e toda vez que te olhar,

que tocar tua pele,

que fizer um gesto de carícia

a lembrança da traição

há de paralisar minha mão.

Ilustração: Canaltech.

Outra poesia de Natalia Litvinova

 


LA SUELTA

Natalia Litvinova

Me retoco los labios en el tren

al lado de un hombre

que mira hacia otro lado,

animo la suelta de perfumes,

deshago la trenza,

enfurezco el color de mi boca

después de haberlo atormentado.

Una parte mía se escapa en este instante.

Como un caballo negro,

cabalgo velada por mi propia oscuridad,

montada por jinetes

que conducen a la guerra.

O LANÇAMENTO

Eu retoco meus lábios no trem

ao lado de um homem

que olha para o outro lado,

Encorajo o lançamento de perfumes,

desfaço a trança,

enfureço a cor da minha boca

depois de tê-lo atormentado.

Uma parte de mim escapa neste instante.

Como um cavalo negro,

cavalgo velado por minha própria escuridão,

montado por cavaleiros

que conduzem à guerra.

Ilustração: Purebreak.

ENQUANTO NADA ACONTECE

 


Enquanto dia após dia,

a mulher

esmaga o açaí

e, vagarosamente,

cozinha o peixe,

os dias e as águas do rio passam

como se a vida

fosse eternamente igual

na beira do rio

onde os botos cor de rosa

brincam

como crianças inocentes.

E tudo até parece

que nunca vai mudar.

Ilustração: National Geographic.

Uma poesia de Jos Charles

 

A SONNET

Jos Charles

                                                                      I sat in windows

                                                                    doorways, closets

                                                                  prostrate upon the

                                                                  bed, or walking for

                                                           hours, naming the flow

                                                       ers I could. When misery

                                                 came and went in 1995, mira

                                    culously love took his place. Against

                               my better judgment, I, occasionally, in

vited misery back in. He’d look at me brilliantly like

one staring at the sun and recline on his golden door.

He’d leave inevitably for another, another more

but things were evident. I liked how he’d watch

me pile wood on the floor.

SONETO

                                                                       Eu sentei nas janelas

                                                                     portas, armários

                                                                   prostrado sobre a

                                                               cama, ou caminhando por

                                                            horas, nomeando o fluxo

                                                        eu poderia. Quando a miséria

                                                  veio e foi em 1995, mira

                               culosamente o amor tomou o seu lugar. Contra

                           meu melhor julgamento, eu, ocasionalmente, con

videi a miséria de volta. Ele olhou-me brilhantemente como

alguén olhando o sol e reclinado em sua porta dourada.

Ele partiria inevitavelmente para outro, outro mais

mas as coisas eram evidentes. Eu gostei de como ele  me assistia

empilhar madeira no chão.

Ilustração: Myloview.


Friday, October 13, 2023

Roque Dalton mais que amor

 


MI AMOR POR TI ES MUCHO MÁS QUE AMOR.....

Roque Dalton

Mi amor por ti es mucho más que amor,
es algo que se amasa día a día,
es proyectar tu sombra junto a mí,
hacer con ellas una sola vida.

Las miradas que ya al conocer
se hablan entre sí en la distancia,
no hacen falta palabras...qué más da!
si ya interpretamos lo que claman.

Los mil detalles que tienes tú por mí,
mi descaro al advertir en lo que fallas,
el sincerarme cuando hay que decir
lo que sinceramente no se calla.

Mi amor por ti es mucho más que amor.
Mi amor por ti es como una nevada,
un torrente de luz, algo tan bello...
como ponerse el sol o amanecer el alba.

MEU AMOR POR TI É MUITO MAIS QUE AMOR....

O meu amor por ti é muito mais que o amor
é algo se amassa dia à dia
é o projetar de tua sombra junto a mim,   
que faz dela uma só vida.

Os olhares que já ao conhecer
se falam entre si mesmo à distância,
não fazem faltas as palavras ... e quem se importa?
se já interpretamos o que clamam.
Os mil detalhes que tu tens por mim,  
minha ousadia ao advertir o que falas,
são sinceras quando há o que dizer
o que sinceramente não se cala.
Meu amor por ti é muito mais que amor.
Meu amor por ti é como uma nevada,
uma torrente de luz, algo tão belo ...
como  o por do sol ou o amanhecer, a alba.

Ilustração: Facebook.

Outra poesia de Victoria Chang

 


GRASS, 1967

Victoria Chang

When I open  the  door,  I smile  and wave to people who  only
have  eyes  and  who  are  infinitely joyful.  I  see  my  children,
but  only the backs  of their  heads.  When  they turn around,  I
don’t recognize  them.  They  once had mouths  but  now  only
have  eyes.  I  want  to leave  the  room  but   when  I do, I  am
outside,  and everyone  else  is inside. So next time, I open the
door  and  stay  inside.  But  then  everyone is  outside.  Agnes
said that  solitude  and  freedom  are  the same.  My solitude is
like the  grass.  I  become  so  aware of its presence  that it too
begins to feel like an audience.  Sometimes  my solitude grabs
my  phone  and  takes a  selfie,  posts  it somewhere for others
to   see   and    like.    Sometimes   people   comment  on   how
beautiful  my  solitude is  and  sometimes  my  solitude  replies
with  a  heart.  It  begins  to   follow  the  accounts  of  solitudes
that  are half its age.  What if my solitude is  depressed?  What
if even my solitude doesn’t want to be alone?

GRAMA, 1967

Quando abro a porta, sorrio e aceno para as pessoas que só

têm olhos e são infinitamente alegres. Eu vejo meus filhos,

mas apenas a parte de trás de suas cabeças. Quando eles se viram, eu

não os reconheço. Eles já tiveram bocas, mas agora só

tem olhos. Quero sair da sala, mas quando saio, estou

fora, e todos os outros estão dentro. Então, da próxima vez, eu abro a

porta e fico dentro. Mas então todo mundo está do lado de fora. Inês

disse que solidão e liberdade são a mesma coisa. Minha solidão é

como a grama. Fico tão consciente de sua presença que ela também

começa a se sentir como um público. Às vezes minha solidão agarra

meu celular e tira uma selfie, posta em algum lugar para outras pessoas

para ver e curtir. Às vezes as pessoas comentam sobre como

é bela minha solidão é e às vezes minha solidão responde

com um coração. Começa a seguir os relatos das solidões

que têm metade da sua idade. E se minha solidão for deprimida? O que

se até a minha solidão não quer ficar sozinha?

Ilustração: Focused Collection.