Saturday, February 28, 2015

Março começa com Borges

 
Ausência

Jorge Luis Borges

Habré de levantar la vasta vida
que aún ahora es tu espejo:
cada mañana habré de reconstruirla.
Desde que te alejaste,
cuántos lugares se han tornado vanos
y sin sentido, iguales
a luces en el día.
Tardes que fueron nicho de tu imagen,
músicas en que siempre me aguardabas,
palabras de aquel tiempo,
yo tendré que quebrarlas con mis manos.
¿En qué hondonada esconderé mi alma
para que no vea tu ausencia
que como un sol terrible, sin ocaso,
brilla definitiva y despiadada?
Tu ausencia me rodea
como la cuerda a la garganta,
el mar al que se hunde.

Ausência

Haverei de levantar a vasta vida
que, ainda agora, é teu espelho:
cada manhã hei de reconstruí-la.
Desde de que partistes,
quantos lugares se hão tornado vãos
e sem sentido, iguais
a luzes no dia.
Tardes que foram nicho de tua imagem,
músicas em que sempre me aguardavas,
palavras daquele tempo,
eu terei que quebrá-las com as minhas mãos. 
Em que profundezas esconderei minha alma
para que não veja tua ausência
que, como um sol terrível, sem ocaso,
brilha definitiva e desapiedada?
Tua ausência me rodeia
como uma corda à garganta,
o mar às praias que encobre.


Ilustração: chadecianeto.blogspot.com

Friday, February 27, 2015

Uma poesia de Julio Flórez Roa

Abstracción                                                   

Julio Flórez Roa

A veces melancólico me hundo
En mi noche de escombros y miserias,
Y caigo en un silencio tan profundo
Que escucho hasta el latir de mis arterias.
Más aún: oigo el paso de la vida
Por la sorda caverna de mi cráneo
Como un rumor de arroyo sin salida,
Como un rumor de río subterráneo.
Entonces presa de pavor y yerto
Como un cadáver, mudo y pensativo,
En mi abstracción a descifrar no acierto
Si es que dormido estoy o estoy despierto,
Si un muerto soy que sueña que está vivo
O un vivo soy que sueña que está muerto.

Abstração

Às vezes melancolico me afundo
Na minha noite de escombros e miséria,
E caio num silêncio tão profundo
Que escuto até o bater das minhas artérias.
Mais ainda: ouço o ritmo da vida
Pela surda caverna de meu crânio
Como um rumor de um arroio sem saída,
Como um rumor de um rio subterrâneo.
Então, preso de pavor e rígido
Como um cadáver, mudo e pensativo,
Na minha abstração a decifrar não acerto
Se é que estou dormindo ou desperto,
Se um morto sou que sonha que está vivo
Ou um vivo que sonha que está morto.


Ilustração: olhares.sapo.pt

Thursday, February 26, 2015

Um poema de Luis Gonzaga Urbina



Lubrica nox 

Luis Gonzaga Urbina

Miré, airado, tus ojos, cual mira agua un sediento
Mordí tus labios como muerde un reptil la flor;
Posé mi boca inquieta, como un pájaro hambriento,
En tus desnudas fromas ya trémulas de amor.
Cruel fue mi caricia como un remordimiento;
Y un placer amargo, con mezcla de dolor,
Se deshacía en ansias de muerte y de tormento,
En frenesí morboso de angustias y de furor.
Faunesa, tus espasmos fueron una agonía.
¡Qué hermosa estabas ebria de deseo, y que mía
Fue tu carne de mármol luminoso y sensual!
Después, sobre mi pecho, tranquila te dormiste
Como una dulce niña, graciosamente triste,
Que sueña ¡sobre el tibio regazo maternal!

Lubrica nox

Olhei, irado, teus olhos, como olha a água um sedento
Mordi teus lábios como um réptil morde a flor;
Pus minha boca inquieta, como um pássaro faminto,
Em tuas formas desnudas e trêmulas de amor.

Cruel foi minha carícia como se um remorso;
E um prazer amargo, com mistura de dor,
Se desfazia em ânsias de morte e de tormento,
Num frenesi mórbido de angústia e furor.

Faunesa, teus espasmos foram uma agonia.
Que bela estavas ébria de desejo, e que minha
Foi tua carne de mármore luminoso e sensual!

Depois sobre o meu peito, tranquila dormiste
Como uma doce menina, graciosamente triste,
Que sonha sobre o cálido regaço maternal!

Tuesday, February 24, 2015

Mais uma poesia de Marta Bohemia

COMO NO HABER COMIDO PAN EN LA VIDA  


Marta Bohemia

L
lega a veces ese hambre,
como de no haber comido pan en la vida.
Acecha en el Metro con una pareja
entrelazándose las manos
a las nueve antes del mediodía,
domicilios conyugales,
viajes organizados en agencia
donde terceros, aparte del agente,
son multitud.
Y me pregunto cómo será,
lo mismo que me preguntaba con quince años,
malpensada como soy,
más trotada, más vivida, más generosa,
cómo, ¡cómo!,
es decir a alguien que le quieres
estando segura de encontrarle
mañana y al otro mes,
también al despertar. Buenos días.
Y basta con dejar caer los párpados,
para llenarse las tripas de golosinas,
y darse un baño de sándalo,
para olvidar el hambre de pan.
Porque hay un hambre atrasada
que no se olvida por desconocer.
Un hambre terrible
como de no haber comido pan en la vida

Como não haver comido pão na vida

Chega, às vezes, esta fome,
como de não haver comido pão na vida.
Acessamos o metrô com um parceiro
entrelaçando as mãos
às nove antes do meio dia,
casas conjugais,
agência de viagens organizadas
onde terceiros, à parte do agente,
são multidão.
E me pergunto como será,
o mesmo que me perguntava com quinze anos,
malpensada como sou,
mais trotada, mais vivida, mais generosa,
como, como!,
dizer a alguém que se ama
estando segura de encontrá-la
amanhã e no outro mês,
também ao acordar. Bom Dia.
E basta só deixar cair as pálpebras,
para se encher as tripas de guloseimas,
e tomar um banho de sândalo,
para esquecer a fome de pão.
Porque há uma fome atrasada
que não se esquece por ignorar.
Uma fome terrível
como de não haver comido pão na vida

Ilustração: fmanha.com.br

Monday, February 23, 2015

Uma poesia de Gertrude Stein

Before the Flowers of Friendship Faded Faded    
Gertrude Stein

I love my love with a v
Because it is like that
I love my love with a b
Because I am beside that
A king.
I love my love with an a
Because she is a queen
I love my love and a a is the best of them
Think well and be a king,
Think more and think again
I love my love with a dress and a hat
I love my love and not with this or with that
I love my love with a y because she is my bride
I love her with a d because she is my love beside
Thank you for being there
Nobody has to care
Thank you for being here
Because you are not there

Antes das flores da amizade morrerem, morrerem

Eu amo meu amor com um v
Porque é assim
Eu amo meu amor com um b
Porque eu estou ao lado de
meu rei.
Eu amo meu amor com um a
Porque ela é uma rainha
Eu amo meu amor e um a é o melhor deles
Pense bem e seja um rei,
Pense mais e pense outra vez
Eu amo meu amor com um vestido e um chapéu
Eu amo meu amor com a e não com este ou com aquele
Eu amo meu amor com um d porque ela é minha noiva
Eu a amo com um d, porque ela é o meu amor ao lado
Obrigado por estar lá
Ninguém tem que cuidar
Obrigado por estar aqui
Porque você não estar lá

Sunday, February 22, 2015

Mais uma poesia de Miguel Hernandez

 
Me sobra el corazón

Miguel Hernandez


Hoy estoy sin saber yo no sé cómo,
hoy estoy para penas solamente,
hoy no tengo amistad,
hoy sólo tengo ansias
de arrancarme de cuajo el corazón
y ponerlo debajo de un zapato.

Hoy reverdece aquella espina seca,
hoy es día de llantos de mi reino,
hoy descarga en mi pecho el desaliento
plomo desalentado.

No puedo con mi estrella.
Y busco la muerte por las manos
mirando con cariño las navajas,
y recuerdo aquel hacha compañera,
y pienso en los más altos campanarios
para un salto mortal serenamente.

Si no fuera ¿por qué?… no sé por qué,
mi corazón escribiría una postrera carta,
una carta que llevo allí metida,
haría un tintero de mi corazón,
una fuente de sílabas, de adioses y regalos,
y ahí te quedas, al mundo le diría.

Yo nací en mala luna.
Tengo la pena de una sola pena
que vale más que toda la alegría.

Un amor me ha dejado con los brazos caídos
y no puedo tenderlos hacia más.
¿No veis mi boca qué desengañada,
qué inconformes mis ojos?

Cuanto más me contemplo más me aflijo:
cortar este dolor ¿con qué tijeras?

Ayer, mañana, hoy
padeciendo por todo
mi corazón, pecera melancólica,
penal de ruiseñores moribundos.

Me sobra corazón.

Hoy, descorazonarme,
yo el más corazonado de los hombres,
y por el más, también el más amargo.

No sé por qué, no sé por qué ni cómo
me perdono la vida cada día.

De “Otros poemas”

Me sobra o coração 

Hoje estou sem saber, não sei como,
hoje estou apenas triste tão somente,
Hoje não tenho amizades,
Hoje só tenho um desejo
de rasgar meu coalhado coração
e colocá-lo sob um sapato.

Hoje reverdece aquele espinho seco,
Hoje é dia de prantos em meu reino,
hoje derrama-se em meu peito o desalento
um desalento de chumbo.

Não posso com a minha estrela.
E procuro a morte pelas mãos
olhando com carinho para as facas,
e recordo do machado companheiro
e penso na maior torre de sino
para um salto mortal.

Se não fosse por quê? ... Não sei por que,
meu coração escreveria uma última carta
uma carta que carrego ali metida,
que faria um tinteiro do meu coração,
uma fonte de sílabas, e de adeuses, presentes,
e aí ficas, ao mundo dirias.

Nasci numa lua má.
Tenho a pena de uma só  pena
que vale mais do que toda a alegria.

Um amor me deixou com os braços caídos
e eu não posso estendê-los mais.
Não vê na minha boca quanto desengano,
quão infelizes são meus olhos?

Quanto mais me contemplo, mais me aflijo:
cortar esta dor com que tesoura?

Ontem, amanhã, hoje
todos sofrem
meu coração, aquário de melancolia
varal de rouxinóis moribundos.

Me sobra coração.
Hoje, eu, o de maior coração entre os homens,
e, por isto também, o mais amargo.

Eu não sei por que, não sei por que ou como
me perdoo por minha vida todos os dias.

De "Outros Poemas"

Friday, February 20, 2015

Uma poesia de Luiz Pérez



Sin quebrar los recuerdos del pasado

Luiz Pérez

Sin quebrar los recuerdos del pasado
al presente uniré con el futuro
para que no parezca siempre duro
vivir temiendo o mormo do pecado.  
Y al parecer estoy domesticado,
Que viendo el más allá bastante oscuro,
Siempre me encuentro hablando con um muro
Cuando me tildan, Deus, de renegado.

Pues sin usar la suplica ni el cuento
Una victíma soy de la evidência
De la qual escaparse nadie puede,

De forma que mi loco pensamiento,
manos tiene de echar de la experiencia 
para que en prejuicios no se enrede.

Sem quebrar as lembranças do passado

Sem quebrar as lembranças do passado
ao presente unirei o futuro
para que não pareça sempre duro
viver temendo o medo do pecado.

E, ao parecer, que estou domesticado,
que, vendo o mais além bastante escuro,
sempre me encontro falando com um muro
Quando me chamam, Deus, de renegado.

Pois, sem usar a súplica nem o conto
uma vítima sou da evidência
da qual ninguém escapar pode,

de forma que meu louco pensamento,
as mãos tem que achar da experiência

para que em prejuízos não se enrede.  

Thursday, February 19, 2015

Uma poesia de Liliana Campazzo

XIII                                                                       

Liliana Campazzo 


Sylvia Plath escribía un poema para el cumpleaños
decía que no era mas que boca,
                                        / que su corazón un geranio detenido
que sé yo las cosas que decía
ella no está acá para explicarme nada
sin embargo
cuando mi cabeza se metió al horno
tuve que pedirle
un rincón tranquilo
Ella escribía sobre un vidrio mejor
en su vientre un caballo
ella paria cachorros
trazaba mapas
comía lámparas
podía recordar la lengua sobre el pezón
gritaba sylvia plath y era lengua dentro de la boca
                                                                                 / de su madre
apenas rastro de un dedo sobre una ventana empañada soy
una araña olvidada sobre una maceta
soy la que barre
mientras mi perro olisquea mis plantas.


XIII

Sylvia Plath escreveu um poema para o aniversário
disse que não era nada mais que a boca,
                                         / que seu coração, um gerânio detido
que pouco sabia das coisas que disse
que ela não está aqui para explicar nada
sem embargo
quando minha cabeça se meteu no formo
tive que pedir-lhe
um lugar tranquilo
Ela escrevia sobre um copo melhor
no seu ventre um cavalo
ela  paria cachorros
traçava mapas 
comia lâmpadas
podia lembrar a língua sobre o mamilo
gritava Sylvia Plath e era a língua dentro da boca
                                                                                  /de sua mãe
apenas rastros de um dedo numa janela manchada sou
uma aranha esquecida sobre uma panela
sou a que varre
enquanto meu cão fareja minhas plantas.


Ilustração: http://www.thefrisky.com/

Wednesday, February 18, 2015

Um perdão sem jeito


Bem sei
que deveria cruzar as barreiras
que não cruzo.
Que te faço sofrer
e sofro.

Há limites, porém,
que se transpostos
nos levam a ser
o que não se é.

Impossível
superar as correntes invisíveis
que me prendem
sem rasgar a fantasia
de uma ordem que não existe,
mas, que, como numa procissão,
carregamos pela fé,
pelos valores que se cultuam,
ainda que com hipocrisia.

Peço perdão,
meu bem,
mas, a hora ainda não é esta
nem este o momento.

E, embora distante, vivas no meu pensamento
se o amor sobreviver será, apesar da flor, padecer da água deficiente da distância. 

Uma poesia de Giuseppe Ungaretti



CONTRA LA MUERTE

Giuseppe Ungaretti

Me arranco las visiones y me arranco los ojos cada día que pasa.
No quiero ver ¡no puedo! ver morir a los hombres cada día
Prefiero ser de piedra, estar oscuro,
a soportar el asco de ablandarme por dentro y sonreír.
a diestra y a siniestra con tal de prosperar en mi negocio.

No tengo otro negocio que estar
aquí diciendo la verdad
en mitad de la calle y hacia todos los vientos:
la verdad de estar vivo, únicamente vivo,
con los pies en la tierra y el esqueleto libre en este mundo.

¿Qué sacamos con eso de saltar hasta el sol con nuestras máquinas
 a la velocidad del pensamiento, demonios: qué sacamos
 con volar más allá del infinito
 si seguimos muriendo sin esperanza alguna de vivir
fuera del tiempo oscuro?

Dios no me sirve. Nadie me sirve para nada.
Pero respiro, y como, y hasta duermo
pensando que me faltan unos diez o veinte años para irme
de bruces, como todos, a dormir en dos metros de cemento allá abajo.

No lloro, no me lloro. Todo ha de ser así como ha de ser,
pero no puedo ver cajones y cajones
pasar, pasar, pasar, pasar cada minuto
llenos de algo, rellenos de algo, no puedo ver
todavía caliente la sangre en los cajones.

Toco esta rosa, beso sus pétalos, adoro
la vida, no me canso de amar a las mujeres: me alimento
de abrir el mundo en ellas. Pero todo es inútil,
porque yo mismo soy una cabeza inútil
lista para cortar,
por no entender qué es eso
de esperar otro mundo de este mundo.

Me hablan del Dios o me hablan de la Historia. Me río
de ir a buscar tan lejos la explicación del hambre
que me devora, el hambre de vivir como el sol  
en la gracia del aire, eternamente.

Contra a morte

Arranco-me as visões e os olhos cada dia que passa.
Não quero ver – não posso! – ver morrerem os homens a cada dia.
Prefiro ser de pedra, estar na escuridão,
a suportar o nojo de abrandar-me por dentro e sorrir
a torto e a direito como meio de prosperar em meu negócio.

Não tenho outro negócio senão estar
aqui dizendo a verdade
no meio da rua e para todos os ventos:
a verdade de estar vivo, unicamente vivo,
com os pés na terra e o esqueleto livre neste mundo.

O que ganhamos com isto de saltar até o sol com nossas máquinas
à velocidade do pensamento. Demônios! O que ganhamos
com o voar além do infinito
se seguimos morrendo sem esperança alguma de viver
fora deste tempo obscuro?

Deus não me serve. Ninguém me serve para nada.
Porém respiro. E como. E até durmo
pensando que me faltam uns dez ou vinte anos para ir-me
de bruços, como todos, a dormir sob dois metros de cimento lá embaixo.

Não choro – não mesmo! Tudo há de ser como há de ser,
porém, não posso ver caixões e mais caixões
passarem, passarem, passarem, a cada minuto
cheios de algo, recheados de algo, não posso ver
ainda quente o sangue nos caixões.

Toco esta rosa, beijo suas pétalas, adoro
a vida, não me canso de amar as mulheres: me alimento
de abrir o mundo nelas. Porém, tudo é inútil!
Pois, eu mesmo sou uma cabeça inútil
pronta para ser cortada
por não entender o que é isto
de ter que esperar outro mundo neste mundo.

Falam-me do Deus ou da História. Rio-me
de irem buscar tão longe a explicação da fome
que me devora, a fome de viver como o sol
na graça do ar, eternamente.

Ilustração: donttouchmymoleskine.com


Tuesday, February 17, 2015

Um poema de Luis Pérez de Castro


Cercano a la ciudad II

Luis Pérez de Castro

mi ciudad era como un cuchillo bajo la lluvia, como un tatuaje en la vaina donde se enfundaba la humedad, las voces de los niños en los charcos y el llanto de las madres sin sombra. 
yo creía en mi ciudad hasta que la vi derrumbarse y pasar por su arteria principal un arría de mulos con los ojos tapados y una campana fastidiosa y un hombre ciego con un látigo en la mano.
yo creí en mi ciudad hasta que presentí su viaje postrer.
ya no quedaba nada que se pudiera ocultar, una pregunta, la ausencia redimida del hastío, la vaga impresión de no saber a quién servir y el letargo de lo imposible latente detrás de las paredes.
no quedaba nada que ocultar y una adivinanza creció.
los signos de una muerte bochornosa se adueñaron de mi ciudad y nada fue posible, el discurso, el político condenado a extinguirse como las lágrimas, las ansias de un pueblo vulnerable y el reflejo de una luz perdida en las evocaciones.
nadie vuelve el rostro para no reconocer sus culpas.
mi ciudad yace en los escombros, sin secretos y repleta de angustias. a duras penas reconozco la vigilia de los niños y las madres y los animales que en un solitario rincón disculpan sus remordimientos, sus propias traiciones, el odio y el dolor sitiándoles la memoria, la sensación perenne de no ser dueños de nada.
con igual desdén intentan caminar, repetirse hasta el cansancio.
mi ciudad y yo dejamos de ser íntimos amigos.
 
Próximo da cidade II

minha cidade era como uma faca na chuva, como uma tatuagem na bainha onde a umidade se afundava, as vozes das crianças nos riachos e o pranto das mães sem sombra.
Eu acreditava na minha cidade até que a vi desmoronar-se e passar pela rua principal uma parelha de mulas com os olhos vendados, uma campainha irritante e um cego com um chicote.
Eu acreditei na minha cidade até sentir o fim de sua viagem.
Já não havia nada que pudesse ocultar, uma pergunta, a ausência redimida do fastio, a vaga impressão de não saber a quem servir e a letargia do latente impossível atrás de paredes.
Não havia nada a esconder e o enigma cresceu.
Os sinais de uma morte vergonhosa tomaram conta da minha cidade e nada foi possível, o discurso, o político condenado a se extinguir como as lágrimas, as ansiedades de um povo vulnerável e o reflexo da luz perdida em evocações.
Ninguém vira o rosto para não reconhecer a sua culpa.
Minha cidade fez-se escombros, sem segredos e repleta de angústia. A duras penas reconheço a vigília das crianças e das mães e dos animais que num solitário canto desculpam seus remorsos, suas próprias traições, o ódio e a dor sitiando-os na memória, a sensação perene de não serem donos de nada.
Com igual desdém intentam caminhar, repetir-se até o cansaço.
Minha cidade e eu deixamos de ser amigos íntimos.


Ilustração: www.ovosmexidos.com.br