Tuesday, February 26, 2019

SONHOS DE NEVE




Se eu fosse um pintor
teu corpo branco
pintaria
como se fosse uma flor de neve,
sutil, quase irreal, tão leve
como a pureza e a brancura
da alvorada
de um dia inesquecível.

Se eu fosse um escultor
faria de teu corpo
um monumento de amor
do qual jorrariam
flocos de prazer,
torrões de açúcar,
com um brilho nítido,
incomparável
que só poderia ser teu.

Se eu fosse um músico
faria para o teu corpo
uma sonata branca,
pura, musicalmente clara,
com uma inocência de notas
tão cândidas
que até os santos
se perderiam
na alvura de seu ritmo.

Infelizmente não tenho nenhum talento!
Sou apenas um viajante
por teu corpo de leite
na busca incansável do deleite,
vagando por tuas curvas e saliências,
sem mapa e sem um fio sequer,
aprendendo na branquidão de uma mulher
o amor,  o prazer e o sonho de ser feliz e viver!

Ilustração: Barão.

Outra poesia de Louise Labé


Baise m´encore...            
Louise Labé

Baise m´encore, rebaise moi et baise:
Donne m´en un de tes plus savoureux,
Donne m´en un de tes plus amoureux:
Je t´en rendrai quatre plus chauds que braise.

Las, te plains-tu? Ça que ce mal j´apaise
En t´en donnant dix autres doucereux,
Ainsi mêlant nos baisers tant heureux
Jouissons-nous l´un de l´autre à notre aise.

Lors double vie à chacun en suivra,
Chacun en soi et son ami vivra.
Permets m´amour penser quelque folie:

Toujours suis mal, vivant discrètement,
Et ne me puis donner contentement
Si, hors de moi, ne fais quelque saillie.

COMA-ME

Coma-me outra vez, coma-me e coma-me:
Dá-me uma das suas mais saborosas
Dá-me uma das suas mais apaixonadas:
Que farei de você mais quente que as brasas.

Te queixas? Vem que acalmo teu pesar
Dando-te mais dez vezes deliciosas,
E mesclando nossos beijos tão felizes
De prazer passemos a gozar.

Cada um assim um prazer duplo terá
Porque em si e no seu amigo viverá.
Amor, deixa-me uma loucura sentir:

Sempre estou errado assim na minha vida,
E não consigo me sentir contente
Se, fora de mim, não posso sair.

Ilustração: Entre todas as coisas.

Uma poesia de Emile Nelligan


Quelqu'un pleure dans le silence...                 

Emile Nelligan

Quelqu'un pleure dans le silence
Morne des nuits d'avril;
Quelqu'un pleure dans la somnolence
Longue de son exil;
Quelqu'un pleure sa douleur
Et c'est mon cœur !

ALGUÉM CHORA EM SILÊNCIO

Alguém está chorando em silêncio
das noites tristes de abril;
Alguém está chorando sonolento
Longe de seu exílio;
Alguém está chorando sua dor
E é meu coração!

Ilustração: Sobre ninfas e sátiros.

E, de volta, Eugenio Montale


[MIA VITA]                  
Eugenio Montale

Mia vita, a te non chiedo lineamenti
fissi, volti plausibili o possessi.
Nel tuo giro inquieto ormai lo stesso
sapore han miele e assenzio.

Il cuore che ogni moto tiene a vile
raro è squassato da trasalimenti.
Così suona talvolta nel silenzio
della campagna un colpo di fucile.

[MINHA VIDA]

Minha vida, não te peço lineamentos
fixos, vultos plausíveis ou possessos.
No teu giro inquieto sinto o mesmo
sabor que tem o mel e o absinto.

O coração que todo tende ao vil
raro é estremecido por pressentimentos.
Tal como soa, às vezes, no silêncio
da campina um tiro de fuzil.

Ilustração: Resumo das novelas.

E, agora, mais uma poesia de Nicolás Guilén


Mujer nueva                   
Nicolás Guillén

Con el círculo ecuatorial
ceñido a la cintura como a un pequeño mundo
la negra, mujer nueva,
avanza en su ligera bata de serpiente.

Coronada de palmas,
como una diosa recién llegada,
ella trae la palabra inédita,
el anca fuerte,
la voz, el diente, la mañana y el salto.

Chorro de sangre joven
bajo un pedazo de piel fresca,
y el pie incansable
para la pista profunda del tambor.


MULHER NOVA

Com o círculo equatorial
apertado na cintura como a um pequeno mundo
a negra, mulher nova,
avança em seu ligeiro manto de serpente.

Coroada de palmas,
como uma deusa recém-chegada
ela traz a palavra inédita,
a anca forte
a voz, o dente, a manhã e o salto.

Jorro de sangue jovem
sob um pedaço de pele fresca,
e o pé incansável
para a trilha profunda do tambor.

Ilustração: Pinterest.


Friday, February 22, 2019

Outra poesia de Jean Arp




L'air est une racine

Jean Arp

les pierres sont remplies d'entrailles. bravo. bravo.
les pierres sont remplies d'air.
les pierres sont des branches d'eaux.

sur la pierre qui prend la place de la bouche pousse
une feuille-arête. bravo.
une voix de pierre est tête à tête et pied à pied
avec un regard de pierre.

les pierres sont tourmentées comme la chair.
les pierres sont des nuages car leur deuxième nature leur dance.
sur leur troisième nez. bravo. bravo.

quand les pierres se grattent des ongles poussent aux racines.
bravo. bravo.
les pierres ont des oreilles pour manger l'heure exacte.


O ar é uma raiz

as pedras estão cheias de entranhas. bravo. bravo.
as pedras estão cheias de ar.
as pedras são ramos de água.

na pedra que toma o lugar da boca cresce
uma folha de espinosa. bravo.
uma voz de pedra é da cabeça aos pés e pé a pé
como um olhar de pedra.

pedras são atormentadas como carne.
as pedras são nuvens porque sua segunda natureza
 é sua dança no seu terceiro nariz. bravo. bravo.

quando as pedras estão coçando, suas unhas crescem nas raízes.
bravo. bravo.
as pedras têm ouvidos para comer a hora exata.

Ilustração: Magia oriental. 

Ói, lá vou eu!


Ói, lá vou eu!                                                       
Vou como posso
Vou como deixam.
Não! Não me queixo.
Desengonçado
só me mexo
e, pela vida, vou tentando,
quase sempre dançando
do jeito que posso dançar!
Ói, lá vou eu!
Para onde não sei não.
Vou cultivando a ilusão
dentro do meu coração
de que é possível chegar lá.
Lá onde nem sei
onde nunca cheguei
nem sei se vou chegar,
mas, lá vou eu
onde a vida me levar
no passo que a idade dá..
dançando!

Ilustração: Dança em Pauta.

Outra poesia de Claudio Rodríguez



Clávame con tus ojos esa nube                                       

Claudio Rodríguez

Clávame con tus ojos esa nube
y esta esperanza de hombre que me queda.
¿Por dónde yo si estaba en la alameda
de tus ojos mintiendo cuando estuve?

Disciplina de todo lo que sube.
De lo que mira y ve, mientras se enreda
su triste agilidad, como en la rueda
de tus campos del cielo que no anduve.

Y es por seguir cegueras sin mancilla
por lo que tanta bruma nos separa
y hace del resplandor su maravilla,

su clavel mudo. ¡Y qué ajenos al daño
después, cuando tus ojos son la clara
locura de no verme siempre extraño!


CRAVA-ME COM TEUS OLHOS ESSA NUVEM

Crava-me com os teus olhos essa nuvem
e esta esperança de homem que me resta.
Onde eu estava na alameda
dos teus olhos mentindo quando lá estave?

Disciplina de tudo que sabia.
Do que olha e vê e vê, enquanto enrola
sua triste agilidade, como na roda
de teus campos do céu em que não andei.

E é por seguir a cegueira sem defeito
Pelo o tanto que a neblina nos separa
e faz do esplendor a sua maravilha,

seu cravo mudo. E que alheios ao dano
depois, quando teus olhos são a clara
loucura de nem me ver sempre estranho!

Ilustração: pontosdeumponto.blogspot.com.

Tuesday, February 19, 2019

Uma poesia de Antonio Martínez Sarrión


Creciente ilusión inútil                                 
Antonio Martínez Sarrión

Girar las llaves una y otra vez
con obsesión de orate
a fin, gesto imposible sobre torpe,
de conjurar la fuerza y majestad
de un sordo y ciego Azar que va rigiendo
cuanto en el universo alienta y condiciona,
¿será instalarse en la cúspide misma
de la árida ignorancia,
o ir clausurando, si se quiere así,
esos remansos, no de felicidad,
de sosiego tal vez,
el «chispazo entre dos oscuridades»,
metáfora suprema que condensa
la existencia y afanes de la especie?

Crescente ilusão inútil

Girar as chaves várias vezes
com a obsessão de um louco,
ao fim, o gesto impossível e estranho,
de conjurar a força e a majestade
de um azar surdo e cego que vai governando
quanto no universo encoraja e condiciona,
irá instalar-se no topo mesmo
da árida ignorância?,
ou para fechar-se, se quiseres assim,
nesses remansos, não de felicidade,
de sossego, talvez,
a "faísca entre duas escuridões",
metáfora suprema que condensa
a existência e os esforços da espécie?

Ilustração: Lágrimas de um Anjo.

Monday, February 18, 2019

Outra poesia de Aída Elena Párraga


EL FUEGO Y SUS MISTERIOS                

Aída Elena Párraga

Yo conocí el secreto del fuego
mucho antes que el primer
bosque se incendiara.
Antes aún de aquella hoguera,
antes de la llama.
Como todos los hallazgos
fue accidente,
tropezar con la chispa en tu palabra,
y después, ¿qué remedio?:
encenderme
con el roce casual de tu mirada.

O FOGO E SEUS MISTÉRIOS

Eu conheci o segredo do fogo
muito antes de que o primeiro
bosque se incendiasse.
Antes ainda daquela fogueira,
antes da lama.
Como todos as descobertas  
foi um acidente,
tropeçar com a chispa em tua palavra,
e depois, que remédio?
incendiar-me
com o roçar casual de teu olhar.

Ilustração: Pinterest.


Thursday, February 14, 2019

MOMENTO



Quando surges                                                                               
bela, imponente, encantadora e linda,
quase um sonho,
vestida para matar.
Me sinto infantil, bobo, menino perdido
e fico louco, com a tentação insensata,
que vira obsessão e me maltrata 
de que preciso o teu vestido tirar!

Ilustração: ofuxico.com.br.

Outras poesia de Viviana Paletta












Viviana Paletta                                                   


No estoy cuajada para esta sed.
Para un acorde.

Paulatina de mí
me espero.
Un fárrago de olvido y trasluces.
Vi a través.
Supe la espuma, el letargo,
la batahola.
Vine por millares
y me quedé en ninguna
blanco aleteo
/estela que se desmenuza
/brochazo que habitó unas pupilas.


Não estou talhada para esta sede.
Para um acorde.
Paulatino em mim
me espero.
Uma mistura de esquecimento e translucidez.
Vi através.
Senti a espuma, a letargia
o zumbido.
Vim por milhares
e me acabei sem nenhuma
vibração branca
/estrela desmoronando
/marcas que habitaram umas pupilas.

Ilustração de Xueh Magrini