Sunday, June 26, 2022

Poeminha do Insolúvel

 


Sei,

bem sei, 

meu amor, 

que ganhar na loteria

uma profunda alegria

me daria.

Solução não seria,

pois, com isto, meus problemas

não se acabariam não. 

Não ter problemas é ilusão. 

Jogo sim. 

E com frequência erro-

esta última quina de São João

foi meu inferno-

porém, por coerência

vou em frente-

e não sou de ferro,

da vida rio

só por desafio. 

Vejo, de forma diferente, 

os problemas dos outros mortais. 

Aprendi, com a morte acidental

do professor Zibetti,

que o nosso mundo não foi feito para a paz

e os problemas nunca se resolvem.

Voltam sempre em profusão:

problemas, probleminhas, problemões

que venham!

Para suportá-los 

um bom vinho tenho

com um bom tira-gosto

de bacalhau ou de salmão, 

se possível, 

mas, um bom queijo já resolve. 

Não se alcança o impossível. 

Problemas, my Love, 

só os mortos não tem. 

Ilustração: Agência Brasil Central. 

Outra de Edna St. Vincent Millay

 


MODERN DECLARATION

Edna St. Vincent Millay

I, having loved ever since I was a child a few things, never having wavered

In these affections; never through shyness in the houses of the rich or in the presence of clergymen having denied these loves;

Never when worked upon by cynics like chiropractors having grunted or clicked a vertebra to the discredit of these loves;

Never when anxious to land a job having diminished them by a conniving smile; or when befuddled by drink

Jeered at them through heartache or lazily fondled the fingers of their alert enemies; declare

 

That I shall love you always.

No matter what party is in power;

No matter what temporarily expedient combination of allied interests wins the war;

Shall love you always.

 

 

 

 

 

MODERNA DECLARAÇÃO

Eu, tendo amado algumas coisas desde criança, nunca tendo vacilado

nessas afeições; nunca por timidez nas casas dos ricos ou na presença de clérigos tendo negado esses amores;

Nunca quando trabalhado por cínicos como quiropráticos que grunhiram ou estalaram uma vértebra para desacreditar esses amores;

Nunca quando ansioso para conseguir um emprego tendo diminuído por um sorriso conivente; ou quando confuso pela bebida

Olhado para eles com dor no coração ou preguiçosamente passado os dedos de seus inimigos alertas; declaro

 

Que vou te amar para sempre.

Não importa qual partido está no poder;

Não importa que combinação temporária conveniente de interesses aliados ganhe a guerra;

Irei amar você sempre.

Ilustração: https://modomeu.com/.

 

Uma poesia de Victor Segalen

 


Stèle des pleurs

Victor Segalen

Si tu es homme, ne lis pas plus loin: la

douleur que je porte est si vaste et grave que

ton coeur en étoufferait.

 

Si tu es Chenn, détourne-toi plus vite encore:

l’horreur que je signale te rendrait lourd

comme ma pierre.

 

Si tu es femme, hardiment lis-moi pour

éclater de rire, et oublie à jamais de t’arrêter

de rire,

 

Mais si tu sers comme eunuque au Palais,

affronte-moi sans danger ni rancune, et garde

le secret que je dis.

 

ESTRELA DE PRANTO

Se és homem, não prossigas tua leitura:

A dor que levo é tão vasta e grave

que afogaria o teu coração.

 

Se és crioulo, volta-te  ainda mais rápido:

o horror a que me refiro te faria pesar

como minha pedra.

 

Se és mulher, leia-me com atrevimento

e ri às gargalhadas: esquece para sempre

de deixar de rir.

 

Porém se és eunuco no palácio,

enfrenta-me sem perigo nem rancor,

e guarda-me este segredo.

Ilustração: https://arthive.com/vasilyvasilyevichvereshchagin/works/35037~The_eunuch_at_the_door_of_the_harem.

E, de volta, Dulce María Loynaz

 


QUIÉREME ENTERA

Dulce María Loynaz

Si me quieres, quiéreme entera,
no por zonas de luz o sombra…
Si me quieres, quiéreme negra
y blanca, Y gris, verde, y rubia,
y morena…
Quiéreme día,
quiéreme noche…
¡Y madrugada en la ventana abierta!…

Si me quieres, no me recortes:
¡Quiéreme toda… O no me quieras

QUEIRA-ME INTEIRA

Se me queres, queira-me inteira,

não por zonas de luz ou sombra...

Se me queres, queira-me negra

e branca, e cinza, verde, ruiva,

e morena....

Queira-me dia,

Queira-me noite...

E madrugada com a janela aberta!...

Se me queres, não me recortes:

Queira-me toda...Ou não me queiras

Ilustração: https://www.mensagenscomamor.com/.

Sunday, June 19, 2022

Hai-Kais seriam, se Hai-Kais fossem...

 


Uma navalha, o teu amor, sem perdão, corta

Me dilacera, fere, me deixa em retalhos. 

Sem ele, porém, sou uma pessoa morta!


Eu posso ficar sem roupa, sem nada.

Cartão, celular, chaves, namorada. 

Sem os óculos, no entanto, tô ferrada! 


Antigamente era o maior ideal trocar 

o reino, sem olhar, por um cavalo. 

Os tempos mudaram. Agora é por um celular!



Uma poesia sombria de Allen Ginsberg

 


REFRAIN

Allen Ginsberg

The air is dark, the night is sad,

I lie sleepless and I groan.

Nobody cares when a man goes mad:

He is sorry, God is glad.

Shadow changes into bone.

 

Every shadow has a name;

When I think of mine I moan,

I hear rumors of such fame.

Not for pride, but only shame,

Shadow changes into bone.

 

When I blush I weep for joy,

And laughter drops from me like a stone:

The aging laughter of the boy

To see the ageless dead so coy.

Shadow changes into bone.

REFRÃO

O ar está escuro, a noite é triste,

Fico sem dormir e gemo.

Ninguém se importa quando um homem enlouquece:

Ele está arrependido, Deus está feliz.

A sombra se transforma em osso.

 

Cada sombra tem um nome;

Quando penso no meu eu gemo,

Eu ouço rumores de tal fama.

Não por orgulho, mas apenas vergonha,

A sombra se transforma em osso.

 

Quando coro choro de alegria,

E o riso cai de mim como uma pedra:

O riso envelhecido do menino

Vendo os mortos sem idade tão tímidos.

A sombra se transforma em osso.

Ilustração: Mix de Séries.

Rosa Mulher

 


Tu, que és a rosa das rosas, 

mulher de pétalas abertas

ao orvalho do amor

e de perfume permanente.

És, na verdade, um buquê

de tanta beleza

que, teu sorriso,

como a natureza

é transcendente,

natural, comum, 

real, 

como tudo que é

pode ser,

assim mesmo sendo sonho.

Rosa, mulher. 

Ilustração: Marcia Fernandes. 

Saturday, June 18, 2022

FRANKSTEIN

Que eu sou um monstro, eu sei.

No espelho nunca me olhei

para evitar me assustar.

Lembro bem que adolescente

apavorava tanta gente

e não contei o número de crianças,

que, paralisadas,

choravam ao me ver.

Melhorei muito, pode crer,

com o tempo, a crescer.

Mas, apesar de, hoje, ser mais belo

Sozinho, ao me topar,

muitos bravos ficam amarelos 

e até chegam a mijar! 

Ilustração: observador. 

 

Com vocês Maurice Scève

BLASON DU SEIN

Maurice Scève

L'haut plasmateur de ce corps admirable,

L'ayant formé en membres variable

Mit la beauté en lieu plus éminent,

Mais pour non clore icelle incontinent,

Ou finir toute en si petite espace,

Continua la beauté de la face

Par une gorge ivoirine et très blanche,

Ronde et unie, en forme d'une branche,

Ou d'un pilier qui soutient ce spectacle,

Qui est d'amour le très certain oracle.

Là où j'ai fait par grand dévotion

Maint sacrifice, et mainte oblation

De ce mien coeur, qui ard sur son autel

En feu qui est à jamais immortel,

Lequel j'arrose, et asperge de pleurs

Pour eau benoîte et, pour roses et fleurs,

Je vais semant gémissements et plaints

De chants mortels environnés, et pleins,

BRASÃO DOS SEIOS

O magno criador deste admirável corpo,

o tendo formado de membros variáveis

colocou a beleza num lugar eminente,

mas por não enclausurá-la incontinente,

Ou terminá-la num espaço tão conciso,

continuar a beleza do teu rosto foi preciso

por uma garganta de marfim, muito clara

redonda e lisa, em forma de galho,

Ou um pilar que sustenta o espetáculo,

Que é de amor tão certeiro oráculo.

Onde eu fiz com grande devoção

muitos sacrifícios e muita oração

do meu coração, que queima em seu altar

no fogo que é eternamente imortal,

que cuido e semeio com lágrimas

com água bendita e com rosas e flores,

vou semear gemidos e reclamações

cercadas de plenas e mortais canções.

Ilustração: Dream Plastic.


Friday, June 17, 2022

Hai-Kais Hanakotoba

 


No chão, as flores criam uma passadeira,

Cor de rosa, tapete de cerejeiras, 

brilha a vida das coisas passageiras. 


De presente te dou amor perfeito. 

Flor é preciso cuidar direito. 

Se bem que isto faz parte do teu jeito. 


Um jarro com cacto te envio. 

O seu significado é um desafio. 

Não sabes, doce gueixa, do que rio. 

Ilustração: https://construindodecor.com.br/. 

Juana de Ibarbourou, pois....

 


Como una sola flor desesperada

Juana de Ibarbourou

Lo quiero con la sangre, con el hueso,
con el ojo que mira y el aliento,
con la frente que inclina el pensamiento,
con este corazón caliente y preso,

y con el sueño fatalmente obseso
de este amor que me copa el sentimiento,
desde la breve risa hasta el lamento,
desde la herida bruja hasta su beso.

Mi vida es de tu vida tributaria,
ya te parezca tumulto, o solitaria,
como una sola flor desesperada.

Depende de él como del leño duro
la orquídea, o cual la hiedra sobre el muro,
que solo en él respira levantada.

COMO UMA FLOR SÓ DESESPERADA

A quero com o sangue, com o osso,

com o olho que olha e o alento,

com a testa que inclina o pensamento,

com este coração quente e preso,

 

e com o sonho fatalmente obcecado

deste amor que preenche o sentimento,

do breve riso até ao lamento,

da ferida da bruta até o seu beijo.

 

Minha vida é de tua vida tributária,

se te parece tumulto, ou solitária,

como uma flor só desesperada.

 

Dependo dele como do lenho duro

a orquídea, ou como a hera do muro,

que só nele respira levantada.

Ilustração: Suki Dasu.

 

LOVE SONGS I DE MINA LOY

 


LOVE SONGS

Mina Loy

I

Spawn of fantasies

Sifting the appraisable

Pig Cupid his rosy snout

Rooting erotic garbage

"Once upon a time"

Pulls a weed white star-topped

Among wild oats sown in mucous membrane

I would an eye in a Bengal light

Eternity in a sky-rocket

Constellations in an ocean

Whose rivers run no fresher

Than a trickle of saliva

 

These are suspect places

 

I must live in my lantern

Trimming subliminal flicker

Virginal to the bellows

Of experience

Colored glass.

 

I

Geração de fantasias

Peneira do apreciável

Porco Cupido seu focinho rosado

Enraizando erótico lixo

"Era uma vez"

Puxa uma erva daninha branca estrelada

Entre aveia selvagem semeada na membrana mucosa

Eu teria um olho em uma luz de Bengala

Eternidade em um foguete

Constelações em um oceano

Cujos rios não correm mais frescos

Do que um fio de saliva

 

Estes são lugares suspeitos

 

Eu devo viver na minha lanterna

Aparar a cintilação subliminar

virginal no fole

De experiência

Vidro colorido.

Ilustração: Revista Vidro Impresso.

Thursday, June 16, 2022

Feiticeira também é gente

 

É claro que as feiticeiras 

se passam por mulheres comuns

e usam caldeirões e talheres 

como é normal em alguns 

povos, que se dizem civilizados

(apesar de selvagens e malcomportados). 

Que, agora, andam de metrô 

ou de avião-

é coisa de geração,

necessidade e favor

(usar vassouras, no momento, 

seria um dissabor)

Sei que ser feiticeira, meu amor,

é uma dádiva e um problema. 

Pode-se pegar o ônibus errado

e perder oito anos num segundo

ou, com um piscar de olhos, 

mudar o mundo. 

Também, a partir de um sonho, 

acertar na loteria 

e, só por maldade, 

ir viver sozinha em Porto Seguro

porquê não há como escapar da realidade,

o único pilar que temos 

é o presente.

Ser feiticeira

é ser como a gente

com um pouco mais de compreensão,

acuidade, previsão 

e a capacidade de rir da situação

mesmo sabendo que vai ser queimada! 

Ilustração: De Arte em Arte. 

Uma poesia de Louis Calaferte



Rues maintes fois parcourues...

Louis Calaferte

Rues maintes fois parcourues depuis tant d'années.
Les changements y sont lents.
Lente y est la vie.
Certaines physionomies connues à force d'être rencontrées soudainement
disparaissent.
Les vitrines des boutiques se renouvellent tout en se ressemblant.
Il y a des magasins dont les propriétaires ne se montrent jamais.
Vieux magasins.
D'autres qui incitent à la dépense.
Il y a un chien noir aux oreilles cassées assis devant une entrée.
Un vieux chien qui ne se laisse pas approcher.
De vieilles personnes marchent lentement.
Avec de vieux vêtements aux couleurs usées.
Les trottoirs sont étroits.
Peut-être ces rues ne mènent-elles nulle part.
De vieilles personnes qui rentrent chez elles.
Vient une heure où les perspectives raccourcies se font désertes.
Heure de cette atroce agonie qu'on appelle le crépuscule.

AS RUAS MUITAS VEZES PERCORRIDAS....

As ruas muitas vezes percorridas durante tantos anos.

Ali as mudanças são lentas.

Ali lenta é a vida.

Algumas fisionomias conhecidas por ali serem encontradas repentinamente

desaparecem.

As vitrines das lojas são renovadas enquanto se assemelham.

Existem magazines cujos donos nunca aparecem.

Magazines antigos.

Outros que incentivam o consumo.

Há um cachorro preto com orelhas quebradas sentado na frente de uma entrada.

Um cachorro velho que não pode ser abordado.

As pessoas velhas caminham devagar.

Com velhas vestimentas que perderam as cores de tão usadas.

As calçadas são estreitas.

Talvez essas ruas não levem a parte alguma.

Pessoas idosas voltando para casa.

Chega uma hora em que as perspectivas raciocinadas se fazem desertas.

Hora daquela atroz agonia que chamam de crepúsculo.

Ilustração: pik.ist.

E, agora, Mario Benedetti

  


CORAZÓN CORAZA

Mario Benedetti

Porque te tengo y no

porque te pienso

porque la noche está de ojos abiertos

porque la noche pasa y digo amor

porque has venido a recoger tu imagen

y eres mejor que todas tus imágenes

porque eres linda desde el pie hasta el alma

porque eres buena desde el alma a mí

porque te escondes dulce en el orgullo

pequeña y dulce

corazón coraza

 

porque eres mía

porque no eres mía

porque te miro y muero

y peor que muero

si no te miro amor

si no te miro

 

porque tú siempre existes dondequiera

pero existes mejor donde te quiero

porque tu boca es sangre

y tienes frío

tengo que amarte amor

tengo que amarte

aunque esta herida duela como dos

aunque te busque y no te encuentre

y aunque

la noche pase y yo te tenga

y no.

CORAÇÃO COURAÇA

Porque te tenho e não

porque te penso

porque a noite está de olhos abertos

porque a noite passa e eu digo amor

porque viestes para recolher tua imagem

e és melhor do que todas as suas imagens

porque és linda do pé até a alma

porque és boa de alma para mim

porque esconde doce em teu orgulho

pequena e doce

coração couraça

 

Porque és minha

porque não és minha

porque te olho e morro

e pior morro

se não te olho amor

se não te olho

 

porque tu sempre existes em todos os lugares

porém existes melhor onde eu te amo

porque tua boca é sangue

e tens frio

tenho que te amar amor

tenho que te amar

Ainda que esta ferida doa como duas

ainda que te procure e não te encontre

e ainda que

a noite passe e não te tenha

e não.

Ilustração: Sou da Promessa.

Wednesday, June 15, 2022

Haikus não publicados de Allen Ginsberg

 


Haiku (Never Published)

 Allen Ginsberg

Drinking my tea

Without sugar-

No difference.

 

Looking over my shoulder

my behind was covered

with cherry blossoms.

 

Winter Haiku

I didn't know the names

of the flowers--now

my garden is gone.

 

Bebendo meu chá

Sem açúcar-

Nenhuma diferença.

 

Olhando por cima do meu ombro

meu traseiro estava coberto

com flores de cerejeira.

 

Haicais de Inverno

eu não sabia os nomes

das flores - agora

meu jardim se foi.

Ilustração: I Love Flores.