Wednesday, November 30, 2016

VERSOS DE NATAL


Tenho muito pouco para te oferecer 
Neste Natal.
Não oferecerei nenhuma estrela para guiar teus passos 
Nem a ceia está posta 
Nem o vinho te espera na taça. 
Só tenho esta tristeza 
Esta saudade que não passa 
E uns pobres versos 
Que dizem que, no meu coração, 
Repousas como o menino da manjedoura 
Que sempre renasce a cada ano 
Com mais amor e emoção.

(De "Águas Passadas", Editora Per Se, 2013). 

UM ESTRANHO NO NINHO


Flor, sórdida figura do chicote.
Amor, breve ilusão dos homicidas.
Cegam-me as luzes escuras dos archotes;
Paralisa-me a realidade conhecida.

Egoísmo, pétalas que se abrem nas manhãs,
Dinheiro, tola ilusão dos de razão deserdados.
Escorrem-me entre os dedos a tinta vã;
Escapa-me do controle um papel alado.

Egoísmo e flor, amor e dinheiro, prismas..
As luzes, a realidade, os dedos, um papel,
A tinta, a manhã, archotes, homicidas,
Pétalas, breve,tola, deserdados, ilusão.

Dinheiro e egoísmo, amor e flor, ilusão,
Pétalas, tola, manhã, breve, um papel,
A tinta, archotes, homicidas, luzes,
Os dedos, deserdados, a realidade, prismas...

(De "Apocalypse", Editora Zanzalás, 1982). 

PAIXÃO ADORMECIDA

O risco de dizer que te amo é enorme.
Dentro de mim um dragão de prazer dorme.
Lamento a santa inocência de teu olhar
Que, sem mim, não há de saber o que é gozar.
E rio dos que, inutilmente, te cortejam.
Sei que somente os mosquitos te beijam.
E sei também que a paixão adormecida
Mais cedo, ou mais tarde, há de criar vida.
Na espera só choro as horas perdidas.

(Do livro "Águas Passadas", Editora Per Se, 2013).
Ilustração: O Beijo de Augusto Rodin

ÁPICE


Quando me vi com a vida perfeita;
Tudo nos eixos, sem problema algum,
Emitiram o atestado de óbito.

(De "Águas Passadas", Editora Per Se, 2013). 
Ilustração: Marcelo Torres

EXCESSO


Há o tempo-este carrasco implacável- 
E a morte- a recolhedora das vidas-
Que são inevitáveis, 
Porém, não precisava também
Da distância e da saudade de você 
Que não param de doer.

(De "Águas Passadas", Editora Per Se, 2013). 
Ilustração: COLUNA EXPRESSA - WordPress

Amor musical

A delicadeza do teu querer              
Vibra em cada fibra de minha alma
Com o suave toque de tuas mãos
Que uma partitura invisível segue
Despertando em nossos corpos
Harmonias insuspeitas de prazer
Para tornar o nosso amor
Uma sinfonia inacabada,
E sempre repetida,
Música inesquecível de gozo e vida
Que sempre acaba em suor e prazer.

(Do livro "Jardim Diz Persivo", Editora Per Se, 2013)
Ilustração: Pinterest

Tuesday, November 29, 2016

Uma poesia de Gabriela Lucatelli

 
Gabriela Lucatelli

Duermo cada noche en el piso
buscando la posición
en la que duelas menos.

Lo que no me mató
se transformó
en un poema de amor
para contarle al mundo
que por vos no muere nadie.

Durmo cada noite no chão
buscando a posição
em que doa menos.

O que não me matou
se transformou
em um poema de amor
para contar ao mundo
que, por você, não morreu ninguém.


Ilustração: vida de papel 

Friday, November 25, 2016

POEMINHA PERTURBADO



Sofro                                                                                               
a inevitável condição de estar no mundo
sem ter nenhum preparo
para um lugar de delicadeza e carinho
tão raro
como, na minha mesa, um bom vinho.
Espanto-me com o espelho onde me vejo
sem explicação porque o teu doce beijo,
e o teu sorriso de Monalisa brejeira,
me fizeram ficar com cara de bobo
quando me preparei tanto
para ser o teu lobo.
Que sou feito de incertezas e de inconclusões
não me assusta.
É uma parte da minha estranha forma de ser
que, insiste, em dizer que não sou assim
quando não sei nada de mim.
Mas, o teu jogo de gato e rato
me acaba.
Não nasci para labirintos
e diante de ti,
não sei esconder,
que tudo se confunde
e se resolve
sem nenhuma conclusão- 
como este poema perturbado.


Ilustração: Jiboiando e Andando

Wednesday, November 23, 2016

Uma poesia de Martín Moureu

De cómo se entra a la literatura                 

Martín Moureu

Busco una
palabra
en el
diccionario.

Me doy
cuenta
de que el significado de esa
palabra
son otras
palabras,
y el de estas,
otras.

Puede adivinarse
un infinito: un árbol
de definiciones
que se abren, se ramifican
entrecuzándose.

De adentro
de cada palabra
sigo
sacando
más palabras hechas
de palabras.

Imposible volver
atrás.

No hay
salida.

  
DE COMO SE ENTRA NA LITERATURA

Busco uma
palavra
no
dicionário.

Me dou
conta
de que o significado dessa
palavra
são outras
palavras,
e ela destas
outras.

Pode adivinhar-se
um infinito: uma árvore
de definições
que se abrem, se ramificam
entrecruzando-se.

De dentro
de cada palavra
sigo
tirando
mais palavras feitas
de palavras.

Impossível voltar
atrás.

Não há
saída.

Ilustração: Wikipédia. 


Tuesday, November 22, 2016

A SORTE DA PATA DE COELHO

Muitas vezes, quando me faltava fé,   
me apoiei, com convicção,
na minha pata de coelho,
uma efetiva proteção,
que, nunca, deu catolé.
Até que, numa atitude doidivana,
cai, cego, alucinado, de paixão
pela negona Severina
que cozinhava com capricho
e fazia amor como um bicho.
Ela, por me deixar meio inerte,
foi minando minhas forças tão solerte,
com tanto ardor e carne dura,
que senti o gosto da rapadura
que é doce, mas, não é mole.
Entre feijoadas e rocambole
enfiei as dívidas na minha vida
e o gosto da amargo da escassez
na minha carteira se implantou de vez.
Pensei que não havia de ser nada
segurando a pata de coelho amada
que não haveria de me faltar.
Estranhamente tudo deu errado.
Fui ficando, cada vez mais, ferrado
E mais de dez anos se foram em aflição:
dinheiro curto, problemas, preocupação.
E como não surgiu nenhuma solução
me convenci ser  a pata grande fraude.
Até pedi a Santo Expedito que me ajude;
rezei, fiz novenas, confessei os pecados
e, entre os troços abandonados,
achando a pata de coelho, joguei fora.
Até me lembrei, com uma lógica perfeita,
de como dita cuja havia sido feita
que só podia mesmo ser contrafação.
Afinal a pata ao coelho não deu sorte,
de vez que para servir de talismã,
não tinha sido de uma forma sã,
pois, havia lhe custado a morte. 

Ilustração: jhdias

Monday, November 21, 2016

Uma poesia de Coral Bracho

Puerta en la selva                                                                       
Coral Bracho

Hay umbrales en la selva que dan al mar,
a parajes sin confines, a estanques vítreos.
Son espejismos:
son las puertas
de hondas estancias entrañables; estelas,
piedras
que aprisionan e imantan
la claridad.

PORTA PARA A SELVA

Há entradas na selva que vão dar no mar,
em lugares sem confins, em lagos vítreos.
São miragens:
são as portas
de  profundas  intimidades das entranhas; estrelas,
pedras
que aprisionam e magnetizam
a claridade.


Friday, November 18, 2016

Uma poesia de Victoria Guerrero Peirano


Victoria Guerrero Peirano

Vivimos em una época de rivalidades ridículas
Nadie nos dijo qué debíamos hacer después de la guerra
Pero entre los poetas se cuecen habas
Nadie sabe bien por qué
(pero se sospecha)
se mueven entre el cortejo y el asesinato
Y asistimos a sus funerales sin pedirlo

Estos días dan ganas de no ser de este siglo
No asistir a su muerte mediática
Sino ir y escupir sobre su tumba
como antiguamente
Darles duro con el puño cerrado
Y quemar sus versos como flores marchitas

Poetas del Tercer Mundo: pobres poetas
A veces se estremecen ante un verso inusitado
Y dan ganas de abrazarlos
Pero los poetas del Tercer Mundo somos así:
Regurgitamos nuestros poemas o los retenemos como papel muerto
Entre las encías rojizas
Y tenemos miedo al llegar a casa
De recordar lo dicho
De releer lo escrito

Pobres poetas
Yo no les pido nada
Algún día sus versos dejarán de existir
Como ellos


Vivemos em uma era de rivalidades ridículas
Ninguém nos disse o que devíamos fazer depois da guerra
Porém, entre os poetas se cozinham feijões
Ninguém sabe bem por que
(Porém, se suspeita)
Se movem entre a sedução e o assassinato
E assistimos ao seu funeral sem pedir-lhes

Estes dias dão a impressão de não serem deste século
Não assistir sua morte mediática
Sim ir e cuspir sobre seu túmulo
como antigamente
Dar-lhes duro com o punho fechado
E queimar seus versos como flores murchas

Poetas do Terceiro Mundo
Às vezes, se estremecem diante de um verso inusitado
E possuem desejo de abraçá-los
Porém, poetas do Terceiro Mundo somos assim:
Regurgitamos nossos poemas ou os retemos como papel morto
Entre as gengivas vermelhas
E temos medo, ao chegar em casa,
De lembrar o que foi dito
De reler o que foi escrito

Pobres poetas
Eu não lhes peço nada
Algum dia seus versos deixarão de existir
Como eles


Ilustração: casamericalatina.pt

DIZ A ELA

Ah! Tristeza                               Sei que não vais mais embora,
Mas, não, não é por ti que o meu coração chora,
Nem se desfaz em pranto o cavaquinho.
É por ela, só por ela,
Que me deu tanto amor,
Tanto carinho
Que sua falta está me matando
Devagar, devagarinho
Como uma vela que vai se queimando
Trazendo de volta a escuridão.
Vai canção
E diz a ela
Que qualquer vento que bate na janela
Me traz o seu perfume
E que ela volte,
Volte logo,
Nem que seja por costume
Ou por pena de mim.


Thursday, November 17, 2016

Uma poesia de Tristan Tzara


LA GRAND COMPLAINTE DE MON OBSCURITÉ TROIS

Tristan Tzara

chez nous les fleurs des pendules s’allument et les plumes encerclent la clarté
le matin de soufre lointain les vaches l’èchent les lys de sel
mon fils
mon fils
traînons toujours par la couleur du monde
qu’on dirait plus bleue que le métro et que l’astronomie
nous sommes trop maigres
nous n’avons pas de bouche
nos jambes sont raides et s’entrechoquent
nos visages n’ont pas de forme comme les étoiles
cristaux points sans force feu brulée la basilique
folle: les zigzags craquent
téléphone
mordre les cordages se liquéfier l’arc
grimper
astrale
la mémoire
vers le nord par son fruit double comme la chair crue
faim feu sang


A GRANDE QUEIXA SOBRE MINHAS TRÊS OBSCURIDADES

Na casa as flores dos pêndulos se iluminam e as plumas
em volta da claridade
na manhã de enxofre distante as vacas lambem os lírios de sal
meu filho
meu filho
carregamos, ao sair, sempre pela cor do mundo
que se parece mais azul que o metrô e a astronomia
nós estamos muito magros
nós não temos nenhuma boca
nossas pernas estão paralisadas e se entrechocam
nossos rostos não tem forma de estrelas
pontos de cristais sem força, o fogo queimou  a basílica,
louco: os ziguezagues racham
o telefone
mordem as cordas liquefazem o arco
sobem
astral
memória
para o norte por seu fruto em dobro como a carne crua

fome fogo sangue

Ilustração: Segundo Plano

Monday, November 14, 2016

Uma poesia de Alfred de Musset

 
CHANSON                                                                      
Alfred de Musset

Lorsque la coquette Espérance
Nous pousse le coude en passant,
Puis à tire-d’aile s’élance,
Et se retourne en souriant;

Où va l’homme ? Où son coeur l’appelle.
L’hirondelle suit le zéphyr,
Et moins légère est l’hirondelle
Que l’homme qui suit son désir.

Ah ! fugitive enchanteresse,
Sais-tu seulement ton chemin?
Faut-il donc que le vieux Destin
Ait une si jeune maîtresse!

CANÇÃO

Quando a sedutora esperança
Nos acotovela de passagem, indo
Depois, rápido, com a asa se lança,
E se volta, sorrindo

Onde vai o homem? Onde seu coração o encaminha.
A andorinha segue o vento em seu bafejo,
E é menos ligeira a andorinha
Que o homem que segue o seu desejo.

Ah! Fugitiva feiticeira,
Sabes mesmo para onde vais?
Ou precisa que o velho destino queira
Ter uma jovem amante, ou mais!


Friday, November 11, 2016

EM ALGUM PONTO DA TRAJETÓRIA



Entre nós há céus e desertos
que, com desejos, terão que ser vencidos
e esta incerteza nebulosa, imensa
dos problemas que não são resolvidos.
Importante é seguir por mares desconhecidos
arriscando o olhar em busca do novo
quando já acostumados ao velho amor
que nos mantém vivos na lida.
É a aventura que nos leva aos lugares, querida,
mesmo quando só percebemos a paisagem
ou, nos queixamos, a ver, entediados,
a manhã, o amanhã, como miragem,
como uma recuperação que logo se desfaz.
E contemplamos o caminho, o longo caminho,
percorrido, ou por percorrer, nem sei dizer
como um alvo que não queremos mais.
Eu, velha criança à cata de emoção,
a te olhar, com um olhar de peixe morto,
tu, embebida da canção, cheia de ilusão,
a desejar o chão real de um porto.


Ilustração: Veja - Abril.com

UMA OUTRA POESIA DE KAVAFIS


AL ATARDECER

Constantin Kavafis

De todos modos no duraría mucho. La experiencia
de los años me lo enseña. Sin embargo, algo apresuradamente
vino la Moira y lo interrumpió.
Fue breve esa hermosa vida.
Pero qué intensos eran los perfumes,
en qué espléndidos lechos nos acostamos,
a qué placer entregamos nuestros cuerpos.

Un eco de los días de placer,
un eco de los días, vino hasta mí,
algo del ardor de nuestra juventud;
volví a tomar una carta en mis manos
y leí una y otra vez hasta que faltó la luz.

Y salí melancólicamente al balcón,
salí para cambiar de pensamientos mirando al menos
un poco de la ciudad amada,
un poco el movimiento de la calle y los negocios.


AO ENTARDECER

De todas as maneiras não duraria muito. A experiência
dos anos me o ensinou. Sem embargo, apressadamente,
veio a Moira (o destino) e o interrompeu.
Foi breve essa formosa vida.
Porém, que intensos eram os perfumes,
em que esplêndidos leitos nos refestelamos,
e a que prazer entregamos nossos corpos.

Um eco dos dias de prazer,
um eco dos dias, veio até a mim,
algo do ardor de nossa juventude;
voltei a pegar uma carta em minhas mãos
e li uma outra vez até que faltasse luz.

E sai, melancolicamente, para a sacada,
Sai para trocar o pensamento olhando, ao menos,
um pouco da cidade amada,
um pouco do movimento da rua e dos negócios.

Ilustração: Urban Sketchers Brasil