Monday, February 03, 2025

Mansidão

Até mesmo quando faço um poema-

Em meio ao carnaval que me espera-

Me fantasio de formidável fera

E espero que minhas garras temas,

No entanto do teu corpo é meu temor
Ao vê-lo suado voluptuoso na dança
E ao pensar que, na cama, tuas tranças
Hão de se molhar na febre do amor.

Olhos fechados, já o vejo doce, inteiro
Na mansidão de um mar tão perigoso
Naufragarei tão forte, tão fogoso

Sexo afoito por pernas, pêlos, cheiros.

Sonho já com ardentes beijos úmidos

Com as mãos perdidas nos achados seios
na procura de um prazer na qual os meios

Fará dos vencedores, os vencidos


E se o pecado for azul ou cor de rosa,
A luz do desejo, a energia da ação
Hão de fazer da carne a tentação,
refúgio certo do prazer que se goza

Podes fingir que não és tão manhosa
Sabendo que só procuro os braços teus
para ter o prazer supremo que um deus
No cálice de um mortal em gotas dosa

E bebo do teu momento o auge

Como a bebida mais doce e preciosa

Sorvendo com a língua o doce leite.

Rei, dentro de mim, puro deleite.

Ilustração: A Soma de Todos os Afetos.


E a bela Myriam na visão de Ernesto Cardenal

 

 


Ernesto Cardenal

Ayer te vi en la calle, Myriam, y
te vi tan bella, Myriam, que
(¡cómo te explico qué bella te vi!)
ni tú, Myriam, te puedes ver tan bella ni
imaginar que puedas ser tan bella para mí.
Y tan bella te vi que me parece que
ninguna mujer es más bella que tú
ni ningún enamorado ve ninguna mujer
tan bella, Myriam, como yo te veo a ti
y ni tú misma, Myriam, eres quizás tan bella
¡porque no puede ser real tanta belleza!
como yo te vi de bella ayer en la calle,
o como hoy me parece, Myriam, que te vi.

Ontem te vi na rua, Myriam, e

te vi tão bela, Myriam, que

(Como posso te explicar quão bela te vi!)

Nem tu, Myriam, te podes se ver tão bela nem

imagina que possas ser tão bela para mim.

E tão bela te vi que me parece que

Nenhuma mulher é mais bela que tu

nem ninguém enamorado vê nenhuma mulher

tão bela, Myriam, como eu te vejo

E nem tu mesma, Myriam, talvez és tão bela

Porque não pode ser real tamanha beleza!

como eu te vi bela ontem na rua,

Ou como hoje, Myriam, parece que eu te vi.

Ilustração: Catraca Livre.

Uma poesia de Megan Fernandes, pois

 


FRIENDS WITH NO BENEFITS

Megan Fernandes

I now replace desire 

with meaning. 

Instead of saying, I want you, I say, 

there is meaning between us.

Meaning can swim, has taken lessons from the river 

of itself. Desire is air. One puncture 

above a black lake and she lies flat.

I now replace intensity with meaning.

One is a black hole of boundless appetite, a false womb,

another is a sentence.

My therapist says children need a “father” for language 

and a “mother” for everything else.

She doesn’t get that it’s all language. There is no else

Else is a fiction of life, and a fact of death.

That night, we don’t touch. 

We ruin nothing. 

We get bagels in the morning before you leave on a train, 

and I smoke a skinny cigarette and think 

I look glam, like an Italian diva.

You make a joke at my expense, which is not a joke, really, 

but a way to say I know you

I don’t feed on you. Instead, I watch you 

like a faraway tree. 

Desire loves the what if, the if only, the maybe in another lifetime

She loves a parallel universe. Or seven. 

Meaning knows its minerals,

knows which volcanic magma belongs 

to which volcanic fleet.

Knows the earth has parents. That a person is raised. 

It’s the real flirtation, to say, you are not a meal. 

To say, I want you 

to last. 

AMIGOS SEM BENEFÍCIOS

Agora reponho o desejo

com significado.

Em vez de dizer, eu quero você, digo,

há significado entre nós.

O significado pode nadar, aprendeu lições com o rio

de si mesmo. Desejo é ar. Uma perfuração

acima de um lago negro e que fica deitada.

Agora reponho a intensidade com significado.

Um é um buraco negro de apetite sem limites, um útero falso,

outro é uma sentença.

Minha terapeuta diz que as crianças precisam de um "pai" para a linguagem

e uma "mãe" para todo o resto.

Ela não entende que é tudo linguagem. Não há todo o resto.

Todo o resto é uma ficção da vida e um fato da morte.

Naquela noite, não nos tocamos.

Não estragamos nada.

Pegamos pãezinhos de manhã antes de você sair de trem,

e eu fumei um cigarro fino e pensei

Estou glamorosa, como uma diva italiana.

Você faz uma piada às minhas custas, o que não é uma piada, na verdade,

mas uma maneira de dizer eu te conheço.

Eu não me alimento de você. Em vez disso, eu te observo

como uma árvore distante.

O desejo ama o qual se, o se somente, o talvez em outra vida.

Ela ama um universo paralelo. Ou sete.

O significado conhece seus minerais,

sabe qual magma vulcânico pertence

a qual frota vulcânica.

Sabe que a Terra tem pais. Que uma pessoa é criada.

É o verdadeiro flerte, para dizer, você não é uma comida.

Dizer, eu quero que você

dure.

Ilustração: Metrópoles.

Sunday, February 02, 2025

Uma poesia de Blanche Taylor Dickinson

 



THINGS SAID WHEN HE WAS GONE

Blanche Taylor Dickinson 

My branch of thoughts is frail tonight

As one lone-wind-whipped weed.

Little I care if a rain drops laughs

Or cries; I cannot heed

 

Such trifles now as a twinkling star,

Or catch a night-bird’s tune.

My whole life is you, to-night,

And you, a cool distant moon.

 

With a few soft words to nurture my heart

And brighter beams following love’s cool shower

Who knows but this frail wind-whipped weed

Might bear you a gorgeous flower!

COISAS DITAS QUANDO ELE SE FOI

Meu ramo de pensamentos está frágil esta noite

Como uma erva daninha solitária açoitada pelo vento.

Pouco me importa se uma gota de chuva ri

Ou chora; não posso prestar atenção

 

Tais ninharias agora como uma estrela cintilante,

Ou captar a melodia de um pássaro noturno.

Minha vida inteira é você, esta noite,

E você, uma lua fria e distante.

 

Com algumas suaves palavras para nutrir meu coração

E raios mais brilhantes seguindo o frio banho do amor

Quem sabe, porém, está erva daninha frágil açoitada pelo vento

Possa lhe dar uma flor linda!

Ilustração: iStock.

Saturday, February 01, 2025

A Incerteza do Porvir


A Natureza parece aleatória,

todavia o homem quer sempre 

encontrar um padrão

para explicar 

as coisas que são  inexplicáveis.

É claro que, em muitos casos,

os padrões existem, imperceptíveis, 

e no limite, 

o improvável resiste

e surpreende com o inesperado.

E, quase sempre, apesar da repetição,

quando há, 

o mundo, o mesmo em mutação, 

nos dá a ilusão

de que o que não é igual, é, 

de que seremos capazes de prever

o  que vai acontecer. 

Só que não. 


Uma poesia de Ashley M. Jones

 


HOLYHEADHARRIET

Ashley M. Jones

the eye of God is planted between  my brow the eye of God is
opening  at the top of  my head the  eye of God was made with
blood, was made from the hands of an ungodly master the eye

 of God pierced my head in two  the eye of God said look and

I saw it the eye of God showed me rivers and fields  and trees
that  would  shelter me  on  my  way  the  eye of God told me

I would  not  be enslaved  the  eye  of  God  showed  me all the
shades of my humanity showed me how to see my people 

my people  my  people are the eye of God, too my  people  bloom 

from my brow my people are the top of my head and the soles
of  my feet  my  people  are made  with  blood  my people  are
hurting  at  the  hands  of an  ungodly  master  my people have 
pierced  me  in  two  my  people said look  and I  saw them my

people  showed me their blood in the rivers my people showed
me their blood in the fields my people showed me their bodies
in  the trees and  the shelter I could  make for them on my way
my people  told  me they were not enslaved my people showed
me all the shades of my  humanity my  people showed me how
to  see  my people how to see my God my God and  my people 
are made of the same cloth the  same blood my people showed
up  in my  vision  and  I said  oh God show me how  to  make  a
way-

HOLYHEADHARRIET

o olho de Deus está plantado entre minha testa o olho de Deus está

abrindo no topo da minha cabeça o olho de Deus foi feito de sangue, foi feito das mãos de um mestre ímpio o olho

de Deus perfurou minha cabeça em dois o olho de Deus disse olhe e

eu vi o olho de Deus me mostrou rios e campos e árvores

que me abrigariam no meu caminho o olho de Deus me disse

que eu não seria escravizado o olho de Deus me mostrou todos os tons da minha humanidade

me mostrou como ver meu povo meu povo meu povo também é o olho de Deus meu povo floresce

da minha testa meu povo é o topo da minha cabeça e as solas

dos meus pés meu povo é feito com sangue

meu povo está sofrendo nas mãos de um mestre ímpio meu povo 

me perfurou em dois meus povos disse olhe e eu os vi meu

povo me mostrou

seu sangue nos rios meu povo me mostrou seu sangue nos campos meu povo me mostrou seus corpos

nas árvores e no abrigo eu poderia fazer para eles no meu caminho

meu povo me disse que não era escravizado meu povo me mostrou

todos os tons da minha humanidade meu povo me mostrou como

ver meu povo como ver meu Deus meu Deus e meu povo

são feitos do mesmo tecido o mesmo sangue meu povo apareceu

na minha visão e eu disse oh Deus me mostre como fazer um caminho-

Ilustração: Revista Planeta

E, de volta, Beatriz Fernández de Sevilla

 


 A PLACE TO BE

Beatriz Fernández de Sevilla

Oigo tu corazón,

cargado de latidos adolescentes.

Ensimismada,

escucho bombear por tus arterias

tardes de contrabando en el colegio,

canciones del pasado que regresan

como viejos amigos.

Conduces bajo el sol de alguna playa

cuyo nombre no importa

y necesito

solo las coordenadas de tu vientre

para tocar a tientas las entrañas del mundo.

A PLACE TO BE (UM LUGAR PARA SER)

Ouço teu coração

carregado de palpitações adolescentes.

Ensimesmada,

escuto bombear por tuas artérias

tardes de contrabando no colégio,

canções do passado que regressam

como velhos amigos.

Conduzes sob o sol de alguma praia

cujo nome não importa

e necessito

só das coordenadas de teu ventre

para tocar tateando as entranhas do mundo.

Ilustração: Amor de Poeta.

Thursday, January 30, 2025

O ENGANO GERAL

Pensaram que o golpe era dele. 

E até ele mesmo pensava 

que estava dando o golpe. 

Pobre homem! 

Quando acordou descobriu 

que o golpe foi dela!!! 

Ilustração: Servo Livre. 

Uma poesia de Richard Butler Glaenzer

 


STAR-MAGIC

Richard Butler Glaenzer

Though your beauty be a flower
Of unimagined loveliness,
It cannot lure me tonight;
For I am all spirit.

As in the billowy oleander,
Full-bloomed,
Each blossom is all but lost
In the next-
One flame in a glow
Of green-veined rhodonite;
So is heaven a crystal magnificence
Of stars
Powdered lightly with blue.

For this one night
My spirit has turned honey-moth
And has made of the stars
Its flowers.

So all uncountable are the stars
That heaven shimmers as a web,
Bursting with light
From beyond,
A light exquisite,
Immeasurable!

For this one night
My spirit has dared, and been caught
In the web of the stars.
Though your beauty were a net
Of unimagined power,
It could not hold me tonight;
For I am all spirit.

MAGIA DAS ESTRELAS

Embora sua beleza seja uma flor

De beleza inimaginável,

Ela não pode me atrair esta noite;

Pois eu sou todo espírito.

 

Como na espirradeira ondulada,

Totalmente florida,

Cada flor está quase perdida

Na próxima-

Uma chama num brilho

De rodonita com veios verdes;

Assim é o céu uma magnificência cristalina

De estrelas

Ligeiramente iluminado com azul.

 

Por esta noite

Meu espírito se tornou uma mariposa

E fez das estrelas

Suas flores.

 

Tão incontáveis ​​são as estrelas

Que o céu brilha como uma teia,

Explodindo com luz

Do além,

Uma luz requintada,

Imensurável!

 

Por esta noite

Meu espírito ousou e foi pego

Na teia das estrelas.

Embora sua beleza fosse uma rede

De poder inimaginável,

Ela não poderia me segurar esta noite;

Pois eu sou todo espírito.

Ilustração: Space Today.

Outra poesia de Beatriz Fernández de Sevilla

 


DESCONCIERTO

Beatriz Fernández de Sevilla

He leído muchos libros y el amor del que hablaban

no se parece a este.

Aún no entiendo muy bien que la poesía

no tenga entre los versos de los grandes algo que sea muy nuestro

y sin embargo cuánto quema el sueño

sin ti a mi lado

qué paladar ordena mi saliva

por qué no están mis manos en tu pecho.

DESCONCERTO

Li muitos livros e o amor do qual falavam

não se parece com este.

Ainda não entendo muito bem que a poesia

não tenha entre os versos dos grandes algo que seja muito

nosso

e, sem embargo, quando o sono chega

sem ti ao meu lado

que paladar ordena minha saliva

porque não estão minhas mãos no teu seio.

Ilustração: Hora da Soneca. 

Tuesday, January 28, 2025

Ela me Leva

 


Mesmo sendo o mesmo,
o que se repete,
agora, no ano novo,
Serei outro.

Outras coisas me aguardam
E até diria, com ousadia,
Que sinto que algo de mim se sacia
Mesmo quando apenas
É recomendável
Que mude, e nem sei como.
Não para ser perfeito,
Mas, para ter algum jeito.

Talvez seja ilusão,
Preâmbulo do explodir,
Como fruto do que não foi feito.
Há o otimismo que mantenho
A certeza de que, numa esquina do tempo,
A vida há de me fazer feliz-
Ainda que tarde

E dessa forma
(como se me enganar fosse uma arte]
Conservo,
Como uma lâmpada maravilhosa,
A chama da ilusão.

Só a fé e a poesia
Podem salvar um homem.

E sigo ainda contente
Quando o fato de ser o mesmo
Enlouqueceria outra mente.
Embora o ano seja novo,
E a alegria um fator ausente,
Levo a vida
E a vida vai me levando.

Ilustração: Discover Universal. 

Uma poesia de Beatriz Fernández de Sevilla

 


LA ISLA DE GLORIA

Beatriz Fernández de Sevilla

He creado una isla,

una isla sola en medio de un Atlántico propio

donde naufrago intencionadamente

los días de laxitud tras cada guerra.

He creado una isla

de apacible desorden, de rebeldía controlada

donde espero las tormentas que me llegan

y los vientos del norte que me extrañan.

 

A veces sueño que buscas mi isla

palpando en silencio el dique de los puertos.

De océano en océano.

De playa a playa solitaria y quieta.

A ILHA DA GLÓRIA

Eu criei uma ilha,

uma ilha sozinha no meio de um Atlântico próprio

onde naufrago intencionalmente

os dias de frouxidão depois de cada guerra.

Eu criei uma ilha

de aprazível desordem, de rebelião controlada

onde espero as tempestades que me chegam

e os ventos do norte que me estranham.

 

Às vezes sonho que buscas minha ilha

Apalpando em silêncio o dique dos portos.

De oceano a oceano.

Da praia a praia solitária e tranquila.

Ilustração: Tripadvisor.

Monday, January 27, 2025

O Meu Amor

 



É melhor deixar

Que o tempo explique tudo.

De nada adiantam as palavras
Sem teus braços, sem teu corpo, sem tua língua
Que é, inexplicavelmente, doce.

A flor do bem e do mal
Pode ter o mesmo nome
E só a explosão do prazer
Justificaria o palavrão
Com que pretendo te agraciar.

Ainda que ferir seja a maior forma de amar.

Ilustração: Phoneky.

Uma poesia de Jason Allen-Paisant

 


AND YOU . . .

Jason Allen-Paisant

a walk in a midwinter ochre wood

to get some england sun

as it steals away-

a little poodle runs to show you love;

you like the feel of the animal’s body

on your leg; it’s something

of an acceptance so you smile

and are not the least bothered; you even hope

it’ll jump, though the lady yells

no jumping Sam! no jumping!

and when she adds ‘you know he

just loves EVERYbody!’ why should you

suddenly feel tears coming?-

it’s just that EVERYbody; how do you

explain this? there’s nobody to explain

it to: why she needed to take away

from you this one feeling of special?

how could she know it was the most

human moment of your day-

the most human moment in weeks?

E VOCÊ…

caminhar em uma floresta ocre de inverno

para pegar um pouco de sol da Inglaterra

que se esgueira como sempre-

um pequeno poodle corre para mostrar seu amor;

você gosta de sentir o corpo do animal

na sua perna; é alguma coisa

da aceitação, assim como você sorri

e não se incomoda nem um pouco; você até espera

que ele pule, embora a moça grite

não pule Sam! sem pulos!

e quando ela adiciona "você sabe que ele

simplesmente ama TODO MUNDO!' por que você deveria

de repente sentir lágrimas chegando?-

é justo que TODO MUNDO; como você

explica isto? não há ninguém para explicar: por que ela precisava tirar

de você este sentimento especial?

como ela poderia saber que era o momento mais

humano do seu dia-

o momento mais humano em semanas?

Ilustração: Porto Filhote.

Sunday, January 26, 2025

Sempre na Superfície

 


Mergulhar não! É na superfície
Que as coisas estão. E o fundo
É cheio de pedras, sentidos,
sentimentos traiçoeiros

Que se escondem na profundeza
Abissal. O sofrimento, a dor,
Sempre arrasta para baixo, afunda,
mais funda

Do que deveria ser, sempre propensa
A mais doer, a ser mais imensa,
mesmo em mim,
que sou tão covarde.

Que ninguém ouça este segredo
Frágil como louça: do mar
só quero
A brisa, a suavidade, o mistério,
O murmúrio como música
No momento em que a praia
sirva
Como cama ideal de uma noite lasciva!

Ilustração: Pixabay.

Um poeminha de Amy Lowell

 


A LOVER 

Amy Lowell

If I could catch the green lantern of the firefly I could see to write you a letter.

A UM AMANTE 

Se eu pudesse pegar o verde da lanterna do vaga-lume, eu poderia olhar para escrever uma carta para você.

 


Saturday, January 25, 2025

Retraduzindo Rafael Courtoisie

 


FOSA DE CHARLES ATLAS

 

Rafael Courtoisie

 

Pienso en el hierro. Es un oscuro pensamiento
que vuelve, intermitente, como un mar duro.
A veces, las cortinas dejan pasar un hilo
se descubre la luz estallando en los objetos
frente a una idea que tiene esa certeza
disuelta.

 

¿Cómo será el hierro dentro del hierro?

 

Pienso en su alma
llena de nudos
pienso en una constelación musculosa,
en un tejido
de misterio donde cada fibra me recuerda
lo que soy:
mi fragilidad, mi blandura, mi invencible
debilidad.

 

No tengo alma
como ese centro, no tengo el alma del hierro
ni oscuridad que se parezca
ni nudo
ventral que simule, por un momento, la solidez
el tiempo endurecido de su médula.

 

Frente a esa profundidad
sólo puedo callar.

 

Huelo una hoja de cedrón
recién arrancada
de la mañana
de la vida

 

fresca y ya
pudriéndose

 

dañada
por el sol de las cosas.

 

Huelo esa hoja
y sé que está
sostenida
no por mi mano, por el hierro
invisible

 

del aroma.

 

Todo es más fuerte que yo.

A FOSSA DE CHARLES ATLAS

Penso em ferro. É um pensamento escuro

que volta, intermitente, como um mar duro.

Às vezes, as cortinas deixam passar um fio

que descobre a luz explodindo nos objetos

frente a uma ideia que tem essa certeza

dissolvida.

 

Como será o ferro dentro do ferro?

 

Penso na sua alma

cheia de nós

Penso em uma constelação muscular,

num tecido

de mistério onde cada fibra me recorda

o que sou:

minha fragilidade, minha bondade, minha invencível

debilidade.

 

Não tenho alma

como este centro, não tenho a alma de ferro

nem a escuridão que pareça

sem nó

dorsal que simule, por um momento, a solidez

o tempo endurecido de sua medula.

 

Frente à esta profundidade

só posso calar.

 

Sinto uma folha de verbena de limão

recém arrancada

da manhã

da vida

fresca e já

apodrecendo

 

danificada

pelo sol das coisas.

 

Cheiro esta folha

e sei que está

sustentada

não por minha mão, pelo ferro

invisível

 

do aroma.

 

Tudo é mais forte do que eu.

Ilustração: Amazon.