Friday, July 13, 2012

Jorge Enrique Adoum

Entonces, no hay olvido


Jorge Enrique Adoum


y no podré jamás confundirme de puerta

ya nunca equivocarme de rostro de tranvía

comenzar el destino en la otra mano

con una llave o un sombrero diferentes

sin recorrer la misma duda y a la misma hora

la misma calle con el mismo pie?

no entrar de nuevo al cuarto de uno

donde uno se espera y nunca sale

esperando al teléfono llamadas de una voz

que antes se escuchaba con el vientre

noticias de ojalá

el horóscopo para ayer que no acierta tampoco

y se mira crecerle los adioses en la cara

y no hay gillette para el recuerdo

no hay jabón para lo sido lo cernido

de las ruinas de uno mismo argamasa de la edad

como un templo donde ya no sucede nada cierto

y tantas moscas rondándome

simple muñón de ti mi antes

y en la mirada también queda lo sucio de estos dolores

puesto su sucio a remojar a fondo

por lo menos con esto me distraigo

me corrijo la vida como debió haber sido

hago cuentas de cuánto debo irme

para no estar conmigo en otra parte

escondiendo analgésicas teorías

olvidando soluciones criminalmente justas

manuscritos de la tempestad al fin y al cabo

con lo demás no hay cómo son las piedras honestas

del que no fui y seguí siendo otras veces

del que quise nacerme sin mancha de pasado

y si remueven un poco me verían debajo

echando una lagrimita por aquello

atónitos con melanosis

santos retorcidos por la sabiduría

equilibristas con espasmo y catalepsia

raquíticos hipertróficos enfisematosos

lánguidos místicos agónicos

esqueletos forrados de pergamino pardo

esqueletos envueltos con mosquitero

dos rodillas recuerdo de otra pierna dos dientes

reliquia de la vieja religión en la mejilla

De “Yo me fui con tu nombre por la tierra” 1964


Então, não há esquecimento
Então, não há esquecimento

e eu não poderei jamais confundir-me de porta

e nunca mais equivocar-me de rosto, errar o bonde

e iniciar o destino, por outro lado

com uma chave ou um chapéu diferente

sem recorrer a mesma dúvida e, ao mesmo tempo,

a mesma rua com o mesmo pé?



Não retornarei ao quarto de um

onde um se espera e nunca sai

esperando o telefone de uma voz

que antes se ouvia na barriga

notícias oxalá

horóscopos para ontem que não acerta tampouco

e se olha crescer os adeuses no rosto

e não há navalhas para as recordações

não há sabão para o que foi cerzido

das ruínas de uma argamassa da mesma idade

como um templo, onde nada sucede de certo

e rondam muitas moscas

um toco de ti antes de mim

e no olhar também cai o sujo dessas dores

posta a sujeira a embeber a fundo



Pelo menos com isto me distraio

Eu corrigo a vida como deveria ter sido

faço para contas de como devo ir

para não estar comigo em outro lugar

escondendo analgésicas teorias

esquecendo soluções criminalmente justas

manuscritos da tempestade ao fim e ao cabo

como os demais não existem como são as pedras honestas

do que não fui e segui sendo outras vezes

do que quis nascer sem manchas do passado

e se removem um pouco abaixo

achariam uma lágrimazinha por aqueles

atordoados com melanose

sanos retorcidos pela sabedoria

equlibristas com espasmo e catalepsia

raquíticos hipertróficos enfisematosos

lânguidos místicos agonicos

esqueletos forrados de pergaminhos marrons

esqueletos envoltos mosquiteiros

de rodinhas lembrando outra perna de dentes

relíquia da velha religião na bochecha

“Eu me fui com teu nome pela terra” 1964

Ilustração: maeporacidente.blogspot.com

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