Entonces, no hay olvido
Jorge Enrique Adoum
y no podré jamás confundirme de puerta
ya nunca equivocarme de rostro de tranvía
comenzar el destino en la otra mano
con una llave o un sombrero diferentes
sin recorrer la misma duda y a la misma hora
la misma calle con el mismo pie?
no entrar de nuevo al cuarto de uno
donde uno se espera y nunca sale
esperando al teléfono llamadas de una voz
que antes se escuchaba con el vientre
noticias de ojalá
el horóscopo para ayer que no acierta tampoco
y se mira crecerle los adioses en la cara
y no hay gillette para el recuerdo
no hay jabón para lo sido lo cernido
de las ruinas de uno mismo argamasa de la edad
como un templo donde ya no sucede nada cierto
y tantas moscas rondándome
simple muñón de ti mi antes
y en la mirada también queda lo sucio de estos dolores
puesto su sucio a remojar a fondo
por lo menos con esto me distraigo
me corrijo la vida como debió haber sido
hago cuentas de cuánto debo irme
para no estar conmigo en otra parte
escondiendo analgésicas teorías
olvidando soluciones criminalmente justas
manuscritos de la tempestad al fin y al cabo
con lo demás no hay cómo son las piedras honestas
del que no fui y seguí siendo otras veces
del que quise nacerme sin mancha de pasado
y si remueven un poco me verían debajo
echando una lagrimita por aquello
atónitos con melanosis
santos retorcidos por la sabiduría
equilibristas con espasmo y catalepsia
raquíticos hipertróficos enfisematosos
lánguidos místicos agónicos
esqueletos forrados de pergamino pardo
esqueletos envueltos con mosquitero
dos rodillas recuerdo de otra pierna dos dientes
reliquia de la vieja religión en la mejilla
De “Yo me fui con tu nombre por la tierra” 1964
Então, não há esquecimento
Então, não há esquecimento
e eu não poderei jamais confundir-me de porta
e nunca mais equivocar-me de rosto, errar o bonde
e iniciar o destino, por outro lado
com uma chave ou um chapéu diferente
sem recorrer a mesma dúvida e, ao mesmo tempo,
a mesma rua com o mesmo pé?
Não retornarei ao quarto de um
onde um se espera e nunca sai
esperando o telefone de uma voz
que antes se ouvia na barriga
notícias oxalá
horóscopos para ontem que não acerta tampouco
e se olha crescer os adeuses no rosto
e não há navalhas para as recordações
não há sabão para o que foi cerzido
das ruínas de uma argamassa da mesma idade
como um templo, onde nada sucede de certo
e rondam muitas moscas
um toco de ti antes de mim
e no olhar também cai o sujo dessas dores
posta a sujeira a embeber a fundo
Pelo menos com isto me distraio
Eu corrigo a vida como deveria ter sido
faço para contas de como devo ir
para não estar comigo em outro lugar
escondendo analgésicas teorias
esquecendo soluções criminalmente justas
manuscritos da tempestade ao fim e ao cabo
como os demais não existem como são as pedras honestas
do que não fui e segui sendo outras vezes
do que quis nascer sem manchas do passado
e se removem um pouco abaixo
achariam uma lágrimazinha por aqueles
atordoados com melanose
sanos retorcidos pela sabedoria
equlibristas com espasmo e catalepsia
raquíticos hipertróficos enfisematosos
lânguidos místicos agonicos
esqueletos forrados de pergaminhos marrons
esqueletos envoltos mosquiteiros
de rodinhas lembrando outra perna de dentes
relíquia da velha religião na bochecha
“Eu me fui com teu nome pela terra” 1964
Ilustração: maeporacidente.blogspot.com
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