Wednesday, June 15, 2016

OS VOOS DO SENTIR (FINAL)


XI

De concreto há somente o fato de que sou cruel.
Minha crueldade vem de que não sinto
pela vida que se esvai ou modifica
nada mais do que a indiferença,
quando muito tédio.
Bebo como todos bebem.
Amo como todos amam.
Faço o que todos fazem,
mas, não sinto o que todos sentem
nestes atos.
Tudo, para mim, são apagados retratos,
pálidas imagens, pinturas desbotadas
porque o meu sentir
sente a inutilidade,
como meu gosto,
o prazer me sabe a nada.

XII

Poderia, quem sabe, buscar emoções mais fortes.
Num certo momento da vida
me atraiu o suicídio,
a cocaína, o mariri, ser ermitão.
Tive laivos de fazer um grande assalto,
de sumir, mudar de nome, ser fanático...
Laivos...clarões de racionalização,
de vez que, lá bem dentro,
não havia, em mim, paixão,
nem, fora o pensamento, desejo de busca
e buscar algo, no homem, é sua razão
ou, então, igual a mim, não busca nada
nem nada sente,
mas, sem buscar não há como existir,
exceto se também nada sentir.

XIII

Assim prossigo neste imenso vazio
sentindo, a cada dia,
ainda menos sentir
e me disponho a rir.
De qualquer jeito
rir ou chorar
que diferença faz?
Só na inconsciência há satisfação e paz. 

XIV

Toda paz é sem vida.
A paz é não sentir,
mas, não o meu não sentir,
que pensa.
A paz só há na noite mais imensa
do que não se soube,
do que não se sabe,
do que nunca se saberá
tanto que ela está mais além
de mim, de você, do tempo.
A paz é a resposta mais sabida e ignorada
que, sem saber, procuro nesta infeliz vida
de não sentir nada
e se sentir, se isto for possível,
sentirei que a paz é a companheira impossível,
a que nos espera silenciosa, impiedosa e calada,
sabendo que não há como fugir
de que sentir, existir e viver é lutar
cultivando a esperança que não há
de que do inexorável possamos escapar
até quando nos faltar o último ar.

Ilustração: www.mensagens10.com.br96







No comments: