Sereias, dragões,
Gnomos, elfos e duendes.
Seres fantásticos.
Mais fantásticos do que a vida
vão chegando:
Olha o cavalo de São Jorge!
Olha o Xangô, Oxum, Yansã, Yemanjá, o caboclo sete flechas.
Saci-Pererê passeia de perna mecânica.
Uma bruxa dança rock com em sua vassoura musical.
Drácula, cercado de morcegos, fala de amor
Enquanto um lobisomem o acompanha ao sintetizador.
Marx, meu filho, tu que acreditavas tanto
Que fazes encostado neste canto?
Lenin, tu que morrestes tentando,
que fazes agarrado ao Rockfeller?
Hitler, mamadeira na mão, alimenta judeus pequenininhos,
naturalmente, com leite Ninho.
Einstein, língua de fora, ri da relatividade do Grand Finale.
Simon Bolivar contrata Napoleão para unificar a América Latina,
Lucrécia Borgia serve um jantar sem estricnina.
Alan Kardec escuta de João XXIII uma conferência sobre o apocalipse
Ao mesmo tempo, que De Gaulle leva o Brasil a sério,
Pois, Juscelino já pensa em construir um novo universo.
Chaplin, passinhos miúdos, faz lirismo do fim dos tempos
Que Kafka torna um mistério.
Nietzsche procura sinais de Zaratustra.
Freud e Reich discutem sexo
Enquanto Rousseau ainda prega profético
Igualdade, Liberdade, Fraternidade- para um Platão
ensimesmado com os reflexos
de sua gruta.
Descartes tenta simplificar o final complexo
Diante de um Kant atônito perante
a queda das estrelas e das consciências.
Indiferente Tomás de Aquino cristianiza
o livro vermelho de Mao
Que, olhos arregalados, não entende a China.
Kennedy e Keynes debatem problemas de orçamento
sob o olhar complacente
de um Bachelard desatento.
Schopenhauer vê o desenlace com pessimismo
Hegel com descrédito e Voltaire sarcástico
zomba de Galileu, Newton e Leplace
equacionando o final.
Todos estão aqui
(Lembro-me de ter visto Smith, Locke, Bacon, Mill, Pascal, Hobbes, Espinosa, Comte, Durkheim, Weber, todos, todos).
Apreciando o fim Maquiavel queixa-se de não ser nada maquiavélico
E Wagner queixa-se a Chopin, Beethoven, Mozart e Bach
de que não seja devidamente musicado.
Van Gogh, Rubens, Rembrandt, Renoir, Gauguin, Cezanne, Da Vinci, Velasquéz, Góia e Dürer, Michelangelo, Degas, Rafael, Chagal e Picasso comentam as cores
Ao passo que Goethe, Camões, Valery, Milton, Virgilio, Homero, Drummond,
Neruda e Castro Alves nelas se inspiram.
Só Dante e Shakespeare descrevem o cessar do tempo
Que Aleijadinho procura preservar em pedra-sabão.
De repente pula, em meio à claridade impressionista,
Tendo por fundo um cartaz de Minister,
Entre cavalos e caracóis alados,
a figura frágil e trêfega de Rita Lee
que, sob os aplausos da Guarda Real do Xá
Tenta segurar o tapete voador de Aladim,
o destruidor do muro de Berlim.
Descem pela Avenida Marquês de Sapucaí
O aiatolá Khomeini, com seus reféns, comandando
A Mangueira,
A Portela,
Salgueiro,
Mocidade Independente,
Império Serrano,
Beija-Flor, todas, todas.
Na Avenida Brasil
São reforçadas pela Vai-Vai, a Camisa Verde,
que vem com todas, todas, sob a batuta
de Sadat de óculos Ray-ban.
Descem pela Rio-Bahia
numa folia
e pegam os trios elétricos,
os Filhos de Ghandi.
No Recife
Pitombeiras, Bloco das Flores, Vassourinhas, todos, todos.
Os maracatus do Ceará
Az de Ouro,
Az de Paus,
Leão Coroado, a Prova de Fogo.
Em São Luiz, bumbas-meu-bois;
Em Belém
O Rancho Não Posso me Amofiná,
Quem São Eles,
arrasta todos, todos
Que vão indo, indo, indo
se embrenhando por uma Transamazônica surrealista
buscar em Porto Velho
a Pobres do Caiari,
a Diplomatas,
a Quilometro Um,
a Banda do Vai Quem Quer
para terminarem
a quarta-feira de cinzas do mundo
no encontro das águas.
O mágico de Oz, por desencargo, ressuscita múmias egípcias.
Oráculos e esfinges em Gradientes, Garrards e Polyvoxs sonoros
predizem o próximo desastre
(fundo musical na voz de Bethania)
Chove no Ceará.
Faz frio em Terezina.
Enfeita-se o Saara de rosas.
Há neve na Amazônia, selva na Groelândia.
O Brasil torna-se uma ilha, o Japão um continente.
Os índios estão salvos e agradecem ao presidente.
Em Harvard, Salvador Dali e Idi Amin dão cursos de lógica.
Gabriel Garcia Marquez consulta Nostradamus
Sobre a possibilidade de dar certo
Certos planos para a contenção inflacionária.
Cartola ensina samba ao criado-mudo.
Elis finge que toma cocaína,
por ser gente fina,
e inventaram, por fim, a solução da questão agrária.
A Estátua da Liberdade aprendeu a andar.
A Torre Eifel é um Zepellin.
O Cristo sentado no Pão de Açúcar come amendoim.
A Torre de Piza está reta.
A Vênus de Milo recuperou os braços.
Implantaram a democracia na Rússia,
O socialismo nos Estados Unidos,
No Vaticano, um campo de nudismo,
E, no Brasil, um partido social.
E há algo de errado
com um fim onde ninguém chora.
Talvez um palhaço preocupado com a hora;
Tantas Colombinas, Pierrôs e Arlequins
ovacionando Carlos Gardel
descontente com a imensa batalha de papel
entre Inglaterra e Argentina.
Quem sabe se não é a Gioconda
de cara amarrada
para ouvir Chico Buarque
que aprendeu com Vinícius de Moraes
a arte de não beber mais
ou os Beatles, novamente juntos,
percorrendo um céu de pop art
avisando que não acabou o sonho.
Explodem fogos de artifícios.
Multidões cantam, riem, dançam, flores nas mãos.
Há alguém que toda violino no telhado. Um piano destila poesias em notas,
Um saxofone geme,
Um clarinete toca,
Soam clarins.
Ouve-se a valsa da despedida.
São os anjos que vem vindo!
São os anjos!
Descerram-se as cortinas do céu.
Milhares de anjos barrocos
rodeando um carro celeste
num todo de Tiepolo.
Mas...oh! Surpresa...no carro..
Vós, ó Rei Momo!
Soam trombetas celestes.
Holofotes,
Fosfóros Fiat Lux.
Lâmpadas estroboscópicas giram,
Papel picado,
Confetes,
Serpentinas, chuvas de dólares, de francos, de marcos, iens, liras.
Os discos!
Os discos voadores pousam, em perfeita sintonia,
em cores da Kodak,
Em todas as esquinas há coca-cola grátis,
Antarctica, Skol, Brahma.
A Máfia, o Esquadrão da Morte, as brigadas vermelhas, os palestinos
e os montoneros fazem passeatas pela não-violência.
Em Angra dos Reis há uma usina nuclear em obsolescência,.
Em Belo Horizonte se elege entre festas mil
O gay mais bonito do Brasil-
Promoção da Tradição, Família e Propriedade.
E um militar desconsolado vê seu quartel desativado
não há mais o que proteger
E há ainda uma família que gosta de ié-ié-ié
E Daniel despede-se da Jari,
debaixo de palmas
de colonos e trabalhadores rurais.
A General Motors, a General Eletric, a Esso, a Shell, a Texaco, a IBM, a ITT, a Hanna,
A US Steel, as cinco irmãs do alimento, todas, todas, todas não querem lucros mais.
(E pedem desculpas ao Terceiro Mundo).
E o Chase Manhattan se propõe a financiar a reconstrução universal.
E gregos e troianos, medos e persas, romanos e cartagineses, americanos e vietnamitas, russos e afegãs, americanos e coreanos, americanos e japoneses, alemães e franceses, argentinos e ingleses, brasileiros e argentinos, russos e chineses, brancos, pretos, vermelhos, amarelos, todos, todos, todos se abraçam, se beija, e se amam.
O mar pega fogo. O espaço explode.
O universo se extingue.
E, antes do plim, plim final,
ainda se consegue ouvir
de um locutor da Globo a derradeira lição de moral!
(Do livro "Apocalypse", Editora Zanzalás, São Paulo, 1982, agora disponível em e-book na Editora Per Se (http://www.perse.com.br).
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