Tuesday, July 12, 2016

Uma poesia de Bárbara Korun




La mujer de Noé habla consigo misma

Bárbara Korun

Hace días, años estoy acurrucada acá, en el entrepuente.
Descendí por compasión hacia los animales que gemían.
Acá está oscuro, húmedo, con olor a encierro.
Hay un hedor insoportable.
Los cocodrilos abren sus dentadas fauces,
las serpientes sisean, los leones rugen hambrientos,
y todo lo sobrevuela el inquieto pataleo
del poder de los elefantes.

Al principio tenía miedo a la oscuridad y a los sonidos,
al hormigueo incomprensible de seres que no veía,
que apenas sospechaba -arañas, ratones,
ciempiés, escorpiones.
Sea grande o pequeño, todo se mueve a un compás
monstruosamente armonioso,
como en un agua invisible,
oscura e irracional.
Me convertí en uno de ellos,
percibí nuestro latido común,
cálido, húmedo, con olor a encierro.

40 días, 40 años.
Hemos envejecido, nos hemos tranquilizado
en nuestra tristeza, en nuestra hambre.
Aquí abajo no hay dios.
Al abrigo de los vapores esperamos el rostro barbado
de alguien que cumple mandatos divinos.

Oigo un ruido:
Noé está soltando a los animales a tierra firme.
Apoyo mi rostro contra la hendidura de la puerta
y la luz, que ya había olvidado, me empapa.

Cuando mi marido, que ya se olvidó de mí, abra la puerta,
se abalanzará contra su pecho lleno de viento y sol
una manada de animales-
un cuerpo de múltiples colas y miles de ojos brillantes
que se mueve a la menor sospecha. Yo -la primera.

A MULHER DE NÓE FALA CONSIGO MESMA

Faz dias, anos estou enrodilhada aqui na terceira classe.
Desci por compaixão aos animais que gemiam.
Aqui é escuro, úmido e com cheiro de confinamento.
Há um fedor insuportável.
Os crocodilos abrem suas mandíbulas com enormes dentes,
as cobras sibilam, os leões famintos rugem,
e tudo que sobrevoa são os esperneios inquietos
do poder dos elefantes.

No começo eu tinha medo do escuro e dos sons,
do formigamento incompreensível de seres que não via,
que apenas suspeitava- aranhas, ratos,
lacraias, escorpiões.
Seja grande ou pequeno, tudo se move a um ritmo
monstruosamente harmonioso,
como uma água invisível,
escura e irracional.
Me converti em um deles,
percebi o nosso batimento cardíaco comum,
quente e úmido, com cheiro de confinamento.

40 dias de 40 anos.
Temos envelhecido, temos nos tranquilizado
em nossa tristeza, em nossa fome.
Aqui embaixo não há deus.
Ao abrigo dos vapores aguardamos o rosto barbado
de alguém que cumpre os mandamentos de Deus.

Ouço um ruído:
Noé está soltando os animais para a terra firme.
Apoio meu rosto contra a fenda da porta
e a luz, que já havia esquecido, me empapa.

Quando meu marido, que já se esqueceu de mim, abrir a porta,
se abalançara contra o seu peito cheio de vento e do sol
um rebanho de animais-
um corpo de múltiplas filas e de milhares de olhos brilhantes
que se move à menor suspeita.  Eu-a primeira.


Incluido en Arquitrave (Segunda época, nº 56, agosto-octubre de 2014, Colombia), pescado do blog Asamblea de Palabras (franciscocenamor.blogspot.com.br/).
Ilustração: teatrocristao.net

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