Friday, April 09, 2021

Outra poesia de Rafael Courtoisie

 


 

EL AMOR DE LOS LOCOS

 

Rafael Courtoisie

 

Un loco es alguien que está desnudo de la mente. Se ha despojado de sus ropas invisibles, de esas que hacen que la realidad se vele y se desvíe. Los locos tienen esa impudicia que deviene fragilidad y, en ocasiones, belleza. Andan solos, como cualquier desnudo, y con frecuencia también hablan solos («Quien habla solo espera hablar con Dios un día»).
Más difícil que abrigar un cuerpo desnudo es abrigar un pensamiento. Los locos tienen pensamientos que tiritan, pensamientos óseos, duros como la piedra en torno a la que dan vueltas, como si se mantuvieran atados a ella por una cadena de hierro de ideas.
El cerebro de un pájaro no pesa más que algunos gramos, y la parte que modula el canto es de un tamaño mucho menor que una cabeza de alfiler, un infinitésimo trocillo de tejido, de materia biológica que, con cierto aburrimiento, los sabios escrutan al microscopio para descifrar de qué manera, en tan exiguo retazo, está escrita la partitura.
Pero desde mucho antes, y sin necesidad de microscopio ni de tinciones, el loco sabe que el canto del pájaro es inmenso y pesado, plomo puro que taladra huesos, que se mete en el sueño, que desfonda cualquier techo y no hay cemento ni viga que pueda sostener su hartura, su tamaño posible. Por eso algunos locos  despiertan antes de que amanezca y se tapan los oídos con su propia voz, con voces que sudan de adentro, de la cabeza.
Los pensamientos del loco son carne viva, carne sin piel. En el desierto del pensamiento del loco el pájaro es un sol implacable. El canto cae como una luz y un calor que le picara al loco en la carne misma de la desnudez.
Pero la desnudez del loco es íntima: de tanto exhibirla queda dentro. Es  condición interior, pasa desapercibida a las legiones de cuerdos cuya ánima está cubierta por completo de  tela basta, gruesa, trenzada por hilos de la costumbre.
El único instrumento posible para el loco, para defender su desnudez, es el amor. El amor de los locos es una vestimenta transparente. Esos ojos vidriosos, ese hilo ambarino que orinan por las noches, ese fragor y ese sentimiento copioso y múltiple que no alteran lasbenzodiazepinas, que no disminuye el Valium, permanecen intactos en el loco por arte del amor.
Es un martillo, y una cuchara, y un punzón. Es todo menos un vestido, no cubre sino que atraviesa, no mitiga sino que exalta. El amor de los locos tiene una textura, un porte y una sustancia.
La sustancia se parece al vidrio, pero es el vidrio de una botella rota.

                                       

O AMOR DOS LOUCOS

Um louco é alguém que tem a mente nua. Ele se desfez de suas roupas invisíveis, do tipo que faz a realidade velar e se desviar. O louco tem aquela ousadia que vira fragilidade e, às vezes, beleza. Andam sozinhos, como qualquer outro nu, e muitas vezes também falam sozinhos ("Quem fala só espera um dia falar com Deus").

Mais difícil do que abrigar um corpo nu é abrigar um pensamento. Os tolos têm pensamentos trêmulos, pensamentos ossudos, duros como a pedra em torno da qual giram, como se estivessem amarrados a ela por uma corrente de ferro de idéias.

O cérebro de um pássaro não pesa mais do que alguns gramas, e a parte que modula o canto é bem menor que a cabeça de um alfinete, um pedaço infinitesimal de tecido, de matéria biológica que, com certo tédio, os sábios examinam ao microscópio para decifrar como, em um tão exíguo espaço está escrita a partitura.

Porém desde muito antes, e sem a necessidade de microscópio ou coloração, o louco sabe que o canto do pássaro é imenso e pesado, puro chumbo que perfura os ossos, que adormece, que derruba qualquer teto e não há concreto ou viga que possa sustentar sua plenitude, seu tamanho possível. É por isso que alguns loucos acordam antes do amanhecer e tapam os ouvidos com a própria voz, com vozes que soam de dentro, de suas cabeças.

Os pensamentos do louco são carne crua, carne sem pele. No deserto do pensamento do louco o pássaro é um sol implacável. O canto cai como uma luz e um calor que vai picar ao louco na carne mesmo da nudez. Porém a nudez do louco é íntima: de tanto exibi-la, fica dentro. É uma condição interior, que passa despercebida às legiões dos sãos, cuja alma está coberta por completo por uma tela vasta e grossa, tecida por fios de costume.

O único instrumento possível para o louco defender sua nudez é o amor. O amor dos loucos é uma vestido transparente. Esses

olhos vidrados, esse fio âmbar que urina pelas noites, esse fragor e esse sentimento copioso e múltiplo que não alteram os benzodiazepínicos, que não diminui o Valium, permanecem intactos no louco pela arte do amor.

É um martelo, uma colher e um furador. É tudo menos um vestido, não cobre, sim atravessa, não mitiga sim exalta. O amor dos loucos tem uma textura, um porte e uma substância.

A substância se parece vidro, porém é o vidro de uma garrafa quebrada.

Ilustração: Revista Bula.

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