Monday, September 16, 2024

Eliseo Diego, pois

 


COMIENZA UM LUNES

Eliseo Diego

La eternidad por fin comienza un lunes
y el día siguiente apenas tiene nombre
y el otro es el oscuro, al abolido.

Y en él se apagan todos los murmullos
y aquel rostro qua amábamos se esfuma
y en vano es ya la espera, nadie viene.

La eternidad ignora las costumbres,
le da lo mismo rojo que azul tierno,
se inclina al gris, al humo, a la ceniza.

Nombre y fecha tú grabas en un mármol,
los roza displicente con el hombro,
ni un montoncillo de amargura deja.

Y sin embargo, ves, me aferro al lunes
y al día siguiente doy el nombre tuyo
y con la punta del cigarro escribo
en plena oscuridad: aquí he vivido.

COMEÇA SEGUNDA-FEIRA

A eternidade por fim começa na segunda-feira

e o dia seguinte apenas tem nome

e o outro é o escuro, o abolido.

 

E nele todos os murmúrios se apagam

e aquele rosto que amamos esfuma

e vã é já a espera, não vem ninguém.

 

A eternidade ignora os costumes,

lhe dá o mesmo ser vermelho que azul suave,

Inclina-se para o cinza, fumaça, cinza.

 

Nome e data tu gravas no mármore,

ele os roça casualmente com o ombro,

nem mesmo um monte de amargura deixa.

 

E sem embargo, vês, me aferro à segunda-feira

e ao dia seguinte dou o nome teu

e com a ponta do cigarro escrevo

na plena escuridão: aqui tenho vivido.

Sunday, September 15, 2024

PARA UMA BELA INSOSSA

 


Agora, amor, já é tempo

De te dizer quem eu sou:

Um velho com tantos anos

Que se orgulha de estar vivo,

Um lutador que não cansa

De cultivar a esperança

De ser mais do que hoje é.

Lutando pelo direito

Mesmo que assim sem jeito

Sem jamais perder a fé!

 

Por isto do que me falas

Com ignorante altivez

Em silêncio, rio tanto de ti,

Que devo chorar, talvez.

Chorar sim, porque calculo

Que o teu saber é tão nulo

Como um zero à esquerda.

Com teus modos, tão atrevida,

És mais que uma mulher presumida

Tão tola, vaidosa, banal

Que tua beleza é perdida

Como a comida sem sal!!!

 

 

Uma poesia de Carl Phillips

 


     THAT PART IN THE MUSIC

     Carl Phillips

Once loyal to a cruel master,
the dog moves like a man who
not so long ago weighed a lot less
and is still figuring the difference,
what if anything to make of it.
It doesn’t matter, whatever
tenderness she’s known since;
the dog, I mean. They’re called
hesitation wounds, the marks
left where the hand, having meant 
to do harm, started to, then 
reconsidered. As if a hand
could reconsider. The dog 
wants to trust, you can see it 
in her eyes, like that part in the music 
where it still sounds like snow 
used to.
There were orchards, still;
meadows. She’ll never be free.

AQUELA PARTE DA MÚSICA

Outrora leal a um mestre cruel,

o cão se move como um homem que

pouco tempo atrás pesava muito menos

e ainda está descobrindo a diferença,

o que fazer, se é que há algo a fazer.

Não importa, contudo qualquer

ternura que ela conheceu então;

o cão, quero dizer. Elas são chamadas

hesitações feridas, as marcas

deixadas onde a mão, tendo a intenção de

fazer mal, começou, então

reconsiderou. Como se uma mão

pudesse reconsiderar. O cão

quer confiar, você pode ver

nos olhos dela, como aquela parte da música

que ainda soa como a neve

costumava. Ainda havia orquídeas;

campos. Ela nunca será livre.

Ilustração: Produzindo Redações.

Dois poemas de Dulce María Loynaz Muñoz

 


Poema X

Dulce María Loynaz Muñoz

Vino de ayer, aún me enturbias los ojos...Pero

¡cómo me siento ya la boca amarga!

Poema X

Venho de ontem, ainda com os olhos turvados...Porém

como me sinto já com a boca amarga!

Poema XIV

Dulce María Loynaz Muñoz

En la casa vacía han florecido rojos los rosales y

hecho su nido las golondrinas de alas agudas...

¿Por qué dicen que está vacía?

Poema XIV

Na casa vazia floresceram os vermelhos das rosas e

Fizeram seus ninhos as andorinhas de asas agudas...

Por que dizem que está vazia?

 

Friday, September 13, 2024

De volta Li-Young Lee

 


BIG CLOCK

Li-Young Lee

When the big clock at the train station stoepped,
the leaves kept falling,
the trains kept running,
my mother’s hair kept growing longer and blacker,
and my father’s body kept filling up with time.

I can’t see the year on the station’s calendar.
We slept under the stopped hands of the clock
until morning, when a man entered carrying a ladder.
He climbed up to the clock’s face and opened it with a key.
No one but he knew what he saw.

Below him, the mortal faces went on passing
toward all compass points.
People went on crossing borders,
buying tickets in one time zone and setting foot in another.
Crossing thresholds: sleep to waking and back,
waiting room to moving train and back,
war zone to safe zone and back.

Crossing between gain and loss:
learning new words for the world and the things in it.
Forgetting old words for the heart and the things in it.
And collecting words in a different language
for those three primary colors:
staying, leaving, and returning.

And only the man at the top of the ladder
understood what he saw behind the face
which was neither smiling nor frowning.

And my father’s body went on filling up with death
until it reached the highest etched mark
of his eyes and spilled into mine.
And my mother’s hair goes on
never reaching the earth.

O GRANDE RELÓGIO

Quando o grande relógio da estação de trem parou,

as folhas continuaram caindo,

os trens continuaram funcionando,

o cabelo da minha mãe continuou crescendo mais e mais preto,

e o corpo do meu pai continuou se enchendo de tempo.

 

Não consigo ver o ano no calendário da estação.

Dormimos sob os ponteiros parados do relógio

até de manhã, quando um homem entrou carregando uma escada.

Ele subiu até o mostrador do relógio e o abriu com uma chave.

Ninguém além dele sabia o que ele viu.

 

Abaixo dele, os rostos mortais continuaram passando

em direção a todos os pontos cardeais.

As pessoas continuaram cruzando fronteiras,

comprando passagens em um fuso horário e pisando em outro.

Atravessando limites: do sono para a vigília e de volta,

sala de espera para o trem em movimento e de volta,

zona de guerra para zona segura e de volta.

 

Atravessando entre ganho e perda:

aprendendo novas palavras para o mundo e as coisas nele.

Esquecendo velhas palavras para o coração e as coisas nele.

E coletando palavras em uma língua diferente

para essas três cores primárias:

ficar, sair e retornar.

 

E somente o homem no topo da escada

entendeu o que viu por trás do rosto

que não estava nem sorrindo nem franzindo a testa.

 

E o corpo do meu pai continuou se enchendo de morte

até atingir a marca mais alta gravada

dos seus olhos e derramar nos meus.

E o cabelo da minha mãe continuou a crescer

nunca atingindo a terra.

Ilustração: Freepik.

Thursday, September 12, 2024

Outra poesia de Jaime García-Máiequez

 


OTRO CANTAR

Jaime García-Máiequez

Mi mundo no es de este mundo.

Lo supe desde la infancia,

aunque no ha sido hasta hoy mismo

en que lo pienso en palabras

cuando lo entiendo, y lo asumo

cómo esas cosas que pasan.

 

El agua tiene sus mundos:

el de la nieve encantada,

el peregrino del río,

el de la ola en volandas,

el ermitaño de un pozo,

el de las lluvias de plata,

 

y otros muchos, y de todos

el que prefiere esta alma

es ese frágil y alado

de las nubes. Son metáforas

de una existencia tranquila,

inútil, nómada y trágica.

 

Fijaos en una nube

de las redondas y blancas,

con sus volutas pletóricas

y con sus formas extrañas…

Y cuando pase, esforzaos

en intentar recordarla.

 

Es imposible, y qué hermosa

refulgía en la mirada.

Y ahora, ¿qué estará siendo?,

¿dónde estará?, ¿en qué montaña

o en qué ciudad, mar o charco

irán sus gotas románicas?

 

Que la vida son dos días

es una máxima clásica

que una mínima experiencia

especifica y aclara:

un domingo por la tarde

y un lunes por la mañana.

 

Casi nada vale mucho

y al final todo se pasa;

nuestro dolor, nuestra dicha,

nuestras valientes batallas

en el fondo, ¿a qué engañarnos?,

no tienen mucha importancia.

 

Una canción, por sí sola,

puede valer… lo que valga

–no sé de cálculos fríos

ni de medidas exactas–

pero nunca valdrá tanto

como el hecho de cantarla.

OUTRO CANTAR

Meu mundo não é deste mundo.

O soube desd’a infancia,

ainda que não tenha sido até hoje

quando o penso em palavras

quando o entendo, e o assumo

como essas coisas que passam.

 

A água tem seus mundos:

o da neve encantada,

o peregrino do rio,

o da onda em voos,

o eremita de um poço,

o das chuvas de prata,

 

e outros muitos, e de todos

o que prefere esta alma

e esse frágil e alado

das nuvens. São metáforas

de uma existência tranquila,

inútil, nômade e trágica.

 

Olhe para uma nuvem

das redondas e brancas,

com suas volutas pletóricas

e com suas formas estranhas...

E quando passar, se esforce

ao tentar recordar dela.

 

É impossível, e que formosa

brilha no seu olhar.

E agora, o que será?

onde será?, em que montanha

ou em que cidade, poça ou mar

irão suas gotas românicas?

 

Que a vida são os dias

é uma máxima clássica

que uma mínima experiencia

específica e esclarece:

um domingo pela tarde

e uma segunda pela manhã.

 

Quase nada vale muito

e ao final tudo se passa;

nossa dor, nossa sorte,

nossas valentes batalhas

no fundo, a quem enganamos?

não tem muita importância.

 

Uma canção, por si só,

pode valer… o que vale

–não sei de cálculos frios

nem de medidas exatas-

porém nunca valerão tanto

como o fato de cantá-la.

Ilustração: Canção Nova.

PÁSSARO AZUL


Um pássaro azul ficou

preso no meu coração.

Nem sei como entrou

nem como vai sair,

mas sei que está abrindo as asas,

mesmo sem cantar 

e sem ninguém ver.

É um pássaro que parece

muito com você:

entra sem pedir permissão,

faz o que quer

e me deixa assim feliz

por poder sonhar

que uma hora, de alegria, 

vai cantar.  

Tuesday, September 10, 2024

Borges e a Moeda de Ferro

 


LA MONEDA DE HIERRO

Jorge Luís Borges

Aquí está la moneda de hierro. Interroguemos
las dos contrarias caras que serán la respuesta
de la terca demanda que nadie no se ha hecho:
¿Por qué precisa un hombre que una mujer lo quiera?

Miremos. En el orbe superior se entretejan
el firmamento cuádruple que sostiene el diluvio
y las inalterables estrellas planetarias.
Adán, el joven padre, y el joven Paraíso.

La tarde y la mañana. Dios en cada criatura.
En ese laberinto puro está tu reflejo.
Arrojemos de nuevo la moneda de hierro
que es también un espejo magnífico. Su reverso
es nadie y nada y sombra y ceguera. Eso eres.
De hierro las dos caras labran un solo eco.
Tus manos y tu lengua son testigos infieles.
Dios es el inasible centro de la sortija.
No exalta ni condena. Obra mejor: olvida.
Maculado de infamia ¿por qué no han de quererte?
En la sombra del otro buscamos nuestra sombra;
en el cristal del otro, nuestro cristal recíproco.

A MOEDA DE FERRO

Aqui está a moeda de ferro. Interroguemos

as duas faces contrárias que serão a resposta

da demanda teimosa que ninguém há feito:

Por que precisa um homem que uma mulher o queira?

 

Olhemos. No orbe superior eles se entrelaçam

o firmamento quádruplo que sustém o dilúvio

e as inalteráveis estrelas planetárias.

Adão, o jovem pai e o jovem Paraíso.

 

A tarde e a manhã. Deus em cada criatura.

Nesse labirinto puro está o seu reflexo.

Lancemos de novo a moeda de ferro

que também é um espelho magnífico. Seu reverso

É ninguém e nada e sombra e cegueira. És tu.

De ferro as duas faces esculpem um único eco.

Suas mãos e tua língua são testemunhas infiéis.

Deus é o inacessível centro do anel.

Não exalta nem condena. Trabalha melhor: esquece.

Maculado pela infâmia, por que hão de querer-te?

Na sombra do outro buscamos a nossa sombra;

no cristal do outro, o nosso cristal recíproco.

Ilustração: Monte de Leituras.

Doce Menina

 


“Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, como eu vos amo.” (São João 15,12).

Por mais bela que fosse e encantadora
Jamais compreendi seu modo de ser-
Tenho de dizer.

Gostava de frisar que é tolice ler-
Mesmo sendo uma voraz leitora de quadrinhos e bulas de remédios.
Preguiçosa se negava a ir aos museus e exposições
Me explicando que, entre suas noções,
Esteticamente ver palhaços tristes, capas de revistas velhas
E rabiscar corações, por não ter o que fazer,
Eram atividades mais sérias.


Não se cansava de dizer
Que, por hábito e precaução,
Preferia os percevejos e as pulgas
A estar com as pessoas,
Mas ria à-toa-
O que me parecia sempre um sinal de humanidade-
Apesar de sua maldade
Ser evidente
No prazer que sentia
Em matar moscas,
Cortar pernas de aranhas
E sempre fazer carinho nos gatos
Antes de jogá-los pela janela
Com o mesmo prazer
Com que dizia amar a todos os seres.

Ilustração: Facebook.

(De "Àguas Passadas", Editora Per Se, 2013). 


Outra poesia de Carolina Ebeid

 


FROM “DAUERWUNDER, A BRIEF RECORD OF FACTS”

Carolina Ebeid

If I grew out of your (winter, 

thought, purse, chest cavity)

would I, I would be plant-wise

 

wiser for the spiny-edge & milk 

veins, this wonder’s so ancient 

so Mesopotamian, look at Miriam 

who covers her mouth when she 

laughs, look at Miriam who wears 

her dress like a casket

 

                                                     م

 

You have to use the telepathy machine: feelings as artifacts

You have to use a channel (O) for an ancestor to pass through 

Yawn her up from the white space, in alphanumeric names 

their cambered arabic numerals, a semitic pneumatic, a numen: 

telepathy, yelling over the sea / machines, their quarrel, quarrel

 

                                                          م

 

 

/tɛləpæθi/: farflung feeling

 

                                                          م

 

 

emerge (trans., imp.): emerge the _________ out of the _________

 

 

 

information                         miracle                             sleep

 

sound                                    burning car                     throat

 

child                                      music                                possibility

 

                                                          م

 

Hippocampus  controls short &  long memory,  named horse +

sea-monster  or  seahorse for its shape,  though  the  man who

described the anatomy first called it a silkworm, then changed

his  mind.  The  silkworm  eats  of  the  mulberry  leaves.  From

holes  in   its  jaws   the   silkworm  excretes  thread  in  circular

movements,  whirl-a-world, self-cocooning.  In  this  video,  the

brain lights up where a new memory forms.

                                                    م

 

 

Telepathy Machine:                May lamb gone

 

of its soft guts,                its life-force charged 

 

               into red communication:

 

 

               -you have to use your farthest voice

               -the world is such a _______ place

 

DE “DAUERWUNDER, UM BREVE REGISTRO DE FATOS”

Se eu crescesse do seu (inverno,

pensamento, bolsa, cavidade torácica)

eu seria, eu seria sábio como planta

mais sábio para as bordas espinhosas e veias de

leite, essa maravilha é tão antiga

tão mesopotâmica, olhe para Miriam

que cobre a boca quando

ri, olhe para Miriam que usa

seu vestido como um caixão

م

 

Você tem que usar a máquina de telepatia: sentimentos como artefatos

Você tem que usar um canal (O) para um ancestral passar

Boceje-a do espaço em branco, em nomes alfanuméricos

seus algarismos arábicos curvados, um pneumático semítico, um numen:

telepatia, gritando sobre o mar / máquinas, sua briga, briga

 

م

/tɛləpæθi/: sentimento distante

م

 

emerge (trad., imp.): emerge o _________ do _________

 

informação milagre sono

 

som queimando carro garganta

 

criança música possibilidade

 

م

 

O hipocampo controla a memória curta e longa, chamado cavalo

monstro marinho ou cavalo-marinho por sua forma, embora o homem que descreveu a anatomia primeiro o tenha chamado de bicho-da-seda, depois mudou de ideia. O bicho-da-seda come folhas de amoreira. De buracos em suas mandíbulas, o bicho-da-seda excreta fios em movimentos circulares, girando o mundo, autoencasulando. Neste vídeo, o cérebro se ilumina onde uma nova memória se forma.

 

Máquina de Telepatia: Que o cordeiro tenha

saído de suas entranhas moles, sua força vital carregada

em comunicação vermelha:

 

-você tem que usar sua voz mais distante

-o mundo é assim como um _______lugar

Ilustração: Uruá-Tapera.